Chile terá primeira constituinte “paritária” do mundo

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Foto: CLAUDIO REYES / AFP

O Chile substituirá sua Constituição Federal, a última herança concreta da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) pela primeira Constituição do mundo a ser redigida de forma paritária. Ou seja: por uma Assembleia Constituinte formada por metade homens e metade mulheres que será eleita em 2021. Parece absurdo que ainda hoje não exista uma constituição paritária do mundo. E é mesmo. E por isso esse é um passo enorme para as chilenas e todas as mulheres. N

No Chile, o aborto terapêutico (em casos de estupro, risco de morte da mãe e impossibilidade de sobrevivência do feto) só foi aprovado em 2017. E até poucas semanas atrás, mulheres não podiam se casar antes de 270 dias depois do divórcio ou da morte do marido para evitar dúvidas sobre a paternidade dos filhos. A intenção do movimento feminista é, agora, ter uma Constituição que considere a igualdade total entre homens e mulheres e corrija injustiças históricas.

A vitória do movimento feminino no plebiscito de 2020 parece ser o fechamento perfeito de um ciclo iniciado nos anos 1980, quando mulheres de várias correntes que se opunham ao regime de Pinochet se uniram em um movimento chamado “Mujeres por la Democracia”, que marchavam pelas ruas em absoluto silêncio e eram repreendidas pela polícia com jatos de água violentos. Perfeito porque também foram as mulheres que reascenderam os protestos do final do ano passado quando o coletivo Las Tesis trouxe os direitos das mulheres para o centro da discussão.

Quando os protestos já estavam desgastados e muito marcados pela violência, um grupo de jovens exibiram nas ruas de Valparaíso, na costa chilena, uma canção de protestos acompanhada de uma coreografia que viralizou pelo mundo. Em Santiago, mulheres mais velhas aderiram aos protestos, àquela altura esvaziados. E isso chamou o povo de voltapara as ruas.

O Las Tesis também pode ser visto como a continuação de um movimento antigo e transnacional iniciado em 2015, na Argentina, com o Ni Uma Menos, que pautou o problema do feminicídio nos jornais. Antes chamados de “crimes passionais”, o assassinato de mulheres é um problema endêmico na região e passou a ser tratado pelo que é, um crime de ódio, não de paixão. No Brasil, o movimento de mulheres ganhou força nos protestos de 8 de maio, dia da Mulher, e culminou no #EleNão, que se manifestou contra a eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

Estudando esses movimentos, percebi como esses protestos transformam as mulheres que participam deles. É quando elas percebem que os problemas vividos em casa são problemas sociais, compartilhados por milhares de outras mulheres. Elas não voltam pra casa iguais e colocam esses temas para discussão na mesa do jantar, com maridos, irmãos, pais e avós. Outro efeito dos protestos femininos (onde há força e fúria, mas também cor, dança e glitter) é que mais pessoas se animam a fazer parte do debate e acabam descobrindo que para fazer política não é preciso ser um engravatado no Congresso. Isso leva mais mulheres, LGBTs, jovens, negros e moradores da periferia para a polícia institucional. Como diz a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, “Uma mulher na política, muda a própria mulher. Muitas mulheres na política, muda a política”.

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