Bolsonarista, PGR tenta censurar professor da USP que escreve na Folha

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Foto: Evaristo Sa/AFP

O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou uma representação contra o professor Conrado Hübner Mendes, colunista da Folha, à Comissão de Ética da Universidade de São Paulo, dizendo ter sido vítima de calúnia, injúria e difamação.

Conrado Hübner Mendes é professor de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP. A Comissão de Ética da universidade, responsável por definir penalidades em caso de violação do código de ética, é formada por cinco professores, uma aluna e uma servidora, que devem analisar o caso.

Segundo Aras, publicações do professor no Twitter e em sua coluna na Folha utilizam “termos que exorbitam da crítica ácida para flertar com o escárnio e a calúnia”.

Procurado pela Folha, Mendes afirma que “a representação é mais que uma forma de cerceamento, mas de intimidação”. “Não apenas contra mim, mas contra professores em geral, da USP e de qualquer universidade pública”, completa.

“Quando falamos de crimes contra a honra como calúnia (imputar crime) ou difamação (atacar a reputação), a interpretação do Código Penal não pode ser a mesma entre autoridades públicas e cidadãos comuns. Isso faz parte do pacote: não se pode ser autoridade e se comportar como uma boneca de porcelana ao mesmo tempo”, afirmou o professor.

Segundo Aras, ao se identificar como professor da USP na rede social, Mendes pretende tomar para si o prestígio da universidade “a fim de conferir maior seriedade ou veracidade a suas invencionices e críticas infundadas”.

A peça, assinada em 3 de maio, afirma que Mendes desrespeitou o código da USP, que prega respeito à verdade, se abster de “divulgar informações de maneira sensacionalista, promocional ou inverídica​” e “agir de forma compatível com a moralidade”.

“O método da intimidação funciona assim: você escolhe um alvo mais exposto, e lança uma investida contra ele, para dar uma grande canseira nele (que vai se desgastar emocionalmente, vai gastar tempo com advogado etc). O resultado, no fundo, é o menos importante. E calar esse alvo também é menos importante. O importante é mandar uma mensagem geral para que se censurem, pois qualquer um pode ser o próximo”, afirmou Mendes à reportagem.

​A representação destaca trechos de publicações, como a de 15 de janeiro, quando Mendes afirmou que “O Poste Geral da República é um grande fiador de tudo que está acontecendo”, referindo-se à atuação do governo federal na pandemia.

 

Outro destaque é o termo “servo do presidente”. “Aras, em vez de investigar o infrator, manda o infrator investigar a si mesmo” e Aras “é também a própria sala da desfaçatez e covardia jurídicas” são outros trechos apontados na peça.

 

A representação aponta ainda fragmentos da coluna de Mendes, publicada na Folha em 26 de janeiro: “Aras não só se omite. Quando age, tem um norte: contra a lei, inviabilizou que procuradores enviassem recomendações de praxe ao Ministério da Saúde”.

“A Constituição-guia de Aras é a ditatorial de 1967. Ali, o PGR era empregado do presidente”, escreve ainda o colunista.

A representação afirma que a liberdade de imprensa não é um direito absoluto, “sendo vedada a veiculação de críticas com a intenção de difamar, injuriar ou caluniar”.

A tese de Aras é a de que Mendes lhe imputa o crime de prevaricação, ou seja, de deixar de promover investigações para atender interesses do presidente Jair Bolsonaro, e que tais acusações são infundadas, portanto, calúnias.

O procurador-geral argumenta ainda que as publicações trazem injúria e difamação, lhe expondo “à execração pública mediante afirmações que transcendem a informação ou a crítica”.

A peça acusa ainda Mendes de espalhar fake news e apresenta sua versão sobre os temas comentados pelo professor no Twitter e na coluna. Segundo Aras, de sua posse até 9 de fevereiro, “foram autuados 78 processos administrativos envolvendo apurações” relacionadas a Bolsonaro.

“Eu não conheço a pessoa Augusto Aras. Eu conheço e deploro a autoridade Augusto Aras. Se não posso falar que ele é um ‘Poste Geral da República’, melhor fecharmos essa lojinha que chamamos de democracia”, afirma Mendes.

“Aras é uma das autoridades mais poderosas do país e comanda uma das instituições mais arrojadas do constitucionalismo brasileiro. Sua gestão é trágica, seu colaboracionismo com o governo é evidente”, completa.

Segundo a Secretaria de Comunicação da PGR, “a questão em debate não é a crítica e sim a sua falta de fundamento e a forma desrespeitosa como ela é feita, sem levar em consideração que todas as manifestações do PGR foram acolhidas pelo STF”.

A reportagem procurou na noite deste sábado (15) a assessoria de imprensa da USP, que ainda não se manifestou sobre o caso.

Folha