80% das cidades em que PM mata negros são do Rio

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Foto: Pedro Conforte/Immagini/Estadão Conteúdo

O estado do Rio de Janeiro tem oito entre as dez cidades com as maiores taxas de negros mortos pela polícia, segundo aponta levantamento inédito feito pelo UOL com base em dados de 2020 coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Gonçalo (RJ), onde ao menos oito pessoas foram retiradas mortas de um mangue na segunda-feira (22), é a quarta da lista.

O país registrou 5.092 assassinatos de pessoas negras em intervenções policiais no ano passado. É o equivalente a 78,9% das 6.416 mortes no período, o maior índice de letalidade policial desde 2013, quando a pesquisa começou a ser registrada pelo Anuário de Segurança Pública, divulgado em julho deste ano.

No Brasil, temos uma polícia com alta letalidade e que produz desigualdade racial. O suspeito geralmente representa a cultura jovem, negra e periférica. Isso se relaciona com um maior número de abordagens, prisões e mortes decorrentes de intervenção policial”
David Marques, Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A lista foi elaborada com base no cruzamento entre as mortes de pessoas negras em ações policiais e a população dos municípios onde ocorreram os crimes. Dos oito municípios do Rio apontados no levantamento, sete ficam na região metropolitana do Rio: São Gonçalo, Japeri, Itaguaí, Belford Roxo, Queimados, Mesquita e São João de Meriti. Angra dos Reis fica na Costa Verde fluminense.

Salvador (BA) é a única capital a figurar na lista, encabeçada por Santo Antônio de Jesus (BA). O levantamento leva apenas em consideração municípios com mais de 100 mil moradores.

Com 137 mortes, São Gonçalo (RJ) está entre as cidades com mais óbitos de pessoas negras decorrentes de intervenções policiais em números absolutos no ano passado —atrás apenas de Rio (341), Salvador (296) e São Paulo (255). O estado com o maior número absoluto de mortes decorrentes de intervenção policial continua sendo o Rio de Janeiro —foram 1.245 pessoas mortas pela polícia em 2020.

Coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sociólogo David Marques atribui a presença das cidades do Rio na lista aos confrontos constantes entre as forças de segurança e o crime organizado, que tem avançado nos últimos anos para os municípios da Baixada Fluminense. Segundo ele, essa postura reflete uma política de enfrentamento, sustentada pelo próprio poder público.

“Existe uma aposta contínua na ideia de que a polícia tem que subir e descer morro trocando tiro. Com isso, estamos vendo o crescimento das mortes sem que ocorra, necessariamente, o enfraquecimento do tráfico ou das milícias”.

PM do Rio vê negros ‘mais propensos’ ao crime por ‘desigualdade social’
Questionada, a PM-RJ (Polícia Militar do Rio) responsabilizou as vítimas ao relacionar os altos índices de mortes entre pessoas negras em ações policiais à atuação delas junto ao crime organizado. Segundo a corporação, os números refletem um “quadro de desigualdade social”, que faz com que as pessoas negras sejam mais “propensas” a serem arregimentadas pelo crime.

“[O alto índice de pessoas negras entre os mortos em ações policiais] reflete um quadro histórico de desigualdade social, no qual os afrodescendentes têm ocupado a maior parcela da população vulnerável e, consequentemente, mais propensa a ser cooptada pelo crime organizado”, diz em um dos trechos.

“Não há, portanto, qualquer viés racial na atuação da Polícia Militar na sua missão de combater criminosos armados”, completa a nota da PM-RJ.

‘História se repete’: São Gonçalo no foco de ações com mortes
O assassinato de João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, morto em uma operação entre as polícias Federal e Civil em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, não foi um caso isolado. Nesta segunda-feira (22), moradores da mesma região dizem ter retirado 11 corpos com marcas de tiros em uma região de mangue e acusam a PM de envolvimento na chacina.

As vítimas estão sendo localizadas após um fim de semana em que um policial foi morto no sábado (20) em uma ação das forças de segurança contra o tráfico local —incursões policiais motivadas por vingança são a terceira maior causa de morte em incursões na região metropolitana do Rio, aponta estudo feito por pesquisadores da UFF (Universidade Federal Fluminense) a pedido do UOL.

Em agosto deste ano, João Vitor Santiago, 17, morreu ao ser atingido por disparos em uma operação policial ao voltar de uma pescaria em São Gonçalo. “Era um menino inocente. A história se repete em mais uma operação desastrosa da polícia”, lamentou Rafaela Matos, mãe de João Pedro, ao comentar a morte do outro jovem morto em São Gonçalo.

‘Negro não pode andar de moto?’, questiona mãe de jovem morto
Em Belford Roxo (RJ), cidade na Baixada Fluminense que também faz parte da lista, dois jovens negros foram mortos em dezembro de 2020 após uma abordagem policial flagrada por câmeras de segurança. Nas imagens, obtidas pelo UOL, um dos PMs aparece atirando nas vítimas em uma moto sem motivo aparente.

“Negro não pode andar de moto?”, questionou Renata Santos de Oliveira, mãe de Edson Arguinez Júnior, durante o enterro do filho. Os corpos das vítimas foram encontrados em uma área dominada pela milícia.

Em Itaguaí, na Baixada Fluminense, uma só operação policial em outubro de 2020 matou 12 suspeitos de integrar uma das maiores milícias do país que estavam com armas de guerra, segundo os agentes envolvidos na ação. Um policial ficou ferido no confronto.

Entre as vítimas, estava o ex-PM Carlos Eduardo Benevides Gomes, o Bené, apontado como um dos chefões do grupo paramilitar e acusado de usar a região como esconderijo da quadrilha.

Uol

 

 

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