Cientistas não creem que covid19 possa ser erradicada

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Foto: AFP

Oito meses após o aparecimento do coronavírus SARS-CoV-2, quase 660 mil mortos e mais de 16,5 milhões de casos confirmados, o mundo se pergunta quando a doença poderá ser controlada. A possibilidade que ela seja erradicada – a exemplo do que ocorreu com a varíola e a peste bovina – é minimizada por especialistas na questão.

“Na atual situação, é pouco provável que possamos eliminar esse vírus”, afirmou no último 10 de julho em Genebra o diretor-executivo da Organização Mundial da Saúde (OMS), Michael Ryan, em coletiva de imprensa. Segundo ele, a possibilidade de erradicação da Covid-19 atualmente existe apenas para “países insulares”, mas “mesmos eles correm o risco de enfrentar novamente o vírus”, advertiu o médico epidemiologista.

O diretor da Célula de Intervenção Biológica de Urgência do Instituto Pasteur, Jean-Claude Manuguerra, compartilha a opinião. Para ele, “não conseguiremos eliminar completamente o vírus” enquanto não houver uma campanha de vacinação eficaz, barata e acessível a toda a população mundial.

Em entrevista à France Info, Manuguerra explicou que várias condições precisam estar reunidas para que um vírus desapareça. Em primeiro lugar, “é necessário que o vírus não tenha mais um reservatório animal ou ambiental”. No entanto, para ele, essa possibilidade é ínfima. “É ilusório acabarmos com todas as aves para erradicarmos a gripe aviária. Podemos eliminar a doença para a humanidade, mas não erradicá-la do planeta”.

Outra condição é a estabilidade genética do vírus. “Se um vírus mutar o tempo todo, não conseguiremos jamais imunizar toda a população (…). Quanto menos variações do vírus, melhor poderemos lutar contra ele”, reitera. Ele lembra que é por esta razão que a vacina contra a gripe é atualizada de acordo com as cepas virais em circulação.

Além disso, lutar contra uma doença infecciosa exige também uma rápida capacidade de identificação e traçabilidade. O desafio é maior neste momento com a propagação da Covid-19 em todos continentes e a evolução contínua nas Américas. Segundo a OMS, apenas entre 5% e 10% das 1,7 bilhões de pessoas infectadas pelo bacilo de Koch, a bactéria responsável pela Tuberculose, desenvolvem a doença, tornando a sua erradicação impossível.

Até hoje, apenas duas doenças infecciosas são consideradas como completamente eliminadas: a varíola e a peste bovina. A primeira, cuja origem é desconhecida, foi responsável pela morte de entre 300 e 500 milhões de pessoas até o século XX.

A varíola foi eliminada em 1980 depois de uma massiva vacinação e rastreamento dos casos – o último deles data de 1977. Lançada dez anos antes, a campanha contra a varíola realizada pela OMS custou US$ 300 milhões.

Atualmente, o vírus que causou a doença existe ao menos em dois laboratórios: nos Centros pelo Controle e Prevenção das Doenças de Atlanta, nos Estados Unidos, e no Centro Nacional de Virologia e Biotecnologia de Novossibirsk, na Rússia.

Já a peste bovina dizia respeito unicamente, como seu próprio nome indica, a bois, mas também a búfaos, antílopes, veados, girafas, gnus e javalis. Como consequência, gerou imensas perdas econômicas para as regiões mais afetadas, como a África subsaariana.

Acredita-se que sua origem tenha ocorrido na Ásia e sua propagação aconteceu através do transporte de gado. A doença foi declarada como erradicada em 2011 após uma grande campanha de vacinação.

Entre 2002 e 2003, um outro coronavírus, o SARS-CoV-1 (Síndrome Respiratória Aguda Severa) se propagou por cerca de trinta países, contaminando cerca de 10 mil pessoas e provocando a morte de cerca de 800 pessoas, especialmente na China e em Hong Kong. Após a tentativa de dissimulação da gravidade da epidemia pelo governo chinês, sob a pressão da comunidade internacional, restrições drásticas foram tomadas para tentar barrar a propagação da doença.

Durante toda a primavera de 2003, vários países asiáticos limitaram a circulação de pessoas e isolaram doentes. Medidas severas de higiene foram instauradas, como a proibição de cuspir, a obrigação do uso de máscara, da higiene das mãos e até mesmo dos calçados antes de entrar em locais fechados. As civetas, mamíferos suspeitos de estarem na origem da transmissão do vírus ao homem, foram alvo de uma campanha de exterminação por parte das autoridades chinesas.

Já a OMS lançou um alerta internacional e mobilizou em todo o mundo equipes de epidemiologistas e uma rede de treze laboratórios. A organização também generalizou a recomendação para vigiar a circulação nos aeroportos e intensificar a proteção dos profissionais da saúde.

Pouco a pouco, o vírus, pouco combativo, perdeu terreno. A epidemia foi controlada em julho de 2013, “graças às medidas de isolamento e quarentena”, segundo o Instituto Pasteur. Desde 2004, não houve mais registros da doença.

Já o Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) foi registrado pela primeira vez em 2012 na Arábia Saudita. Diferentemente do SARS-CoV-1, ele não desapareceu, mas é considerado sob controle. Em oito anos, a doença deixou quase 2,5 mil contaminados e 858 mortos em 27 países.

Alguns especialistas defendem que a Covid-19 poderia seguir o mesmo caminho que o SARS-CoV-1 e desaparecer naturalmente. Um dos maiores promotores desta ideia é o médico italiano Alberto Zangrillo, diretor do Hospital San Rafaele de Milão, no norte do país. No final de maio, ele chegou a afirmar que o coronavírus não existia mais na Itália, gerando indignação dentro do próprio governo.

“Esperando provas científicas para apoiar a tese do desaparecimento do vírus, convido aqueles que se dizem convencidos disso a não semear confusão entre os italianos”, afirmou em comunicado a sub-secretária do Ministério da Saúde da Itália, Sandra Zampa.

Na França, o polêmico infectologista Didier Raoult afirmou em maio que a epidemia estava terminando e que não haveria uma segunda onda. “Haverá alguns casos esporádicos que aparecerão se tiver alguém supercontaminado. Mas isso não traduz uma dinâmica epidêmica. A epidemia está terminando”, defendeu em um vídeo publicado no YouTube.

No entanto, desde o início do relaxamento das medidas de quarentena na França, o país registra a cada dia novos focos da doença. De fato, as contaminações diminuíram em relação ao ápice da crise sanitária, em abril, bem como a quantidade de internações, casos graves e mortes. Nas últimas 24 horas, o país registrou nove mortes nos hospitais e 514 novos casos.

Nesta quarta-feira (29), o ministro francês da Saúde, Olivier Verán, negou que o país seja palco de uma segunda onda. No entanto, lembrou que a Covid-19 avança “mais ou menos silenciosamente, em função das regiões e cidades”. O aumento do número de contaminações desde o fim do confinamento é de cerca de 55% – o que mostra que a Covid-19 está longe de deixar de circular ou se autoeliminar.

Para Jean-Claude Manuguerra será “extremamente complicado erradicar o vírus com medidas estritamente sanitárias e na ausência de uma vacina”. Por isso, segundo ele, é preciso “aprender a viver com a doença, mas também se proteger dela”.

Em maio, a OMS fez a mesma constatação. Segundo Michael Ryan, “este vírus pode se tornar endêmico nas nossas comunidades. Ele pode jamais desaparecer”, afirmou. “É muito difícil dizer quando o venceremos”, concluiu o diretor-executivo da organização.

Rfi