Na ONU, Bolsonaro falou ao cercadinho do Alvorada

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Foto: Rick Bajornas/AP

O discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas teve menos fígado que a versão anterior, mas veio embalado com ácaros, os ataques costumeiros e desinformação.

Além disso, o brasileiro abriu uma cerimônia histórica e global falando ao público doméstico. Quem pode ter entendido o que seja o “combate à Cristofobia”, algo que em português também é indecifrável fora dos círculos evangélicos?

Ou a quem, no mundo exterior, pode interessar a informação de que o Brasil apresentou ao Congresso a reforma do sistema tributário e a administrativa? A citação, desde que bem embasada, poderia talvez ser adequada a executivos e investidores em Davos.

O que a plateia global queria saber é o plano do governo Bolsonaro para combater as queimadas e a alta do desmatamento na Amazônia, e a perda de 20% do bioma Pantanal.

Se há algum plano, não se soube. Se há metas, não foram ditas.

Não se ouviu nada além do tradicional discurso paranóico da cobiça às riquezas da floresta, da intenção de prejudicar o Brasil como potência exportadora de commodities e de culpar imprensa e ONGs pela “brutal campanha” de desinformação.

Bolsonaro diz que a Amazônia é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. A floresta é tropical úmida, como o nome diz. Mas, se uma área no interior tiver sido desmatada e seca, ela queima, sim.

O que é deselegante e incorreto é atribuir a caboclos e índios a queima que o mundo inteiro vê ocorrer nas bordas da floresta e na beira das estradas. As cenas do “Dia do Fogo”, às margens da BR 163, ainda estão bem vívidas na comunidade internacional. Não eram índios nem caboclos.

Como Donald Trump, Bolsonaro falou ao público de convertidos. Só que o americano conduz a maior potência econômica do planeta, e, ainda assim, está ameaçado de não se reeleger. O Brasil de Bolsonaro é o país que corta floresta e queima onças.

Foi, novamente, um exercício de negação da Ciência. As imagens de satélite, cruzadas a bancos de informação com dados como o Cadastro Ambiental Rural, dão nome e CPF a quem toca fogo ou desmata ilegalmente. Sobrou, também, para a hidroxicloroquina — “que sofreu um reajuste de 500% no início da pandemia”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) nunca reconheceu qualquer eficácia no tratamento da covid-19.

No discurso de 15 minutos, nem uma palavra à emergência climática, o maior desafio da humanidade.

A referência paralela foi em relação aos “esforços” do Brasil na conferência do clima de Madri, de regulamentar artigos referentes a mecanismos de mercado do Acordo de Paris. “Infelizmente, fomos vencidos pelo protecionismo”, disse Bolsonaro.

Não é isso que se soube. A versão conhecida é que o Brasil bloqueou qualquer possível resultado na conferência. Como a equipe de negociadores brasileiros foi proibida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de falar à imprensa e explicar à sociedade o que ocorria, a narrativa que prevaleceu é a de todos os outros países.

Em relação ao discurso de 2019, a temática ambiental foi reduzida. Agora teve pandemia e o lamento pelas mortes. Momento de maior sobriedade ocorreu quando Bolsonaro falou dos esforços brasileiros de participar de 50 operações de paz e missões similares.

Dessa vez, o presidente não atacou a maior liderança indígena brasileira, Raoni, reconhecido e admirado no exterior.

Mas acusou a Venezuela pelo vazamento de petróleo que veio dar nas praias brasileiras. O governo nunca apresentou provconômias concretas do que aconteceu. O petróleo venezuelano corresponde, no discurso de Bolsonaro, ao “vírus-chinês” na fala de Trump.

Valor Econômico