Ricúpero chama Araújo de “executor fiel”

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Foto: EVARISTO SA / AFP/24-02-2021

Embaixador e ex-ministro da Fazenda, o diplomata Rubens Ricupero analisa os problemas da gestão de Ernesto Araújo como chanceler, cita falta de experiência para o cargo e sua desconexão da realidade internacional. Para ele, hostilidade com a China foi o maior erro do agora ex-ministro, mas não o único: alinhamento com os EUA, criticas políticas na América Latina e insultos a líderes europeus, além de retrocessos na política ambiental, serão atrasos difíceis de serem revertidos em curto prazo.

Qual seria a principal marca da gestão de Ernesto Araújo como chanceler?

Ernesto Araújo cai pelo conjunto da obra, pela totalidade do que fez, e não como ele tentou fazer crer no fim, por um problema da tecnologia 5G. A versão criada foi para que ficasse bem com os seguidores do Olavo de Carvalho, seu guru. Em primeiro lugar, ele foi uma escolha equivocada. Não deveria nunca ter sido ministro: é uma pessoa inexperiente na carreira diplomática, nunca havia se distinguido. Como ex-diplomata, eu nunca havia sequer ouvido ele ser mencionado, de tão obscuro que é. Foi promovido a ministro sem nunca ter tido um posto de chefia no exterior, como manda a tradição diplomática. Antes de serem chanceleres, os candidatos costumam ser secretários-gerais, embaixadores, ou seja, antes de assumirem essa responsabilidade, já haviam sido provados na realidade. Ele não tinha experiência. Sua única qualificação era pertencer a esse grupo ultra radical olavista, que chamou a atenção de Eduardo Bolsonaro e do presidente.

Quais foram os erros de seu mandato como ministro?

O primeiro grande erro não se deve apenas a Ernesto Araújo, mas ao presidente: o descolamento da realidade do Brasil e do mundo. Qualquer diplomacia tem como pré-condição uma captação da realidade internacional, ou seja, entender quais são as forças e quais os grandes temas da agenda internacional. E a partir daí fazer um diagnóstico, desenhar como um país como o nosso pode maximizar suas conquistas dentro dessa realidade, como atrair investimentos e tecnologia, conquistas de mercado, aumentar nosso prestígio, como melhorar a posição dentro dos organismos. Um plano de como aproveitar essa realidade com metas claras. Esse governo nunca foi capaz de fazer isso, e Araújo tem uma visão de um mundo que não existe: uma grande conspiração globalista e chino-comunista contra a herança do que ele chama de cultura judaica-cristã. Um desvario, sem conexão com a realidade, vinda de Olavo de Carvalho. A partir dessa visão de mundo, fez um diagnóstico errado e uma terapêutica absurda.

Em termos práticos, qual foi o maior erro diplomático?

A lista de erros é interminável. Em ordem de importância, o governo começou hostilizando a China. O chanceler fez isso, mas não foi o único. Eduardo Bolsonaro, e o próprio presidente cometeram erros maiores. Todos antagonizaram muito com um país, que já foi muito humilhado por Ocidentais mas hoje não leva desaforo para casa. A China reagiu atrasando o IFA [insumo para as vacinas]. Eles não declaram isso, mas na linguagem diplomática as coisas se percebem pelos seus efeitos, é preciso saber ler os sinais. É um estrago que não está superado. Nunca houve desculpas formais de Eduardo Bolsonaro por seus insultos. Óbvio que a China não quer levar às últimas consequências mas não tem boa vontade nenhuma. Esse é o legado desse governo.

E em relação ao resto do mundo?

Os Estados Unidos foram o segundo maior erro. Apostaram tudo num alinhamento com o presidente Donald Trump sem obter nada em troca. Trump jamais nos deu qualquer concessão comercial, impôs cotas em alumínio e aço, e exigiu outras em etanol de milho, sem que o Brasil tivesse nada em compensação. No entanto, o Brasil apoiou os EUA em tudo, na ONU, em Israel, com a intenção de mudar embaixada. E como hostilizou o democrata Joe Biden antes, durante e depois da eleição, sendo o último país a reconhecer sua vitória, o Brasil sequer ganhou simpatia americana. Araújo em particular tuitou sobre a invasão do Capitólio [em 6 de janeiro] levantando dúvidas sobre a infiltração de outros grupos. A relação com Biden já começa mal.

Com a Europa, no caso do incidente de Bolsonaro com a esposa do [presidente francês, Emmanuel] Macron, Araújo não só não ajudou como colocou mais lenha na fogueira. Ou seja, alienamos um dos países mais influentes da União Europeia. Depois, insultamos [a chanceler alemã] Angela Merkel. Na América Latina, trataram a Argentina com hostilidade contínua desde que as eleições levaram ao poder um governo peronista. Envenenaram as relações com o país, em vez de levar em conta o imperativo da boa vizinhança. Nas posições do país com a Venezuela, nos destacamos em defender uma política de tirar [Nicolás] Maduro à força, e ganhamos a hostilidade do México com isso. Pior, quase cometemos a loucura de uma aventura militar na fronteira, disfarçada de ajuda “humanitária”. Também foi um erro colossal reconhecer Juan Guaidó como presidente interino. Araújo ainda compôs isso com a atitude inacreditável de retirar todos os representantes diplomáticos da Venezuela, um país com mais de mil quilômetros de fronteira comum.

Uma boa parte desse desastre se reflete ainda na politica ambiental, e nas questões de direitos humanos em geral. Como eu disse, é uma lista interminável. Não há nenhum aspecto redentor em sua política. Como historiador da diplomacia brasileira, me esforcei em buscar pontos positivos em questões de comércio e não encontrei. Nunca houve um chanceler tao calamitoso e uma política externa tão desastrosa. Vai ser um problema enorme reconstruí-la.

A escolha do próximo chanceler pode ajudar?

Vai depender do espírito que o governo promover essa mudança. Se for apenas para mudar de personalidade, ainda que se escolha alguém com mais estilo, habilidade e experiência, a essência da diplomacia não vai mudar nada. O que esperamos é uma melhoria real. Para isso não bastam palavras, mas atitudes. Boa parte dessa agenda deve focar no meio ambiente. Vamos mudar ou manter essa atitude de desafio, que pôs de lado o Fundo Amazônico? É preciso saber se o governo vai aproveitar essa mudança como uma oportunidade de ouro para repensar as premissas e reavaliar o que fizemos até agora e seguir um caminho diferente.

Araújo conduziu uma guerra contra o que ele chamava de globalismo, antagônico a ONU e a OMS. Agora, é preciso regularizar contribuições. No caso da OMS, vale lembrar que em meio a uma pandemia, o Brasil não tem sequer um representante em Genebra, já que o auxiliar indicado por ele foi rejeitado no Senado. Em relação a Covax, foi ventilado nos bastidores que o chanceler sequer queria participar do consórcio de vacinas. Se temos hoje poucas vacinas é também por causa dessa decisão.

Mesmo assim, acho que é preciso tomar certo cuidado em não transformá-lo em um espírito do mal deste governo. Araújo tem muita culpa mas não todas as culpas do governo. Os ataques recaíram sobre ele porque ele é um cachorro morto, que todos podem dar pontapés. Se há uma coisa que não se pode dizer é que ele não agiu com lealdade. Ele foi um executor fiel do presidente até o fim.

Época

 

 

 

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