Haddad deixa de ser colunista da Folha e acusa o jornal
O ex-prefeito de SP e ex-ministro da Educação Fernando Haddad deixa de ser colunista da Folha após o jornal publicar editorial insultante a ele, a Lula e ao PT. Confira o editorial e o texto de desligamento de Haddad
Folha de SP
Editorial 3/1
Filme antigo
Eleição na Câmara dá ao PT chance de deixar sectarismo que marca sua conduta
A tese é recorrente na esquerda brasileira: faz-se necessária uma frente ampla contra o adversário da vez, sem restrições a variadas forças políticas —desde que eu esteja à frente da iniciativa.
O eu em questão é o PT de Luiz Inácio Lula da Silva, ainda o principal partido do campo no Brasil, apesar do encolhimento de sua relevância demonstrado pelo minguado resultado eleitoral em 2020.
A sigla orbita a figura de Lula, flertando perigosamente com um ocaso personalista de sua maior liderança, que parece ter perdido o norte político após deixar a cadeia.
O sectarismo e o anacronismo pautam a vida partidária, com a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann, servindo de advogada de defesa da indesculpável ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela sempre que a oportunidade se coloca.
A dirigente chegou a criticar o futuro presidente americano, Joe Biden, dizendo que Barack Obama havia acobertado casos de corrupção dele nos tempos de vice.
O motivo? Em livro, o ex-presidente afirmara ter ouvido falar das suspeitas de corrupção de Lula.
Quando o cacique petista foi condenado e preso, impedido legalmente como ainda está de participar de eleições, a sigla preferiu insistir no embuste de apresentá-lo na disputa ao Planalto em 2018.
Fernando Haddad assumiu o papel de poste e a chapa surfou nos votos que Lula ainda era capaz de amealhar, sendo derrotada por Jair Bolsonaro no segundo turno sem conseguir apoios expressivos.
Talvez esperançoso por uma nova chance, Haddad lançou no fim do ano passado a candidatura do ex-chefe em 2022, algo que depende de um complexo arranjo legal.
Preterido pelo PT, o terceiro colocado em 2018, Ciro Gomes (PDT), responsabiliza corretamente o partido pela desunião da esquerda. Esse é um filme antigo para todos os que negociaram alianças com Lula.
Assim, desponta como oportunidade a disputa pela presidência da Câmara, que oporá uma aliança de centro-direita —apoiada pelo atual ocupante da cadeira, Rodrigo Maia (DEM-RJ)— e o candidato de Bolsonaro, o prócer do centrão Arthur Lira (PP-AL).
O nome de Maia, Baleia Rossi (MDB), busca unir toda a oposição ao Planalto. Como disse o deputado demista, o movimento pode ser visto como um ensaio geral para o pleito do ano que vem.
O PT, claro, protestou. Gleisi disse que uma coisa não tem nada a ver com a outra, e a agremiação postergou sua decisão para este mês.
É óbvio que o petismo não irá apoiar em 2022 um candidato do grupo de Maia, como João Doria (PSDB-SP). Mas conceder a Bolsonaro a possibilidade de comandar a agenda legislativa nos dois últimos anos de seu mandato, com um apoio tácito a Lira, apenas confirmará a miopia política da legenda.
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Fernando Haddad
Coluna na Folha – 9/1
Despedida
O jornal tem méritos que não desconsidero, mas não vejo como manter uma colaboração permanente com este veículo
Agradeço ao leitor a consideração que me tenha dispensado. Procurei ser o mais zeloso possível ao ocupar este espaço, trazendo à sua consideração um ponto de vista menos paroquial sobre assuntos de interesse nacional.
Quando fui convidado para ser colunista da Folha, relutei em aceitar. Na época, me incomodava o posicionamento do jornal no segundo turno das eleições de 2018.
Pareceu-me uma falsificação inaceitável um órgão de imprensa que apoiou o golpe militar de 1964 equiparar, em editorial, um professor de teoria democrática a uma aberração saída dos porões da ditadura. Àquela altura, a Folha já sabia que a família Bolsonaro era autoritária e corrupta, mas entendia que a agenda econômica neoliberal de Paulo Guedes compensaria o risco. Teria sido mais correto assumir isso publicamente.
23.dez.2010. Último pronunciamento oficial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente da República, exibido em cadeia nacional de TV em 23 de dezembro de 2010.
Último pronunciamento oficial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente da República, exibido em cadeia nacional de TV em 23 de dezembro de 2010 – Reprodução
Aceitei o convite, no entanto, porque intuía que o governo Bolsonaro traria graves consequências ao país, o que exigia da parte de todos uma disposição ainda maior ao diálogo.
Na semana passada, ocorreu um episódio insólito. Uma jornalista sugeriu, em artigo publicado no Estadão, que o STF mantivesse a condenação de Lula e desconsiderasse as provas de parcialidade de Moro. E por quê? Para evitar que Lula seja candidato em 2022, o que, supostamente, favoreceria a candidatura de Bolsonaro. Reagi, nas redes sociais, afirmando que, diante de tanta infâmia e covardia, restava ao PT reafirmar os argumentos da defesa de Lula e relançá-lo à Presidência.
Em editorial, segunda-feira (4/1), este jornal resolveu me atacar de maneira rebaixada. Incapaz de perceber na minha atitude a defesa do Estado de Direito, interpretou-a como tentativa oportunista de eu próprio obter nova chance de disputar a eleição presidencial, ou seja, que seria um gesto motivado por interesse pessoal mesquinho. Simplesmente desconsiderou que, nos últimos dois anos, em todas as oportunidades, inclusive em entrevista recente ao jornal, defendi sempre a mesma posição, qual seja, a precedência da candidatura de Lula.
Ao me desqualificar mais uma vez, inclusive com expediente discursivo desrespeitoso, ao estilo bolsonarista, esta Folha demonstra pouca compreensão com gestos de aproximação e sacrifica as bases de urbanidade que o pluralismo exige. Infelizmente, constato que, nos momentos decisivos, a Folha, em lugar de discutir ideias, prefere agredir pessoas de forma estúpida.
O jornal tem méritos que não desconsidero, mas não vejo como manter uma colaboração permanente com este veículo.
Por fim, a julgar pelo histórico dos políticos que a Folha veladamente tem apoiado, penso que ela deveria redobrar os cuidados antes de pretender deslegitimar alguém.