Deputado bolsonarista é denunciado à polícia por lista de difamatória

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Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress

Pessoas que tiveram seus dados divulgados nesta quinta-feira (4) em uma lista que compila supostos antifascistas irão recorrer à polícia e à Justiça para evitar ataques advindos dessa exposição e para buscar punir responsáveis pelos vazamentos.

O dossiê com quase mil nomes é atribuído ao deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), aliado do presidente Jair Bolsonaro. O deputado, que considera os antifascistas uma organização terrorista, afirmou que nunca divulgou dados das pessoas, apenas os entregou a autoridades.

Douglas é um dos deputados investigados pelo inquérito das fake news, conduzido no Supremo Tribunal Federal.

Na Assembleia Legislativa de São Paulo, o PSOL irá protocolar um pedido de cassação de Douglas. Ao mesmo tempo, pessoas expostas no documento se organizam para acionar a Justiça.

Membros da Gaviões da Fiel, torcida organizada do Corinthians, que também aparecem na lista farão um boletim de ocorrência.

Além de nome, fotos e endereços de perfis nas redes sociais, o documento traz informações como endereços de casa, de trabalho, telefones e números de documentos das pessoas listadas.

Ao longo da semana, Douglas pediu pelas redes sociais que seus apoiadores lhe enviassem perfis de pessoas que fazem parte do que ele chama de “grupo terrorista Antifa”. Na terça (2), ele gravou um vídeo mostrando o dossiê que havia reunido, com cerca de 700 a 1.000 nomes, e afirmou que é preciso criar uma rede de combate ao terrorismo.

Os chamados antifascistas fazem parte de um movimento de oposição ao governo Bolsonaro e com discurso pró-democracia, que ganhou corpo na última semana por meio de diversos manifestos de entidades e por uma manifestação no domingo (31) na avenida Paulista. O ato foi convocado por torcidas organizadas, incluindo o grupo Somos Democracia, do Corinthians, alvo do dossiê.

A partir de então, várias pessoas na internet passaram a adotar filtros e hashtags de “antifascista” em suas redes sociais. Nos EUA, na esteira de manifestações contra o racismo, o presidente Donald Trump declarou o grupo Antifa como terrorista.

Também nesta semana, Douglas teve seus dados pessoais vazados pelo grupo de hackers Anonymous Brasil, que se declara antifascista. O deputado afirmou que “os grupos criminosos e terroristas que foram às ruas são a mesma galera” que vazou seus dados e, por isso, revidou denunciando pessoas suspeitas de participação em associações antifascistas.

Para o deputado, os antifas são “grupos de extermínio aos conservadores” e “a personificação do fascismo”. Ele defende que as pessoas sejam enquadradas na Lei de Segurança Nacional.

O deputado afirmou ainda, em vídeos divulgados nas redes sociais, que levou a lista de nomes à polícia, à Procuradoria-Geral da República e à embaixada dos EUA, para que os membros da organização que ele considera terrorista sejam investigados.

O dossiê que o deputado divulgou, borrando nomes e fotos, se parece com uma lista que passou a circular em grupos e páginas de extrema direita nesta quinta-feira.

Para o gabinete da deputada estadual Mônica Seixas (PSOL), ao estimular a divulgação de dados de pessoas afirmando que elas fazem parte de organização terrorista, Douglas utiliza seu mandato e recursos do mandato para cometer crimes de denunciação caluniosa e incitação à violência e ao ódio.

Além de estar na mira do STF, Douglas também é investigado pelo Ministério Público de São Paulo. Na segunda-feira (1º), o órgão abriu inquérito civil contra Douglas e seu chefe de gabinete para investigar o uso de recursos públicos em suposto “gabinete do ódio” e na coleta de assinaturas para a criação do partido Aliança pelo Brasil.

O Ministério Público irá apurar suposta prática de atos de improbidade administrativa pela utilização de computadores, internet e serviços da Assembleia, em horário de expediente, para promover manifestações de ódio contra figuras públicas nas redes sociais.

Cerca de 50 pessoas que tiveram seus dados publicados na lista se organizam para ir à Justiça. Segundo o advogado Jucemar da Silva Morais, que auxilia o grupo, cabe uma ação coletiva pedindo a suspensão da divulgação da lista na internet e o pagamento de indenização por danos morais, além de um pedido ao Ministério Público para que investigue o vazamento de dados pessoais.

“A divulgação desses dados, sem motivo algum, é crime. Se declarar antifascista não é crime, é uma posição ideológica e não justifica o vazamento. As pessoas estão correndo risco de sofrer represálias”, diz o advogado.

Pessoas que tiveram seus dados divulgados temem sofrer ataques e estão abaladas, segundo relatos à Folha.

Os listados suspeitam que o dossiê seja uma nova versão de listas menores e mais desorganizadas que já circulavam em grupos de extrema direita há mais tempo.

“Já é a segunda vez que apareço na lista. É uma replicação de uma lista que circulou em novembro do ano passado, com as mesmas fotos e a mesma diagramação. A diferença é que a de agora é mais organizada e tem mais pessoas. Essa lista foi passada ao Douglas. Ele não é o criador da lista, que possivelmente foi elaborada por neonazistas”, diz Fábio Soares da Silva, 44.

Silva diz que não faz parte de grupos e nunca se considerou um antifa. Ele compartilha opiniões de esquerda para cerca de 3.000 amigos virtuais de suas redes desde 2014. “O que eles querem é amedrontar, que a gente fique com medo e se cale.”

Silvia Helena Senne, 33, também estava na lista que circulou no ano passado e voltou a ser registrada agora, mas dessa vez com o endereço de sua casa também exposto. Com cerca de 1.500 seguidores, ela é filiada ao PT e costuma postar a favor da esquerda. Também é autoria de um livro que fala contra a prisão do ex-presidente Lula (PT).

“Eu tenho medo que aconteça alguma coisa contra mim. Esse momento está muito pesado. A gente não tem paz para nada. Eles querem acabar com movimentos de esquerda e sociais”, diz.

Pelo Twitter, Douglas negou que tivesse divulgado qualquer dado e afirmou que os próprios antifas estão divulgando a lista como se fosse a dele.

“Descobri que terroristas antifas estão divulgando uma lista com nomes de pessoas, afirmando que seria a mesma que eu recebi e entreguei às autoridades competentes. Isso é mais uma tramoia destes criminosos para me atacar, visto que nunca divulguei nada, bem ao contrário destes canalhas que expuseram toda minha família nas redes sociais”, afirmou.

“Essa é uma prática comum desses terroristas, isto é, a desinformação, a fim de esconder seus crimes e criminalizar suas vítimas. Eu apenas entreguei um documento que recebi, afirmando claramente que seriam supostos integrantes de grupos antifas”, completou.

Folha