É pífia a vacinação de quilombolas

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Foto: Franciele Petry/Divulgação

Um levantamento inédito feito pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), com apoio da Terra de Direitos e da Equipe de Conservação da Amazônia (Ecam), com mais de 138 mil quilombolas no País aponta uma série de dificuldades enfrentadas por integrantes do grupo prioritário da vacinação contra covid-19. Para a coalizão de organizações de direitos humanos e promoção da saúde, racismo estrutural seria um dos principais problemas enfrentados pelo grupo étnico na garantia de acesso à vacina. Dos 445 quilombos mapeados pelas entidades, apenas 24% tinham a população totalmente imunizada, enquanto 11% deles não tiveram nenhum acesso às doses de imunizantes.

Recentemente, a Defensoria da União e entidades ligadas aos direitos humanos questionaram no Supremo Tribunal Federal (STF) as ações do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para proteção de quilombolas contra o novo coronavírus. Organizações afirmavam que o Ministério da Saúde, à época chefiado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello, ignorava reivindicações e as ações propostas pelo governo federal seriam insuficientes para conter o avanço da doença entre a população.

O estudo que levantou dados sobre a vacinação de quilombolas foi realizado entre os dias 5 e 27 de julho em 246 municípios divididos por 23 Estados brasileiros. Ao todo, 138.230 quilombolas foram mapeados, dos quais 90.075 foram vacinados só com a primeira dose, outros 32.748 integrantes já haviam recebido as duas doses do imunizante, enquanto 15.407 pessoas não teriam sido vacinadas com nenhuma dose.

Conforme o mapeamento, 193 quilombos espalhados pelo território nacional apresentaram alguma dificuldade em relação à vacinação prioritária. Segundo divulgado, nove unidades quilombolas não conseguiram receber a vacinação por falta de um certificado emitido pela Fundação Cultural Palmares. Entre os problemas recorrentes estavam oferta insuficiente de doses e falta de planejamento para a vacinação. “O Estado se utiliza assim da própria torpeza para inviabilizar o direito à saúde. Foram registrados casos de dificuldades no acesso à vacinação por quilombos ainda não certificados pela Fundação Palmares. Nesses casos, o Estado que falhou em garantir a regularização do território quilombola, usa a sua falha como critério para negar o acesso à política pública”, acusa o relatório.

Apesar de integrarem o grupo classificado pelo Plano Nacional de Imunização (PNI) como prioritário para a vacinação contra covid-19, alguns quilombolas encontraram dificuldades para garantir o acesso à medicação de prevenção da doença, como destaca o levantamento. Em 17 casos, a comunidade não conseguiu se vacinar por falta de aceitação de quilombolas como grupo prioritário dentro dos municípios. Outros 11 relatos mostram que doses que deveriam ser reservadas acabaram sendo destinadas para outros fins.

Em março de 2020, no início da campanha de imunização no País, a Conaq denunciou a falta de acesso dos quilombos à vacinação, na ocasião, a entidade classificou a falta de centralização do programa do governo federal como a principal causa do problema. Para evitar surtos de covid-19 nas regiões, em alguns casos, representantes locais chegaram a ajuizar ações na justiça para obrigar a execução do PNI.

Além da falta de doses reservadas para imunizar comunidades, alguns quilombolas precisaram lidar com outro problema estrutural no País: o racismo. O trabalho de monitoramento da vacinação registrou casos de preconceito contra o grupo tanto nas comunidades, quanto nas unidades básicas de saúde. Relatos mostram casos de racismo por parte de representantes do poder público municipal.

“Há relatos de que quilombolas tiveram sua identidade questionada pelos agentes de saúde e que optaram por não se vacinar com receio de criminalização”, afirmam as entidades no relatório. “Em muitos casos, essa ausência de coordenação e uniformização das informações réplica experiências de racismo institucional no acesso a políticas de saúde, levando quilombolas a uma verdadeira via crucis para atender aos requisitos da pessoa gestora responsável no local ou até mesmo a acionar mecanismos judiciais para garantir o direito da comunidade a se vacinar”, complementam.

Estadão

 

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