Ex-diretor da Saúde tem trajetória fora da área

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Foto: Marcello Casal Jr

Roberto Ferreira Dias, 40, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, foi controlador de tráfego aéreo e corretor de investimentos antes de ingressar no setor público de infraestrutura.

No centro das apurações da CPI da Covid sobre supostas irregularidades em negociações de vacinas, Dias é considerado por colegas um sobrevivente no ministério.

Ele resistiu a trocas de ministro, à militarização da pasta e ao pedido para sua demissão, encaminhado em outubro de 2020 pelo general Eduardo Pazuello ao Palácio do Planalto.

O servidor público, porém, foi exonerado em 29 de junho, horas após a Folha publicar entrevista de Luiz Paulo Dominguetti Pereira, policial militar de Minas Gerais que diz ter recebido de Dias pedido de propina de US$ 1 por dose para negociar vacinas com o governo Jair Bolsonaro.

Dias comandava desde janeiro de 2019 uma das áreas mais cobiçadas por partidos políticos no Ministério da Saúde, responsável por pagamentos de cerca de R$ 10 bilhões anuais para compra de medicamentos e outros insumos.

O valor nas mãos do servidor disparou na pandemia. Apenas em 2021, o Departamento de Logística empenhou mais de R$ 30 bilhões, principalmente para a compra de vacinas contra a Covid-19.

Esse valor representa, por exemplo, cerca de três vezes o orçamento total aprovado para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.

O cargo também é escrutinado por órgãos de controle.

Indicados do centrão, os dois nomes que antecederam Dias no departamento —Davidson Tolentino de Almeida e Tiago Pontes Queiroz— são réus em ação de improbidade por contratos assinados pelo ministério durante a gestão de Ricardo Barros (PP-PR), atual líder do governo na Câmara.

No depoimento marcado para esta quarta-feira (7), a CPI quer ouvir a versão de Dias sobre o suposto pedido de propina e destrinchar dúvidas sobre aquisições da pasta durante a pandemia, especialmente a da vacina indiana Covaxin, alvo também da Procuradoria e do TCU (Tribunal de Contas da União).

Dias reconhece o encontro com Dominguetti em um restaurante de Brasília, mas nega ter conversado sobre a venda de vacinas e cobrado propina. Em nota, ele ainda afirmou que pode ter sido usado como “fantoche para algo”.

Além de levantar suspeita de irregularidades, o caso mostrou que empresas pequenas e sem aval das fabricantes negociavam imunizantes com o Ministério da Saúde, enquanto a pasta ainda recusava ofertas como a da Pfizer.

Já a existência de denúncias de irregularidades em torno da Covaxin foi revelada pela Folha no dia 18 de junho, com a divulgação do depoimento sigiloso do servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal.

Esse mesmo servidor e seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), disseram à CPI que alertaram Bolsonaro sobre as supostas irregularidades.

Em entrevista à Folha, o deputado Miranda disse que Dias é quem dava as cartas no setor das compras do ministério. “Nada ali acontece se o Roberto não quiser.”

A colegas de trabalho Dias contava que, com a viuvez precoce da mãe, teve que trabalhar cedo para ajudar nas contas da casa. Focado, rechaçava distrações como os jogos de azar.

Admitido em concurso público destinado a civis, Dias trabalhou até 2009 como controlador de voo no Aeroporto Internacional Afonso Pena, em São José dos Pinhais (PR), quando se candidatou e foi aceito para o cargo de assessor de investimentos em uma corretora de Curitiba, a CWBX.

Por cerca de dois meses, chegou a acumular as duas funções —controlador de tráfego aéreo e assessor de investimentos—, mas acabou optando pelo trabalho no mercado financeiro.

Em 2011, Dias deixou a CWBX e fundou, com um amigo, a Dax Cred Assessoria de Crédito e Cobrança. A parceria durou menos de um ano.

Com o fracasso da empreitada, prestou concurso público para a Cohapar (Companhia de Habitação do Paraná), sendo aprovado para vaga reservada a afrodescendentes em fevereiro de 2012. Admitido como auxiliar administrativo, ele ocuparia a gerência dois anos depois.

Em fevereiro de 2015, o ex-deputado Abelardo Lupion (DEM-PR) assumiu a presidência da Cohapar, onde diz ter conhecido Dias. À época, o governador do Paraná era Beto Richa (PSDB). Sua vice era Cida Borghetti (PP), esposa de Ricardo Barros.

Cida assumiu o Governo do Paraná em abril de 2018, quando Richa deixou o cargo para uma mal sucedida candidatura ao Senado.

Para a Secretaria de Infraestrutura, ela convidou Lupion, que, por sua vez, nomeou Dias para sua chefia de gabinete. No dia 13 de junho daquele ano, Dias foi alçado ao cargo de diretor de logística da secretaria, chegando a participar de eventos ao lado de Cida.

Muito amigo do ministro da Secretaria-Geral da Presidência Onyx Lorenzoni, padrinho de casamento de seu filho, Lupion foi um dos articuladores da campanha presidencial de Bolsonaro no Paraná em 2018.

Com a vitória e a posse de Onyx na Casa Civil, no ano seguinte, Lupion passou a ocupar uma assessoria especial da Presidência e, posteriormente, a secretaria Especial de Relacionamento Externo da pasta.

Na função de assessor especial, Lupion foi consultado pelo então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobre indicações para o Departamento de Logística. Sugeriu o nome de Dias, que também recebeu apoio de Barros.

Com a saída de Onyx da Casa Civil em fevereiro de 2020, Lupion foi transferido para a Saúde, para assessoramento de Mandetta no enfrentamento da pandemia. Dois meses depois, Mandetta foi exonerado, e Lupion também deixou o ministério.

Dias, porém, foi mantido, sobrevivendo aos três sucessores de Mandetta.

“Quando o Roberto foi convidado a ficar, me telefonou. Eu disse: ‘Fica’”, conta Lupion, segundo quem Dias telefonou uma série de vezes afirmando que deixaria o cargo. “É muita pressão. Aquilo lá é uma fábrica de fazer doido.”

Funcionários da Saúde consideravam natural a saída de Dias após a demissão de Mandetta, afinal a logística era justamente uma das áreas que Bolsonaro prometia revirar com a entrada dos militares no ministério.

O servidor foi mantido no cargo, mas cercado por fardados. Em maio de 2020, coronel da reserva Marcelo Blanco da Costa foi nomeado assessor do Departamento de Logística para vigiar a área comandada por Dias, segundo aliados do então ministro Pazuello.

Blanco deixou a Saúde em janeiro deste ano. No mês seguinte, ele e Dias se reuniram com Dominguetti, no jantar em que o policial afirma ter recebido o pedido de propina. Conforme revelou o Painel, na véspera daquele encontro, Blanco abriu uma empresa de representação comercial de medicamentos.

Mesmo contestado por Pazuello, Dias chegou a ser indicado, em outubro de 2020, para uma vaga de diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Bolsonaro, porém, retirou a sugestão do nome na semana seguinte.

A suspeita de irregularidades na compra de insumos para testes de Covid por R$ 133,2 milhões foi decisiva para o recuo, dizem membros do governo.

Dias alegou à época que ele mesmo havia sugerido que os contratos sob suspeita fossem desfeitos, mas a justificativa não foi suficiente. A palavra final para derrubar a indicação à Anvisa foi do então ministro da Casa Civil, general Braga Netto, segundo um auxiliar de Pazuello.

A indicação de Dias também havia incomodado o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres.

Após o desgaste, Pazuello pediu à Casa Civil para exonerar Dias. A demissão foi revertida depois de o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), interceder.

Desde junho de 2020, a Caixa Econômica Federal move uma ação de cobrança contra Dias na Justiça Federal no Paraná. Segundo o banco, o ex-diretor da Saúde assinou três contratos de empréstimo consignado no fim de 2015, mas não quitou todas as parcelas.

De acordo com os dados do processo, a dívida é de cerca de R$ 200 mil, em valores atualizados. Dias foi citado pela vara judicial por meio de mensagem de WhatsApp e em novembro respondeu à Justiça, também pelo aplicativo, que estava em fase final de negociação com o banco e iria pedir a homologação do acordo assim que as tratativas fossem formalizadas.

Porém, ante a falta de informação sobre pagamento ou acordo nos autos, em janeiro a Justiça determinou o bloqueio de valores que estivessem à época em contas bancárias de Dias. Apenas cerca de R$ 2.000 foram encontrados, e em seguida as contas foram liberadas.

A Folha ligou e mandou mensagens para o celular de Dias, mas ele não respondeu ao pedido de manifestação sobre a ação de cobrança da Caixa.

Folha de S. Paulo

 

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