E Witzel ainda usou um tipo de esquema “manjado”

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Foto: CARL DE SOUZA

Em entrevista coletiva na sede do Ministério Público Federal no Rio (MPF), na manhã desta sexta-feira (28/8), promotores e agentes da Polícia Federal e da Receita Federal afirmaram que as investigações que deram origem à Operação Tris in Idem, deflagrada horas antes, apontaram semelhanças entre o esquema supostamente liderado pelo governador Wilson Witzel (PSC) e o que levou à condenação do ex-governador Sérgio Cabral a mais de 280 anos de prisão.

Witzel foi afastado do cargo, ontem, por decisão do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele é acusado pelo MPF de ser o líder de uma “organização criminosa” que fraudou contratos firmados pelo governo estadual para ações de combate à pandemia.

A mulher do governador, a advogada Helena Witzel, foi um dos alvos de um mandado de busca e apreensão. Ela é suspeita de utilizar o seu escritório de advocacia para lavar dinheiro do esquema de corrupção, por meio de contratos de fachada com empresas fornecedoras do governo. Essa mesma acusação havia sido feita contra a ex-primeira-dama advogada Adriana Ancelmo, mulher de Cabral, que cumpre condenação de 12 anos e 11 meses de prisão em regime domiciliar. O escritório dela, no centro do Rio, emitia notas fiscais fictícias a empresas do esquema para simular serviços inexistentes.

“Para nós, foi como se estivéssemos em um túnel do tempo, pois constatamos um esquema muito semelhante ao que levou à prisão dos ex-governadores (Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão): a utilização de escritório de advocacia para lavar recursos públicos sem qualquer prestação de serviço e para pagamento de propina a políticos. Outra semelhança foi a atuação de doleiros no Uruguai. O esquema é o mesmo, só mudaram os personagens”, destacou o procurador Eduardo El Hage, coordenador da Operação Lava-Jato no Rio.

Ainda segundo o procurador, durante as investigações foram identificados depósitos para o escritório de advocacia da primeira-dama por quatro empresas, três delas do empresário Mário Peixoto, preso na Operação Favorito, realizada no dia 14 de maio. Uma das provas são trocas de e-mails entre Witzel e a mulher sobre contratos de fachada.

El Hage nega que haja qualquer viés político na investigação que pediu a prisão do governador. “(A investigação) não tem viés político, como tenta desviar o governador”, rebateu.

Em representação enviada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a subprocuradora-geral da República Lindôra Maria Araújo estimou que, somente com esquema criminoso de contratação de organizações sociais na área de Saúde, a organização criminosa supostamente chefiada por Witzel pretendia angariar quase R$ 400 milhões em valores ilícitos, ao final de quatro anos de mandato. A estimativa leva em consideração suposto objetivo do grupo em cobrar propina de 5% de todos os contratos para gestão de unidades de Saúde.

A indicação é feita, segundo a subprocuradora, “para se ter uma ideia” da dimensão do esquema criminoso somente na Saúde. Isso porque, segundo o delator e ex-secretário de Saúde do Rio Edmar Santos, o suposto esquema de corrupção instalado no governo Witzel abrangeria todas as secretarias de Estado.

A estimativa da PGR toma como base documento do governo do Estado que indicou que a Superintendência de Acompanhamento de Contratos de Gestão acompanha o montante mensal de R$ 160.999.451,65 pagos às organizações sociais de Saúde, já excluindo o valor de Hospitais de Campanha, que são de caráter excepcional. Assim, segundo Lindôra, as contratações das Organizações Sociais (OS) na área de Saúde envolvem o montante anual de, aproximadamente, R$ 2 bilhões, ou, ainda, R$ 8 bilhões durante o mandato de Witzel, desconsiderando eventual reeleição.

Por meio de nota, Helena negou as acusações. “A HW Assessoria Jurídica prestou serviços para a empresa apontada pelo MPF, tendo recebido honorários, emitido nota fiscal e declarado regularmente os valores”.

Entre os presos na operação dessa sexta, está o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico, Lucas Tristão –– que se apresentou, no final da manhã, à polícia para que fosse cumprido o mandado de prisão. Neófito na política, ele era braço direito de Wilson Witzel e ganhou o cargo depois de atuar, ativamente, na campanha que fez do ex-juiz federal governador do Estado do Rio. Mas os dois se conhecem de muito antes, desde os bancos do curso de direito da Universidade de Vila Velha –– Tristão foi aluno de Witzel e tinha sua total confiança.

Ao que parece, o ex-aluno entendeu rapidamente como funcionam os meandros do poder no Rio e como isso pode render frutos. Seu escritório passou a advogar para o empresário Mário Peixoto (preso e denunciado pela Lava-Jato por chefiar um esquema de corrupção na saúde no Estado), numa ação contra o governo do Rio. A amizade com Witzel, porém, estaria acima de tudo, tanto que o governador não viu conflito de interesse ao convocá-lo para assessorá-lo no Palácio Guanabara.

Tristão se apresentava como alguém que não tinha qualquer interesse político e se declarou um soldado de Witzel, disposto a cumprir as ordens do governador. E, como soldado, pareceu disposto a aceitar qualquer missão: foi acusado por deputados estaduais de fazer espioná-los, de forma que, com essas informações, conseguisse montar um dossiê contra os parlamentares.

Ele negou a arapongagem, mas o atrito com a Assembleia Legislativa (Alerj) estava no auge. Para piorar, investigações sobre Mário Peixoto mostraram que Tristão tinha almoçado, na Páscoa, na casa da família do empresário. Foi exonerado, no início de junho, pelo antigo mestre –– Witzel.

O ex-secretário é citado na delação do seu ex-colega de governo, Edmar Santos, como tendo envolvimento no direcionamento de pagamentos de restos a pagar (gastos orçamentários que são deixados para o exercício seguinte) da Secretaria de Saúde.

O ex-secretário de Saúde do Rio Edmar Santos, cuja delação premiada serviu de embasamento para a operação de ontem, afirmou que os principais artífices do processo de impeachment contra o governador Wilson Witzel também se beneficiaram dos desvios na Saúde –– mas, no ano passado, antes da pandemia. Ele citou o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), que foi alvo de buscas e apreensões, e o deputado Rodrigo Bacellar (SD), relator da comissão especial do impeachment.

Além deles, são mencionados o governador afastado, o agora governador em exercício, Cláudio Castro, o secretário de Casa Civil, André Moura, e o deputado Márcio Canella (MDB), outro muito próximo a Ceciliano. Dentre esses personagens, apenas Cláudio, Ceciliano e Moura foram alvo de buscas e apreensões ontem. O suposto envolvimento deles não tem relação direta com o caso que afastou Witzel.

Toda essa parte do documento do Ministério Público Federal é baseada na delação de Edmar. Apesar da menção nominal apenas a Ceciliano, Bacellar e Canella, o MPF fala que pelo menos seis deputados teriam participado de desvios –– que configurariam peculato, corrupção passiva e corrupção ativa.

“O esquema funcionava da seguinte forma: a Alerj repassava as sobras de seus duodécimos para a conta única do tesouro estadual.Dessa conta única, os valores dos duodécimos ‘doados’ eram depositados na conta específica do Fundo Estadual de Saúde, de onde era repassado para os fundos municipais de saúde de municípios indicados pelos deputados, que, por sua vez, recebiam de volta parte dos valores”, explicou a Procuradoria-Geral da República.

Ceciliano, segundo Edmar, teria apresentado a ele, em meados de 2019, o plano de funcionamento do esquema. No documento, o MPF apresenta dados que mostram transferências da Alerj para o fundo, num total de R$ 106,3 milhões.

Esse dinheiro seria destinado, depois, a municípios de interesse político dos investigados. É aqui que o MPF cita a suposta participação de Bacellar, o relator do processo de afastamento de Witzel na Alerj. Com reduto político em Campos dos Goytacazes, ele teria privilegiado municípios da sua área de atuação em detrimento das reais necessidades do sistema de Saúde.

Além de Campos, outros municípios em que Bacellar tem força, como Bom Jesus do Itabapoana e Carapebus, são citados pelo MPF como beneficiados pelo esquema.

“Dessa conta única, os valores dos duodécimos ‘doados’ eram depositados na conta específica do Fundo Estadual de Saúde, de onde era repassado para os fundos municipais de saúde de municípios indicados pelos deputados, que recebiam de volta parte dos valores”

Correio Braziliense