Agravamento da pandemia fez Bolsonaro aumentar desinformação em lives

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Foto: Reprodução

Nos últimos três meses, enquanto o Brasil atravessava a fase mais letal da pandemia de covid-19, declarações incorretas sobre temas ligados à doença foram as mais frequentes nas falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em suas lives semanais que foram checadas pelo UOL Confere.

O levantamento feito pela reportagem compreende as lives feitas a partir de 25 de março, quando o UOL Confere passou a acompanhar as transmissões com regularidade, até a mais recente, no último dia 24. Este intervalo de tempo coincide com a pior fase da pandemia no Brasil, quando o país registrou as mais altas médias de mortes diárias por covid-19 e a doença matou mais de 200 mil brasileiros, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa do qual o UOL faz parte — praticamente a mesma quantidade de mortos pela doença em todo o ano de 2020.

Ao longo deste período, o UOL Confere checou 77 declarações de Bolsonaro em lives, sendo que 53 foram sobre a pandemia. Destas, 30 foram avaliadas como falsas; 14 como sem contexto ou distorcidas; seis como imprecisas; e três como verdadeiras.

Os temas mais frequentes nas falas com desinformação sobre a pandemia nas lives foram vacinação (16 declarações incorretas) e a defesa do suposto “tratamento precoce” (14 alegações falsas ou sem contexto). Bolsonaro também repetiu alegações incorretas sobre empregos e urnas eletrônicas. Veja abaixo os temas que mais apareceram nas checagens de lives feitas pelo UOL Confere:

‘Tratamento precoce’
Defensor da hidroxicloroquina, em pelo menos seis declarações Bolsonaro atribuiu o resultado negativo em um exame de covid-19 ao uso da medicação. Para evitar mencionar o remédio nominalmente e ter as redes sociais derrubadas por estímulo a tratamentos não comprovados, ele costuma fazer referências veladas ao medicamento. Na última live, aludiu ao dia em que foi fotografado mostrando uma caixa de cloroquina para as emas do Palácio da Alvorada.

Fui infectado ano passado, tomei o remédio que ‘dei’ pra ema e no dia seguinte tava bom.”
Live de 24/6/2021

A maioria dos fabricantes brasileiros de cloroquina não recomenda a medicação para tratar a covid-19. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também não indica o seu uso e já destacou que não há comprovação da eficácia do remédio, assim como a OMS (Organização Mundial da Saúde), que contraindica o tratamento para casos de covid.

De 14 declarações sobre tratamento precoce, em ao menos quatro ele disse expressamente que as medicações não fazem mal.

Eu tomei um negócio no ano passado, se eu tiver problema de novo, eu vou tomar a mesma coisa e que não faz mal. Aquilo que eu tomei serve para malária, lúpus e artrite.”
Live de 22/4/2021

Um boletim da Anvisa reúne diversos estudos que apontam os riscos de efeitos adversos no uso das medicações. Os efeitos colaterais da hidroxicloroquina, segundo a OMS, incluem diarreia, náusea, e riscos ao funcionamento dos rins.

Em duas ocasiões, nos dias 6 e 27 de maio, Bolsonaro disse que ninguém morre por causa da hidroxicloroquina. No entanto, a afirmação é difícil de confirmar, pois o Painel de Notificações de Farmacovigilância da Anvisa — que reúne notificações de efeitos adversos pelo uso de medicações no país — afirma não disponibilizar dados para atribuir ou não se os efeitos foram provocados pelos medicamentos.

Vacinação
Obviamente, a gente não poderia comprar uma vacina sem passar pela Anvisa e sem um contrato razoável. Em 10 de março, eu sancionei um projeto de lei (…), e a partir daquele momento nós pudemos comprar efetivamente a Pfizer, que tinha então uma lei para isso.”
Live de 27/5/2021

Em pelo menos três oportunidades, Bolsonaro afirmou que não poderia comprar vacinas sem aprovação da Anvisa. Isso não impediu o Ministério da Saúde de firmar um acordo em junho de 2020 para garantir a produção da vacina de Oxford, que só teve o registro para uso emergencial aprovado em janeiro de 2021.

Em 10 de junho, o presidente se justificou questionando “qual país comprou a vacina da Pfizer no ano passado”. Diversas nações fecharam contrato com a farmacêutica ainda em 2020: EUA, Austrália, Arábia Saudita, Chile, Israel, México, Nova Zelândia, Panamá, Peru e Reino Unido — além da União Europeia, que tem 27 países-membros.

Bolsonaro também inflou dados de vacinação diária e apresentou informações sem contexto sobre a posição do Brasil no ranking de países que mais vacinam, desconsiderando o percentual da população imunizada.

Desemprego
Bolsonaro fez quatro menções à criação de vagas de trabalho em seu governo, mas omitiu as altas taxas de desemprego e o encolhimento do emprego informal. Em uma das falas, insinuou que o aumento do desemprego ocorreu por causa da metodologia adotada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), “que diz que desempregado é só quem procura emprego”.

Agora, a questão do desemprego, é a metodologia. Terminamos 2020 com mais empregados do que terminamos 2019.”
Live de 6/5/2021

O desemprego atingiu nível recorde no Brasil em 2020, segundo dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Houve aumento de 16,1% de desalentados, o que o IBGE considera como pessoas que desistiram de procurar emprego, seja pela falta de opções ou pela quantidade de negativas diante da busca por vagas.

Apesar de o governo celebrar os empregos criados, o UOL mostrou em março que o método de coleta de dados mudou em 2020 e que, por isso, não é possível comparar os dados com os de períodos anteriores a essa mudança.

Urnas eletrônicas
Defensor do voto impresso, Bolsonaro mencionou ao menos três vezes que as urnas brasileiras não são auditáveis, embora o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) afirme que o voto no Brasil é auditável antes, durante e depois das eleições. Apesar dos questionamentos à lisura do processo, não há provas de fraudes nas eleições brasileiras desde que as urnas eletrônicas passaram a ser usadas.

O TSE não faz [auditoria das urnas]. O TSE tem que disponibilizar no site todas as sessões do Brasil.”
Live de 29/4/2021

O tribunal disponibiliza, em seu site, boletins de urnas com o resultado do total de votos recebidos em cada seção, incluindo votos nos candidatos, votos brancos e nulos, quantos eleitores compareceram e quantos faltaram.

Bolsonaro defende a aprovação de um projeto de lei para a adoção do voto impresso e já afirmou ter provas de que foi eleito ainda no primeiro turno nas eleições de 2018 — embora ele nunca tenha as divulgado e seu governo já tenha admitido, em respostas a pedidos feitos por meio da Lei de Acesso da Informação, que não possui registros que possam comprovar as acusações.

Confusão e manipulação
A insistência de Bolsonaro na repetição de alegações já desmentidas tem levado pesquisadores a levantar hipóteses sobre esta prática de comunicação. Em maio, a Artigo 19, uma organização de defesa de acesso à informação, publicou relatório no qual afirma que o governo federal estimula a “poluição de informações” e busca confundir a população com a propagação excessiva de notícias sobre o coronavírus e a revisão constantes de orientações no combate à pandemia.

Em um artigo publicado em junho, a antropóloga Isabela Kalil, coordenadora do OED (Observatório da Extrema Direita) e professora da Fespsp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), relaciona o neoliberalismo defendido pelo governo Bolsonaro à propagação de teorias conspiratórias durante a pandemia. Segundo a acadêmica, em um modelo de redução das responsabilidades do Estado, cada família passa a ter que “se virar” para cuidar de sua saúde, o que leva a uma visão de “cada um por si”, propiciando a circulação de teses variadas.

“Se a gente tivesse um modelo de Estado que cuidasse das áreas sensíveis principalmente relacionadas à saúde, essas teorias conspiratórias sobre a pandemia não teriam tanta força”, disse ela ao UOL Confere. “Por que as pessoas aderem ao tratamento que é comprovadamente ineficaz? Porque elas não têm mais onde se apegar, é uma situação de insegurança e precariedade.”

A antropóloga também afirmou que, no caso do tratamento precoce, o presidente se vale da manipulação de informações que “em algum momento foram ou poderiam ter sido adequadas”.

“Ele trabalha com controvérsias falsas, infladas e torna difícil dizer que se trata de uma campanha [de desinformação]. Isso é tão sofisticado que fica no limite, na fronteira do que podemos caracterizar como fake news”, declarou.

Uol

 

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