Temer sugere que Bolsonaro “admita erros”

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Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Com a pandemia do coronavírus cada vez mais fora de controle no País, o ex-presidente Michel Temer avalia que seria importante que Jair Bolsonaro liderasse um pacto nacional entre todas as instâncias de poder para tentar conter a doença. Aos 80 anos, o experiente político do MDB já foi procurado pelo presidente para trocar ideias. E disse que, se Bolsonaro quiser saber sua opinião sobre a pandemia, fará a sugestão de que ele convoque uma entrevista coletiva, reconheça erros, defenda vacinação em massa e aceite políticas de isolamento social. O novo mantra do governo deveria, segundo ele, ser “unidos e vacinados”.

“Se o presidente toma uma atitude dessa natureza, o povo se tranquiliza. Ele manda um sinal”, disse Temer em entrevista ao Estadão. “Não dá para ignorar a pandemia, que está num ritmo e velocidade assustadores.” Para Temer, a lógica da preservação da economia é compreensível, mas não pode vir antes da saúde. “Eu sempre digo, a economia pode ir mal nesse momento. Mas ela se recupera. A vida você não recupera”, afirmou. Mesmo sendo uma das vozes mais influentes no MDB, Temer destacou que esse não é o momento de o partido se ocupar com as eleições de 2022. “Não podemos deixar que essas discussões contaminem negativamente essa unidade que é indispensável agora, em 2021, para o combate ao coronavírus.”

Como o sr. analisa o impacto da pandemia na vida do País?
Naturalmente, tudo isso tumultuou muito a vida dos brasileiros. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é sobre o que o presidente da República poderia fazer, aproveitando a oportunidade da mudança do ministro da Saúde e que ele (Marcelo Queiroga), por sua vez, fez declarações, aparentemente, concordando com o cumprimento dos protocolos que permitem a saúde da população. Vou dar aqui um palpite. Poderia chamar uma entrevista coletiva e dizer: ‘Olha aqui, vocês sabem que, ao longo do tempo, eu sempre combati esse isolamento social preocupado com a economia. Nós temos de conjugar a economia com a saúde. Com a vida do cidadão. E, evidentemente, como aumentou muito a pandemia, agora com essa P1, que é uma nova variante do vírus, eu vou ampliar o que já estou fazendo. Ou seja, vou comprar muitas vacinas. O governo está empenhado em comprar milhões e milhões de doses. Vou propor, realmente, concordar com a hipótese de eventual isolamento social. Vou também chamar novamente os governadores e o Congresso Nacional. Vamos todos trabalhar juntos e vamos patrocinar a vacinação. Na verdade, o mantra que agora vale é unidos e vacinados’.

O sr. acha que é possível ele aceitar essa sugestão?
Se o presidente toma uma atitude dessa natureza, o povo se tranquiliza. Ele manda um sinal. Na verdade, o povo vai dizer: ‘Poxa, a União federal, presidente e governadores e o Congresso Nacional estão trabalhando em benefício da nossa saúde. Acho que ficaria muito bem para ele, presidente da República. Ficaria bem para os governadores. Ficaria bem para o Congresso. E ficaria bem para a saúde do País. Eu acho que isso seria extremamente útil. Não dá para ignorar a pandemia, que está num ritmo e velocidade assustadores.

E a pandemia sem controle compromete a saúde e todos os outros setores…
Claro. Até por uma razão. Eu sempre digo, a economia pode ir mal nesse momento. Mas ela se recupera. A vida você não recupera. Vai embora e não volta. Dou sempre um exemplo. Quando assumi o governo, o PIB era negativo, em maio de 2016. Era menos 3,6%. Um ano e seis meses depois, em dezembro de 2017, estava em 1,3%. Portanto, a economia você recupera. Então eu acho que o grande combate, agora, é contra a pandemia. Essa sugestão modesta que faço poderia pacificar um pouco o País. Com isso feito, ele terá uma unidade e dará a sensação de pacificação. O pacto do unidos e vacinados pode produzir essa ideia de pacificação do País.

Pensa em procurar o presidente para apresentar essa ideia?
Veja bem, se ele me procurar, farei essa sugestão. Agora, não quero ser inoportuno. Não quero ser um ex-presidente que, a todo momento, está querendo meter a sua colher no governo. Eu não quero fazer isso. Se um dia for consultado, direi o que estou dizendo agora publicamente. E, com toda a franqueza, acho que é em benefício da governabilidade e do País.

Houve um fato novo na política com a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Lula, o que o torna elegível para 2022. Como o sr. vê a possível entrada dele na corrida eleitoral?
Primeiro, confesso que não gostaria de falar de um tema que diz respeito a 2022 quando temos um 2021 gravíssimo. Eu acho que, neste momento, temos de cuidar 2021. E cuidar de 2021 é unir a todos e combater a pandemia. O segundo ponto, para responder um pouco lateralmente a pergunta, é evidente que, com o ex-presidente Lula elegível, a sensação que tenho é de que poderá vir a disputar a eleição. Agora, é muito cedo para saber qual é o quadro que vai se desenhar para 2022. E, veja bem, não é nem um quadro para o início de 2022. Primeiro, porque a campanha da eleição dura 45 dias. Então, é só no segundo semestre de 2022. Não podemos deixar que essas discussões contaminem negativamente essa unidade que é indispensável, agora, em 2021, para o combate ao coronavírus.

O sr. fala de unidade e muito se discute sobre a dificuldade do centro em produzir uma candidatura consensual. Não seria o caso dessa candidatura estar sendo discutida já? Inclusive dentro do seu partido, o MDB?
Não se deve discutir isso agora. Com muita franqueza, se pudesse dar uma sugestão, diria ‘vamos deixar essa conversa para depois’. Não pode antecipar esse calendário. Estamos em março de 2021. Falta um ano e meio para lançamento de candidaturas. E você sabe que em política as coisas às vezes mudam de uma semana para a outra. Então, como é que o MDB, que sempre foi um partido muito ponderado, muito equilibrado, dentro daquilo que costuma se chamar de centro, vai entrar, agora, numa discussão para saber quem é o candidato? Se vai ter candidato, se não vai ter candidato. Quem deverá apoiar. Isso tudo vai se definir lá para frente.

Depois de seis anos de quedas na taxa de juros, o Banco Central aumentou a Selic para 2,75%. E esse processo de redução dos juros foi um ponto importante durante seu governo. Quando o sr. entrou, a taxa era de 14,25% e caiu para 6,5% na sua saída. Como é ver agora a inversão desse processo sendo feita para tentar arrumar a economia?
Há uma constatação trivial. Isso é fruto da pandemia. Agora, o que acho é que o governo precisa fazer uma nova “Ponte para o Futuro” (proposta de governo lançada durante a administração Temer). Acho que isso é o que falta. Porque no nosso governo aplicamos esses preceitos da Ponte. Então, o governo precisa agora de um plano. E essa nova Ponte para o Futuro de 2021, se o presidente tomar essas providências que estou sugerindo, poderia ser uma espécie de ponte para a vida. Acho que seria extremamente útil. Agora, o aumento da taxa, volto a dizer, creio que é fruto desse mesmo sistema da pandemia que vem surpreendendo negativamente não só no Brasil, mas fora também.

O sr. acha que pagou uma conta política alta por ter assumido a Presidência em 2016, depois do impeachment de Dilma Rousseff? Além do processo político, na ocasião, a economia demandou medidas duras e seu candidato ao Planalto, o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, fez pouco mais de 1% nas eleições de 2018.
É provável que eu tenha pago uma conta política. Eu até conto um fato. Logo no começo do meu governo, numa reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, alguém se levantou e disse: ‘Presidente, aproveite a sua impopularidade e faça o que o Brasil precisa’. E foi o que eu fiz. Se eu estivesse de olhos postos na eleição próxima, não teria feito teto de gastos públicos. Que é fundamental para o País. Não tinha feito a modernização trabalhista. Não teria feito a reforma do ensino médio. Não teria reduzido a inflação, não teria reduzido os juros, não teria preservado o meio ambiente. Acho que o Meirelles, que é uma grande figura, foi uma das peças importantíssimas do nosso governo, ao lado de toda equipe econômica, deve ter sofrido as consequências eleitorais disso. Mas acho que ele não se incomoda com isso, como eu não me incomodei. Você sabe que havia até protesto contra o nosso governo. E protestos naturais. Quem perdeu o poder protestava. O que eu fazia era não protestar contra o protesto. Entendia que o protesto era uma coisa democrática. Eu toquei o País para frente. E veja o que, em dois anos e meio, nós pudemos fazer pelo País.

O sr. acha que o tempo fez bem para o seu governo?
Não tenha dúvida. Eu até imaginava que isso demoraria muito tempo, mas, curiosamente, já começou a acontecer no fim do governo. O reconhecimento, eu diria, veio a galope. Imaginei que o reconhecimento viria lá diante, mas, graças a Deus, vem vindo muito rapidamente.

Ao contrário de Bolsonaro, o sr. enfrentou duas vezes pedidos de abertura de processo de impeachment. Acredita que aqueles pedidos foram injustos?
Não só foram exagerados e políticos, como, judicialmente, estão sendo derrubados. O juiz de primeiro grau e de segundo grau estão derrubando aquelas acusações. Foram, praticamente, dois pedidos de impeachment. E o Congresso não aprovou. E não aprovou porque não havia povo na rua. Quando o Congresso votou essa matéria, eu até registrava, não havia um cidadão em frente ao Congresso. Aqui no Brasil, as pessoas têm ideia de que o presidente pode tudo e não pode. Quem governa é o Executivo com o Legislativo.

Na ocasião, o sr. tinha uma proposta de reforma da Previdência pronta para ser votada e a discussão do impeachment acabou com as chances disso passar…
Não só a reforma estava engatilhada, como estava com ela praticamente pronta para ser votada antes mesmo do fim do governo. Com maioria na Câmara e no Senado. Tanto é verdade que o presidente do atual governo tem reconhecido isso. Tem várias manifestações do presidente Bolsonaro dizendo ‘olha aqui, quem enfrentou e convenceu o Congresso e o povo foi o governo do Temer’. Isso aconteceu quando, no primeiro semestre de 2019, aprovou a reforma da Previdência. Mas eu deixei, pelo menos, um caminho asfaltado para o governo.

Estadão