Promessas ambientais de Bolsonaro seguem congeladas

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Foto: Evaristo Sa/AFP – 9/2/21

Com a imagem arranhada internacionalmente, o presidente Jair Bolsonaro anunciou planos de compromisso na área ambiental durante a Cúpula de Líderes pelo Clima, organizada pelo presidente norte-americano Joe Biden, em abril, mas pouco avançou desde então. Uma das promessas foi duplicar os recursos destinados a ações de fiscalização e erradicação do desmatamento ilegal até 2030, mas o país não tem avançado nessa agenda.

Um dia depois da fala, o mandatário cortou do Orçamento de 2021 aproximadamente R$ 240 milhões que iriam para a fiscalização no Ministério do Meio Ambiente. No mês seguinte, uma proposta encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso (PLN 6/21) abriu crédito suplementar destinando R$ 270 milhões, sendo divididos entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama – R$ 198 milhões) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio – R$ 72 milhões) para apoiar a fiscalização e a repressão de crimes ambientais e o combate a incêndios na Amazônia. O documento autorizando o recurso foi publicado no Diário Oficial da União no último dia 10.

Especialistas, no entanto, avaliam que os recursos são insuficientes e muito pouco foi feito pelo governo para evitar o aumento de desmatamento e queimadas no país, a fim de unir discurso à prática. Biden deixou claro, em sua fala de encerramento na ocasião, que espera mais do que apenas palavras e que “compromissos precisam se tornar realidade”. Caso não consiga mostrar resultados, a falta de comprometimento com a política ambiental pode dificultar a relação diplomática e inviabilizar ainda tratados comerciais com outros países.

O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara dos Deputados, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), relata que, de imediato, há apenas a intenção de uma nova operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia, anunciada pelo vice-presidente Hamilton Mourão. As Forças Armadas deverão retornar ao local para ajudar no combate às queimadas e ao desmatamento. Segundo o general, que é presidente do Conselho da Amazônia, a medida terá a duração de dois meses e será mais enxuta que as outras, com recurso de R$ 50 milhões e previsão de início no dia 28.

Na avaliação do deputado, o Brasil será extremamente cobrado nas cúpulas sobre meio ambiente e clima de que participará ainda neste ano, porque está caminhando na contramão das promessas. Além disso, a Câmara não aprovou nenhuma proposta para evitar desmatamento, mas aprecia o PL da Grilagem, que concede anistia a grileiros e legaliza o roubo de terras indígenas. “Até a GLO precisa ser feita de maneira coordenada com militares, fiscais e técnicos. Militares não multam. Nenhum fiscal novo do Ibama foi contratado. É um problema estrutural, é como deixar uma casa cheia de ouro abandonada. É a Amazônia hoje. Bolsonaro incentiva garimpo. Todo o mundo sinaliza que o país precisa fazer gestos concretos. As declarações dele podem fazer sentido na rede bolsonarista, mas não para o mundo”, defende.

O parlamentar destaca que os dados de desmatamento mostram que perdemos 1,5 milhão de hectares de florestas e critica o desmantelamento dos órgãos de monitoramento e de fiscalização. De acordo com o deputado, Salles “entrou no ‘modo avião’ e não faz o trabalho que deveria”. “A estrutura de fiscalização foi desmontada. Continua tudo igual. É o terceiro mês seguido de explosão de desmatamento em época de chuva. Geralmente, ocorre no período de seca. Isso significa que o desmatamento pode dobrar. Na Amazônia, há uma corrida em busca de terra pública. O cenário é muito ruim”, afirma.

Conforme dados recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Amazônia Legal em maio é o maior registrado desde 2016, quando a série histórica teve início, diante do desmantelamento da fiscalização. É o terceiro mês seguido de recorde de destruição da floresta em 2021. Em 28 dias, a região atingiu a marca de 1.180 km², um aumento de 41% em relação ao mesmo mês de 2020. Em nota, o Observatório do Clima afirma que esses números são preocupantes e podem piorar.

Porta-voz de Políticas Públicas do Greenpeace, Thais Bannwart destaca a queda do orçamento do Meio Ambiente e aponta que parte do recurso liberado para fiscalização deverá ser transferido para a operação da GLO, reduzindo o trabalho de órgãos como ICMBio, que recebeu apenas R$ 101 milhões do orçamento, “valor três vezes menor do que o necessário para atividades da autarquia que cuida de 334 unidades de conservação”. “Há, ainda, falta de recurso para o Inpe, que é quem realiza monitoramento de alerta de queimada com perspectiva de que há recurso previsto apenas para agosto deste ano”, afirma. Ela também critica o tamanho dos recursos liberados pelo governo, porque, além de insuficientes, não há planejamento para o combate às queimadas que vão ocorrer ao longo do período de estiagem, que já começou.

Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, relata que, apesar da liberação do recurso, o governo apresenta extrema dificuldade para execução.“Com equipe de fiscalização reduzida e o Ibama deslegitimado, não conseguirão executar recursos. As chefias foram trocadas, e os militares na coordenação não têm expertise na Amazônia. O discurso do presidente continua sendo de crítica aos órgãos ambientais. O dinheiro não é o principal problema, apesar de estar sempre abaixo do necessário. Tem R$ 2,9 bilhões no Fundo Amazônia, que era para o controle do desmatamento, mas está parado desde o início do governo”, afirma.

O problema maior, na avaliação da especialista, continua sendo a narrativa contrária do presidente e de Salles, que criticam as fiscalizações. Para ela, militares podem ajudar, mas a coordenação tem que ficar com órgãos ambientais. “É muito dinheiro para pouco resultado. O país tem mais no que investir em meio ambiente, a questão não é só autorizar, tem que dar estrutura para os órgãos trabalharem e parar de criticar. Não dá para tratar órgão que está fiscalizando como se estivesse errado, dando sinal de que tudo pode em campo. A Amazônia, considero que está largada às traças, com ausência de governo”, complementa.

A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) ressalta que o governo “continua despejando e desperdiçando recursos públicos nas Forças Armadas apostando na militarização da proteção ambiental da Amazônia”. Segundo a entidade, a Operação Verde Brasil, que terminou em 30 de abril, consumiu em suas duas fases mais de R$ 530 milhões, o que representa oito vezes o orçamento do Ibama para combater o crime ambiental no Brasil inteiro por um ano. “Com esse mesmo recurso, poderiam ser contratados 5 mil fiscais para o Ibama, que hoje conta com apenas 500 pessoas para fazer a proteção ambiental de todo o território nacional, incluindo zona costeira”, afirma a Ascema.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciou a compra de um equipamento para substituir o supercomputador Tupã, que faz a previsão de estiagem e clima e corria risco de ser desligado por falta de recursos para o pagamento de conta de energia elétrica e manutenção. Ele consome R$ 5 milhões por ano. O órgão havia informado anteriormente que, por falta de recursos, a máquina seria mantida em operação apenas até agosto, correndo o risco de cessar previsões meteorológicas e climáticas, além de impossibilitar planejamento do governo nas áreas.

No começo do mês, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu ao pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e autorizou a abertura de um inquérito contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O dirigente da pasta é acusado pela Polícia Federal de tentar atrapalhar investigação para proteger madeireiros. As acusações foram feitas pelo delegado Alexandre Saraiva. O ministro teria atuado para impedir a fiscalização do Ibama e da PF sobre a maior apreensão de madeira da história do país.

Salles já é investigado em um outro inquérito no Supremo, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, por suspeita de facilitar exportação ilegal de madeira. Saraiva foi retirado do comando da superintendência da PF no Amazonas após enviar à Corte, em abril, um pedido de investigação contra o ministro.

Mesmo após as polêmicas em torno do ministro e ter sido aconselhado internamente a afastar Salles do cargo para preservar a sua gestão, o presidente Jair Bolsonaro pretende mantê-lo e o elogiou publicamente dias depois, caracterizando-o como “excelente”. “Temos um excelente ministro do Meio Ambiente também, Ricardo Salles. E quem é bom, o pessoal atira. Ninguém vai dar tiro em alvo não compensador”, defendeu.

Na tentativa de sair do radar e tentar sobreviver no governo, Salles ainda diminuiu o número de aparições públicas, entrevistas e mesmo postagens nas redes sociais. (IS)

Correio Braziliense