Benedita lamenta divisão da esquerda carioca

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Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Defensora de um projeto único de oposição, Benedita da Silva (PT) afirma, em entrevista ao GLOBO, que o PT é o partido da legalidade e que não pode pagar por possíveis erros individuais. A deputada lamenta a divisão e levanta bandeiras identitárias. Se eleita, diz que terá diálogo com Bolsonaro.

A senhora responde por uma ação de improbidade quando foi secretária de Direitos Humanos no governo Cabral por empregar de maneira incorreta ou não prestar contas de repasses de R$ 32 milhões. Como explica?

Não estou condenada por nada. Trabalhei com mais de três mil jovens e três mil mulheres em comunidades e todos os serviços foram feitos. Não existe nenhuma irregularidade e vou provar. Houve prestação de contas de tudo. A questão é que o Ministério Público faz qualquer tipo de denúncia.

Mas não foi só o Ministério Público. Há uma decisão da Justiça que bloqueia os bens da senhora nesta ação…

Tenho 40 anos de vida pública. Meu banco é sempre o mesmo. Meus bens são um carro e um apartamento comprado a prestação. Pode vasculhar minha vida de cima para baixo, não tem conta, nem iate. Para não dizer que não tenho conta no exterior, tenho uma aberta em Miami de quando minha neta morou lá. Tudo declarado. Meu eleitorado, que espero que se amplie agora, me conhece e me acompanha.

Nessa mesma ação contra a senhora, o MP também fala em direcionamento do contrato com a Fundação Darcy Ribeiro…

Eu não era ordenadora de despesa, mas tenho certeza que não houve direcionamento nenhum.

89958814_PA Rio de Janeiro RJ 08-10-2020 – Eleicoes 2020 Entrevista com Benedita da Silva candidata.jpgNa última eleição municipal, o PT teve um resultado muito ruim, considerado fruto do antipetismo crescente nos últimos anos. Qual é o custo disso para uma candidata do partido hoje?

Se há um partido que não possa ser investigado, contestado e ao qual não se possa perguntar o que quiser, é autoritarismo. O PT é um partido da legalidade. Cada um dá conta de si mesmo. Se houve um deslize, ele é pago individualmente, não pelo partido como um todo. Se não, muitos partidos já deveriam ter deixado de existir. Porque, em termos de corrupção, não é brincadeira, não. O PT não é só erro. Tem muitos acertos. E (com) aquilo que ele fez corretamente estão querendo acabar. Não tenho nenhum problema de enfrentar isso.

O PT tem pregado sobre a necessidade de renovação de seus quadros desde a derrota em 2018. No entanto, aposta agora em lideranças já conhecidas, como a senhora aqui no Rio; Jilmar Tatto em São Paulo; e Nilmário Miranda em Belo Horizonte. Há dificuldade do partido em se renovar?

No Rio, já tivemos (Jorge) Bittar, Chico Alencar e Molon, todos com o discurso de renovação de quadros e espaço para os mais jovens. Estou com 78 anos com essa trajetória enorme, invejável a muitos outros políticos de outras classes sociais. Estou aqui em nome de um projeto. Isso só se faz quando você tem convicção e militância. Eu não poderia deixar o PT sem ter uma candidatura para disputar. Vou ficar de braços cruzados porque estou com 78 anos? Temos jovens, e a maioria deles está saindo candidatos a vereador. A juventude do partido está crescendo.

Não é mais difícil construir o discurso de oposição no Rio quando o partido esteve nos governos de Garotinho, Cabral, Paes e Pezão?

As alianças que fizemos foram benéficas para o Rio. Nunca o governo federal investiu tanto no estado. Minha Casa, Minha Vida; obras de urbanização nas comunidades; e os conjuntos habitacionais. O estado só teve essas obras porque teve investimento federal. Quanto aos atos cometidos, cada um responde por si. Cabral está respondendo. Paes responde pelo dele. Eu respondo pelo meu. Isso é da gestão pública: não pode haver medo de ser investigado ou criticado. É a população quem vai fazer esse juízo de valor no momento do voto. A população escolheu o Bolsonaro, e ele é presidente. Você acha que eu, na prefeitura, não vou conversar com o Bolsonaro?

Acredita que ele estabeleceria uma interlocução com a senhora, dadas as posições dele sobre o PT?

Ele é o presidente, vou ter uma relação institucional. Temos todos os mecanismos para garantir que o diálogo (com Bolsonaro) seja franco e aberto: Constituição, Congresso, Supremo, Ministério Público, tudo que é necessário para a harmonia entre os Poderes. Na política também se faz política quando se é gestor. Ainda que se precise reconhecer que este governo não dialoga com a imprensa e com o povo pobre, por exemplo. Vamos buscar esse diálogo.

A desunião da esquerda não pode ter um custo alto?

Eu sairia vice do Freixo na aliança que estávamos buscando. Não foi possível, e o PSOL lançou outra candidatura. Havia um desejo de ampliar porque entendemos que ninguém governa sozinho. Era preciso que a oposição tivesse um projeto único para o Rio, porque temos pontos comuns nos programas. Seria viável uma aliança até mais ampla, com PSOL, PT, PCdoB, PDT e PSB. Era o nosso sonho de consumo. No segundo turno, a gente se encontra. Seja com quem for, um de nós tem que chegar no segundo turno, o Rio precisa.

Quando a senhora diz “um de nós” para estar junto no 2º turno, isso inclui a Martha Rocha, do PDT, nesse campo da esquerda?

Olha, eu me incluo. Mas, claro, incluo também. Isso não significa dizer que estou dizendo que elas (Martha e Renata Souza) estarão no segundo turno. Eu conto com o apoio delas no segundo turno.

A senhora e Martha Rocha têm evitado se confrontar, um pouco diferente do que acontece no plano nacional com Lula e Ciro Gomes…

Poucas pessoas conhecem o Lula como eu conheço. Uma das coisas que ele disse para todas as candidatas e candidatos do PT foi: “Diga o que você vai fazer para a sua cidade. 2022 é 2022. O partido cuida de 2022, vocês cuidam da cidade”.

Setores da esquerda veem certa dicotomia entre priorizar a luta pelas chamadas causas identitárias e o combate à desigualdade social da maneira mais clássica. Como a senhora vê esse debate?

Acho que falta compreensão, de toda a sociedade. Quando eu defendo o direito das mulheres, estou defendendo 52% da população. Isso é identitário? Não é. Vivemos sob um racismo, machismo, preconceito da sociedade. É um equívoco pensar que a luta pela identidade do trabalhador… A identidade dele (negro, mulher) faz com que acresça a desigualdade para ele. É um equívoco você não incluir isso. Assim como também é um equívoco não chamar os demais para essa luta: quero que mulheres brancas e homens brancos também venham para essa luta. Nós voltamos para o mapa da fome. Qual o perfil de quem está debaixo do viaduto? As pessoas no morro que gritam “mataram minha filha, entraram aqui atirando em todo mundo”, qual o perfil? Nas prisões, qual o perfil? Então, se você quer combater a desigualdade, tem que incluir essas lutas. Não me equivoco quando levanto essa bandeiras. Essa esquerda está equivocada.

Na opinião da senhora, quem foi melhor prefeito, Paes ou Crivella?

Eduardo Paes teve um tempo de muita graça em que o governo federal investiu muito no Rio. Ele fez muitas coisas, mas outras deixou no meio do caminho. O Crivella em vez de dar continuidade às obras paradas do Eduardo, alegou que não tinha recursos e não foi atrás de investidores. Sequer procurou dar outro eixo de desenvolvimento econômico para a cidade. O Crivella tem sido um dos piores prefeitos que já conhecemos. Contudo, sou elegante. No debate, o que o telespectador queria ver não era uma briga, mas uma avaliação de como o gestor se comportou. Eu estava insistindo que a Saúde não vai bem, e ele dizendo aquelas mentiras todas. Acabou evocando Deus.

Crivella correspondeu aos anseios de seus apoiadores quando abriu mão de bancar os desfiles das escolas de samba do Rio e até de entregar as chaves da cidade ao Rei Momo. Como a senhora pretende agir, caso eleita?

O Crivella não entende nada de cultura nem de carnaval e nem da cidade. Eu entendo. Tenho 40 anos de vida pública, 57 morando numa favela e conheço a fundação das escolas de samba e seus objetivos durante todo o ano. Não tenho a hipocrisia de dizer que não vou investir nas escolas de samba porque poderia fazer casas. (Crivella) Não investiu nem fez as casas. Cada segmento tem sua própria rubrica e é possível entrar em um acordo: fazer um carnaval maior e menor, desde que ele aconteça. As escolas dão empregos para pessoas de todas as idades durante todo o ano.

Homenageada pela Caprichosos de Pilares em 1998, a senhora não compareceu ao desfile por motivos pessoais. A senhora repetiria o comportamento do prefeito, que não prestigiou a festa ao longo de quatro anos?

Eu não brinco o carnaval. É uma decisão minha, por isso não vou. Faço meu retiro e não abro mão. É um momento em que ninguém me liga, deixo para a reflexão espiritual. Mesmo entendendo que o gestor público precisa ter conhecimento e precisa prestigiar.

A senhora tem centrado suas propostas na saúde. Como resolver o problema em meio à crise financeira? Manterá o modelo de OSs?

Precisamos reabrir as clínicas da família e as UPAS, grande porta de entrada para o SUS. Recontratar servidores que foram dispensados e são preparados para dar conta da Covid-19. O Congresso determinou que estados e municípios possam ultrapassar o teto no combate à pandemia. Vamos rever os contratos das organizações sociais — sem atropelos para não dar pane no sistema. Temos a Rio Saúde, que é uma empresa municipal, e que poderá perfeitamente substituí-las. As contratações via OS não deram conta de cuidar da Saúde. Temos uma empresa municipal criada para isso — ela existe e tem que funcionar. Se isso acontecer, não precisaremos das OS.

O Globo