Religiões prejudicam mulheres latinas que precisam abortar

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Foto: RONALDO SCHEMIDT/AFP

Ativistas e defensores dos direitos das mulheres celebram nesta quarta-feira, 30, a aprovação da legalização do aborto pelo Senado da Argentina. A medida deve ser sancionada pelo presidente Alberto Fernández nas próximas semanas e representa um grande avanço na discussão desse tema crucial na América Latina, onde mais de 24 milhões de mulheres vivem em países onde o procedimento é proibido sob qualquer circunstância.

“Além de ser um país de extrema importância geopolítica na América Latina, a Argentina tem um passado de ditadura militar, uma presença forte cristã-católica na vida das mulheres e um papa para chamar de seu”, diz Debora Diniz, antropóloga referência na discussão de equidade de gênero e professora de Direito da Universidade de Brasília. “O processo legislativo sobre o aborto na nação, que tem características muito parecidas com os demais da região, mostra que é possível enfrentar a questão sem que haja uma ruptura social”, avalia.

Ao menos 90 milhões de mulheres em idade reprodutiva em 26 países estão sujeitas a legislações que não permitem a interrupção voluntária da gravidez nem mesmo em caso de estupro, anomalias fetais graves ou risco para a mãe, de acordo com a organização não governamental Center of Reproductive Rights (CRR). Ao todo, a América Latina e Caribe concentram cerca de 26% desse total, apesar de representarem menos de 9% da população mundial.

Entre os países que ainda mantêm leis rígidas sobre a prática na região estão El Salvador, Honduras, Haiti, Nicarágua, República Dominicana, Jamaica e Suriname. No continente, pelo menos outros 13 também consideram o aborto ilegal, mas permitem a prática em casos especiais, como em episódios de violência sexual ou para preservar a vida da mulher.

Em El Salvador, as organizações de mulheres tentam há anos fazer avançar um projeto para permitir o aborto em casos de risco para a saúde da mulher, violação ou anomalias fetais graves. Ainda não conseguiram que a proposta seja debatida, apesar das críticas, reclamações e recomendações da ONU, que considera que legislações como a salvadorenha são um risco para a saúde e a vida das mulheres.

Neste país da América Central, a prática do aborto é passível de receber uma pena que varia de dois a oito anos de prisão. E, após a 22ª semana de gravidez, pode ser considerado “homicídio qualificado”, com pena de 30 a 50 anos de prisão.

“Uma das consequências de tal proibição absoluta em El Salvador, por exemplo, são as mulheres presas sob suspeita de ter feito um aborto, quando na verdade sofreram uma hemorragia por um aborto voluntário. O país ainda tem os maiores índices de morte materna do mundo”, diz Diniz.

Apenas Uruguai, Cuba, Guiana, Guiana Francesa e Porto Rico aprovaram legislações que permitem a realização da interrupção voluntária da gravidez no continente. Neste último, a lei permite o procedimento desde que seja indicado por um médico, mas contraria uma decisão da Suprema Corte dos Estados que se aplica também na ilha por estar relacionada a direitos fundamentais. No México está permitido no estado de Oaxaca e na Cidade do México.

Assim que Fernández sancionar o projeto de lei aprovado pelo Senado nesta quarta, a Argentina também se juntará a essa lista de países. O texto apoiado pelos legisladores argentinos permite que a interrupção da gravidez seja realizada até a 14ª semana de gestação. Esse limite, porém, pode ser ampliado em casos em que a vida da gestante esteja em risco.

A atual lei argentina sobre o tema, datada de 1921, permite o procedimento em casos de malformação do feto e estupro. Os cálculos apontam entre 370.000 e 520.000 abortos clandestinos no país a cada ano. Desde a restauração da democracia, em 1983, mais de 3.000 mulheres morreram devido a abortos feitos sem segurança.

Segundo Debora Diniz, o caminho da Argentina até a legalização passou por uma transformação política, a partir da qual o tema foi tratado sem tanta influência de percepções ideológicas e partidárias e se ampliou a representação feminina no Legislativo. “Foram essencialmente parlamentares mulheres e jovens que votaram a favor do projeto sem qualquer dúvida”, diz a pesquisadora.

Antes dos últimos acontecimentos na Argentina, a legislação uruguaia era considerada a mais progressista e inédita na América Latina. No país, as mulheres podem realizar o procedimento nas 12 primeiras semanas de gestação. O prazo se estende às primeiras 14 semanas em casos de estupro e pode ser maior em caso de risco de morte para a gestante ou anomalias fetais incompatíveis com a vida.

O país ainda implementa uma política pública de saúde com foco na redução de riscos, que desde 2004 reduziu o número de mortes de mulheres por abortos clandestinos. Em 2017, o Chile pôs fim a cerca de 30 anos de uma proibição total da prática, que agora é permitida em caso de risco de vida da mãe, estupro e inviabilidade fetal.

O Brasil permite a interrupção voluntária da gravidez apenas em casos de estupro, quando há risco para a vida da mulher ou em casos de anencefalia. Em agosto, o tema se tornou ainda mais latente depois que uma garota de 10 anos, abusada em casa pelo próprio tio, enfrentou uma autêntica via-crúcis para conseguir realizar o procedimento.

Não bastasse o ataque violento e repugnante, a menina e a avó paterna, que a acompanhava, como se fossem elas as criminosas, tiveram de agir na clandestinidade para driblar as pressões de grupos religiosos e as dificuldades encontradas na rede de saúde pública de seu estado, Espírito Santo, o que as obrigou a viajar 1.630 quilômetros em busca de atendimento. Para entrar com segurança no hospital, a criança foi colocada dentro do porta-malas de um carro. Saiu de lá também escondida.

“O tema anda tão lentamente no Brasil em parte porque precisamos de mais parlamentares mulheres e jovens”, diz Diniz. “Mas também é importante lembrar que a democracia republicana em que vivemos é complexa e o Judiciário é igualmente legítimo ao Legislativo para enfrentamento da questão do aborto”.

Malta, onde o catolicismo é a religião oficial, é o único país da União Europeia que proíbe totalmente a interrupção voluntária da gravidez (IVE). Em caso de violação da lei, a pena pode ser de 18 meses a três anos de prisão.

Na Polônia, o Tribunal Constitucional restringiu o direito ao aborto em outubro passado. A decisão do tribunal superior proíbe sua prática mesmo em casos de grave má-formação grave do feto. O aborto é permitido em três casos: estupro, incesto e perigo de gravidez para a vida da mãe.

No restante do mundo, o aborto é proibido em 15 países: Congo, Djibuti, Egito, Guiné-Bissau, Madagascar, República Democrática do Congo e Senegal, na África; Filipinas e Laos, na Ásia; e Palau, na Oceania.

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