Brasil poderia ter conseguido 130 milhões de vacinas

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Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

O Ministério da Saúde teve no mesmo dia, em 18 de agosto de 2020, a oportunidade de encaminhar a contratação de 130 milhões de vacinas contra a covid-19. Na ocasião, a Pfizer e o Instituto Butantan contataram o Ministério da Saúde, com ofertas concretas para a aquisição, respectivamente, de 70 milhões e 60 milhões de doses. Destas, a Pfizer se comprometia a entregar 1,5 milhão de doses já em dezembro e o Butantan, outros 45 milhões, totalizando 46,5 milhões de doses ainda no ano passado.

As tratativas, contudo, fracassaram por falta de efetividade do governo brasileiro na negociação. Este episódio será tratado no parecer que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) apresentará à CPI da Covid como o “Dia D” em que o Brasil falhou no combate à pandemia – uma referência à frase do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, de que “a vacina vai começar no dia D, na hora H, no Brasil”.

Questionado, o Ministério da Saúde não respondeu à reportagem. O Valor teve acesso às comunicações. Com a primeira oferta da Pfizer tendo sido feita em 14 de agosto, mas sem acerto, o então presidente da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, encaminha uma segunda oferta, no dia 18, a nove endereços eletrônicos do Ministério da Saúde – entre eles, o do gabinete de Pazuello, do secretário-executivo Élcio Franco, do secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE), Hélio Neto, e da coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI), Franciele Francinato.

A farmacêutica, em um gesto de que queria ter o Brasil como um cliente preferencial – como Murillo disse à CPI, a ideia era fazer do Brasil uma “vitrine” da Pfizer na superação da covid-19 -, informava que estava melhorando a oferta ao Brasil, destinando 1 milhão de doses a mais ainda em 2020. “Com relação ao nosso e-mail de 14 de agosto de 2020, por meio do qual apresentamos o ‘Sumário Indicativo de Termos e Condições Vinculativo’ (Heads of Terms), que apresenta proposta formal da Pfizer para estabelecer parceria com este Ministério para a aquisição de doses de vacina, é com satisfação que informamos que, diante da realocação interna de outros mercados, conseguimos antecipar a entrega de 1 milhão de doses de vacina adicionais para 2020, desde que obtida a aprovação regulatória, mantendo o volume total de venda indicado previamente”.

Murillo salienta a necessidade de uma resposta urgente do governo brasileiro, já que a proposta era válida até o dia 29 daquele mês. “A validade das propostas continua sendo a mesma, até 29 de agosto de 2020, e gostaria de saber, com urgência, do interesse deste ministério em iniciar conversações sobre aspectos legais e jurídicos da presente proposta”.

No caso do Butantan, o ofício é encaminhado ao ministro Pazuello. Não faltavam detalhes, já que até o preço da dose da vacina estava explícito. “Vimos encaminhar proposta de fornecimento da vacina COVID-19-Sinovac, ao custo de R$ 21,50 a dose”. O cronograma apontava o oferecimento de 45 milhões de doses já em dezembro e outros 15 milhões ainda no primeiro trimestre deste ano. Nos dois casos, Pfizer e Butantan alegavam que precisavam que o governo desse conta da liberação legal dos imunizantes. À CPI, na semana passada, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que o Brasil poderia ter sido o primeiro no mundo a iniciar a vacinação “se todos os atores” tivessem colaborado. As manifestações do presidente Jair Bolsonaro contra a vacina deixaram as negociações “em suspenso” e atrasaram o começo da vacinação no país, alegou.

Ontem, a CPI da Covid recebeu a médica Nise Yamaguchi. Considerada uma das principais entusiastas do uso da cloroquina no enfrentamento à pandemia, ela tentou, sem sucesso, se desvincular de duas das principais linhas de investigação da CPI da Covid: a existência de um gabinete paralelo de aconselhamento de Bolsonaro e a distribuição deliberada de remédios sem eficácia comprovada.

Durante o depoimento, a médica disse desconhecer a existência de qualquer gabinete paralelo, mas citou uma série de reuniões das quais participou junto com várias autoridades que não têm ligação com o Ministério da Saúde.

Ao ser questionada sobre as diversas agendas que teve em Brasília, ela reconheceu ter discutido a pandemia com o empresário Carlos Wizard, o assessor Arthur Weintraub, o deputado Osmar Terra (MDB-RS). Yamaguchi também deixou escapar que os convites para que ela viajasse a Brasília vinham diretamente do Palácio do Planalto, e não da Saúde.

Ela também entrou em contradição ao tratar da acusação de que liderou uma tentativa de mudança, via decreto presidencial, da bula da cloroquina. A denúncia foi feita à CPI pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e confirmada pelo presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres.

Primeiro, a médica negou a versão e chegou a desafiar Barra Torres a apresentar o decreto. Pressionada, admitiu que houve uma discussão sobre uma resolução que flexibilizaria a prescrição de cloroquina e outros medicamentos, o que, na prática, seria o mesmo que legalizar a mudança na bula. A médica chegou a apresentar uma cópia da minuta, retirada de mensagens em um diálogo com o médico Luciano Azevedo, outro suposto membro do gabinete paralelo. Nelas, a médica diz a Azevedo que o texto não poderia ser aprovado daquela maneira, pois “exporia muito o presidente”.

Ainda ontem, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu cinco dias para o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), prestar esclarecimentos sobre a convocação de governadores para depor. No despacho, a ministra classificou a ação como urgente e destacou a “relevância do problema jurídico-constitucional posto”. A CPI da Covid aprovou, na semana passada, a convocação de nove chefes de Executivo estaduais. Os governadores serão ouvidos a partir do dia 29 de junho.

Valor Econômico