Indicado de Bolsonaro ao STF tenta apagar lavajatismo

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Indicado para o STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-advogado-geral da União André Mendonça tem usado sua atuação em acordos de leniência firmados pelo governo para desconstruir a fama de que seria um defensor dos métodos da Lava Jato.

Em busca de votos para ser aprovado a uma vaga na corte, ele costuma afirmar a senadores que não há mais espaço para punitivismo e que seu histórico não faz jus à tese de que é lavajatista.

Como exemplo, cita o fato de nunca ter deixado vazar dados contra as empreiteiras que fizeram acordo para revelar esquemas de desvios de verba em troca de benefícios perante a Justiça.

“O garantismo é um princípio básico do direito. O respeito aos direitos e às garantias individuais está estreitamente ligado ao respeito à própria democracia”, afirmou à Folha o escolhido do presidente Jair Bolsonaro para compor o órgão de cúpula do Judiciário.

A trajetória marcada pelo apoio à prisão em segunda instância, uma das principais bandeiras da Lava Jato, tem sido um dos principais argumentos dos congressistas contrários à indicação de Mendonça.Outro fato que ajudou a reforçar a ideia propagada por senadores foi a divulgação de mensagens hackeadas de integrantes da operação publicadas pelo site The Intercept —algumas delas em parceria com a Folha— que dão a entender que ele teria se comprometido em defender a competência da Justiça Federal para investigar casos de lavagem de dinheiro associados a crimes eleitorais, outra causa da Lava Jato.

Aos senadores, porém, Mendonça tem rechaçado essa visão e afirmado que jamais compactuou com os erros das operações de combate à corrupção iniciadas na 13ª Vara Federal de Curitiba sob a batuta do ex-juiz Sergio Moro.

De forma enfática, ele afirma que irá respeitar as garantias dos investigados e que diverge de ações midiáticas para desgastar a classe política.

Essa linha de argumentação também deve ser seguida na sabatina, que ainda não tem data para ocorrer por causa da resistência do presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Davi Alcolumbre (DEM-AP), em relação ao seu nome.

“O Estado democrático de Direito nasce justamente com o propósito de garantir direitos fundamentais a todo cidadão, inclusive no âmbito do processo judicial”, disse Mendonça.

O exemplo citado para desfazer a imagem que tem gerado obstáculos à sua aprovação é o dos acordos de leniência, uma espécie de delação premiada para empresas. Apesar de ser um tema que não abrange o direito criminal, envolve diretamente as empreiteiras atingidas pela Lava Jato.

Em 2017, quando era assessor especial do ministro da CGU (Controladoria-Geral da União, Mendonça foi um dos protagonistas nas negociações dos primeiros acordos dessa natureza firmados pelo governo, principalmente em relação à UTC Engenharia e à Andrade Gutierrez.

Isso garantiu à UTC, por exemplo, uma autorização para que pudesse voltar a fechar contratos com estados e municípios —o Executivo federal ficou de fora porque havia uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) no sentido contrário.

Além disso, na época o governo também retirou da Justiça ações de improbidade que havia proposto contra a empresa. Em troca, os responsáveis pela empreiteira revelaram esquemas de desvios em obras públicas e devolveram R$ 574 milhões aos cofres do Estado.

No caso da Andrade Gutierrez, os termos do acordo foram similares. A empresa revelou a existência de fraudes em 54 contratos e se comprometeu a devolver R$ 1,49 bilhão.

O fato de advogados garantistas que participaram das leniências elogiarem sua atuação nessas negociações, até o momento, porém, não tem sido suficiente para quebrar a resistência de senadores.

Alcolumbre concentra o poder de marcar a data da sabatina e a votação de seu nome na comissão. Em conversas reservadas, o ex-presidente do Senado demonstra preferência por Augusto Aras, procurador-geral da República, que já liderou o enfrentamento da Lava Jato dentro do Ministério Público Federal.

Além disso, o senador costuma afirmar que o governo não cumpriu promessas feitas na campanha à sua sucessão à frente da Casa Legislativa que culminou na vitória de seu aliado e então candidato mais próximo ao Palácio do Planalto, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Bolsonaro, no entanto, não tem entrado no jogo dos senadores e não fez nenhum gesto em direção a Alcolumbre ou ao Senado como um todo para destravar a indicação de Mendonça.

Os pedidos de integrantes do STF para que a composição da corte fique completa o quanto antes, o trabalho de líderes evangélicos em favor do escolhido do presidente e a articulação de líderes governistas no Senado, porém, fizeram aumentar a pressão contra o presidente da CCJ nos últimos dias.

Ele ainda não bateu o martelo sobre a data que pautará a sabatina, mas a avaliação é que será inevitável levar o tema à apreciação dos colegas mais cedo ou mais tarde.

Outro problema para Mendonça, contudo, é de onde partem os apoios que ele tem recebido. No STF, os mais empenhados em ver seu nome aprovado são o presidente da corte, Luiz Fux, e o ministro Luís Roberto Barroso.

Ambos lideram a ala favorável à Lava Jato no Supremo, o que tem reforçado a imagem lavajatista de Mendonça perante os senadores.

Um temor da classe política, por exemplo, é que Fux aproveite a presença de Mendonça no tribunal para levar novamente a julgamento a discussão sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

O Supremo derrubou a execução antecipada de pena em 2019 e retomou a regra de que os investigados só podem ser presos após condenação definitiva, sem possibilidade de recurso, em último grau.

O placar do julgamento, porém, foi 6 a 5, com voto contrário à prisão em segunda instância de Marco Aurélio, que deixou o tribunal em julho.

Como Mendonça entrará, caso seja aprovado, nesta vaga, o voto dele poderia reverter a jurisprudência da corte sobre o tema. E há um temor que Fux, ferrenho defensor da Lava Jato, siga esse caminho.

Nos bastidores, inclusive, o empenho do presidente do STF por Mendonça tem sido lido como um prenúncio de que retomará debates favoráveis à operação caso o indicado de Bolsonaro tenha o nome avalizado pelo Senado.

Folha de SP