Aumento de isenção do IR favorece altos salários

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O aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), uma das propostas que a equipe econômica do governo discute para a reforma tributária, pode se tornar uma medida regressiva e agravar a distribuição de renda no Brasil, segundo avaliação da Secretaria do Tesouro Nacional.

De acordo com relatório de dezembro do ano passado da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil tem a segunda maior concentração de renda do mundo, atrás somente do Catar. Segundo o relatório, a parcela do 1% mais rico da população concentra 28,3% da renda total do país.

Na semana passada, o assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos, afirmou, em entrevista ao G1, que o governo vai propor o aumento da faixa de isenção do IR dos atuais R$ 1.903,99 por mês para cerca de R$ 3 mil.

Na avaliação do Tesouro, os principais beneficiários do aumento da faixa de isenção seriam os que ganham mais de R$ 1.951 por mês — 20% da população. Esses passariam a pagar menos imposto de renda, dinheiro que o governo utiliza para financiamento de programas sociais e custeio da máquina pública.

“Alterações sobre o Imposto de Renda podem ser progressivas ou regressivas. Rever isenções sobre o IRPF é exemplo de medida progressiva e reduz distorções. Por outro lado, o aumento da faixa de isenção do IRPF, é, sim, uma medida regressiva, ou seja, tende a piorar a distribuição de renda ao favorecer as parcelas mais ricas da população. O resultado líquido dessas duas medidas depende do desenho da reforma tributária que venha a ser feita”, afirmou o Tesouro Nacional em resposta a questionamento do G1.

Na campanha eleitoral de 2018, o então candidato a presidente, Jair Bolsonaro, à época do PSL, prometeu uma isenção maior ainda no Imposto de Renda da Pessoas Física. A promessa era que seria isento quem ganha até cinco salários mínimos (até R$ 5.345, em valores atuais). O adversário de Bolsonaro no segundo turno, Fernando Haddad (PT), fez a mesma proposta.

Nesta quarta-feira (5), em audiência pública na comissão da reforma tributária, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que ampliar a faixa de isenção de cerca de R$ 1,9 mil para R$ 3 mil geraria uma perda de arrecadação de R$ 22 bilhões por ano.

“Custa um Fundeb [fundo que financia a educação básica, em valores repassados pelo governo até 2026]. E a classe política tem que decidir isso. Não é o ministro da Fazenda. O congressista é eleito para tomar essa decisão. Todo ano ele tem que decidir. Reajustando todas as faixas [da tabela do IR], vai para R$ 36 bilhões [o impacto nas contas públicas]. Vai dar os dois, vai aumentar imposto para dar os dois? Essa é a decisão que o Congresso tem de tomar. Vamos encaminhar e vamos encaminhar os dados também”, disse Guedes na ocasião.

Segundo o Ministério da Economia, outras medidas a serem propostas são a redução nas deduções; a diminuição da alíquota de 27,5% (atualmente, a mais alta); a criação de uma alíquota maior para os mais ricos; e a retomada da cobrança de imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos para as pessoas físicas, que existia até 1996.

Na semana passada, o novo secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, apresentou um gráfico feito a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) anual 2018, com as faixas de renda da população brasileira (abaixo).

 — Foto: Reprodução/Tesouro Nacional

O secretário explicou que o gráfico divide a população brasileira em cinco partes de acordo com a a renda mensal: a primeira (Q1 no gráfico) reúne os 20% mais pobres; a segunda (Q2) entre os 20% e 40% mais pobres; até a última (Q5), que representa os 20% mais ricos, com renda mensal superior a R$ 1.951 naquele ano.

“A renda mensal domiciliar mediana do Brasil é de R$ 954 [em 2018], e os 20% mais ricos ganham acima de R$ 1.951. Esse é um ponto importante. Precisamos discutir programas. Gastamos de forma considerável com programas sociais. Como a gente poderia propor debates que melhorem essa distribuição de recursos”, disse Funchal na última semana.

Os números sobre a renda no Brasil não captam os resultados da pandemia do novo coronavírus. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve alta do desemprego no país no começo de julho. Apesar disso, houve impacto positivo dos auxílios emergenciais do governo.

De acordo com o Tesouro Nacional, os números foram apresentados em um momento em que se discute a reformulação dos programas de distribuição de renda, no contexto da pandemia do novo coronavírus — que tem gerado perda de rendimento para a população.

O objetivo, segundo o Tesouro, é “promover um debate sobre a busca de um desenho mais eficaz das políticas distributivas, que as torne mais progressivas e mais focadas nas parcelas da população que realmente precisam, sem que para isso seja necessário aumentar as despesas e ampliar a pressão fiscal”.

De acordo com o secretário do Tesouro Nacional, um estudo do Banco Mundial mostra que parte dos programas de transferência de renda beneficiam a parcela mais rica da população, ou seja, que ganham acima de R$ 1.101,00 (Q4 e Q5 no gráfico). Ele citou as isenções de IRPF para dependentes e aposentados, e o abono salarial.

Por outro lado, entre os programas bem avaliados pelo Banco Mundial, com foco nos mais pobres, na avaliação do Tesouro Nacional, estão Bolsa Família e o benefício previdenciário rural.

“Toda essa discussão de programas de transferência de renda, de renda mínima, que vai se acelerar nos próximos meses, traz algumas mensagens. Existe um custo associado para controlar diversos programas que fazem a mesma coisa. A gente pode reorganizar esses programas e focalizar [nos mais pobres]”, disse Bruno Funchal na semana passada.

Segundo ele, “a reorganização traz um benefício de gestão, ter um bom programa bem desenhado, e que a gente consegue fazer uma boa gestão, e a segunda mensagem é fazer com que esse programa seja mais eficiente, transferir renda para aqueles que têm menor renda. Esse é o debate que a gente precisa fazer”.

Em 2018, o antigo Ministério da Fazenda, então sob o comando de Eduardo Guardia, divulgou um estudo apontando que a correção da faixa de isenção do IRPF de dobrar a faixa de isenção do IR, dos atuais R$ 1.903,99 para R$ 3.807,98, implicaria um custo de R$ 28 bilhões a R$ 73 bilhões por ano — dependendo do formato adotado.

Na ocasião, a pasta avaliou que a maior parte dessa renúncia fiscal beneficiaria os declarantes mais ricos da população brasileira.

“A concentração do benefício nas camadas mais ricas da sociedade ocorre porque o número de contribuintes do IRPF é muito pequeno, e a parcela pobre da sociedade já não paga esse tributo. Assim, qualquer medida que eleve a faixa de isenção irá favorecer, primordialmente, os mais ricos e reduzir ainda mais a progressividade que o IRPF confere ao sistema tributário”, dizia o estudo na época.

G1