Bolsonaro tenta ajudar eleitoralmente fascista que governa Hungria

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Foto: MARCOS CORREA/AFP

A viagem do presidente Jair Bolsonaro será usada nesta quinta-feira em Budapeste pelo primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, como uma espécie de reconhecimento internacional ao projeto mais avançado da extrema-direita para impor seu modelo.

Mesmo depois de uma tragédia no estado do Rio de Janeiro que deixou 94 mortos e de sugestões de alguns dos membros do governo para que a escala fosse cancelada, Bolsonaro optou por manter a viagem para mostrar solidariedade ao líder populista húngaro. O presidente retorna ao Brasil ainda hoje, com destino ao Rio de Janeiro. Mas, até mesmo dentro do Itamaraty, sua escolha foi duramente criticada e interpretada como um sinal de que atender às alas mais radicais de sua base é prioridade.

Insignificante para o comércio brasileiro, marginal no debate geopolítico, pária dentro da Europa e com um peso irrisório no palco internacional, a Hungria é uma parada na turnê europeia que apenas atende aos interesses do movimento de extrema-direita e sua ambição de se manter no poder.

No poder desde 2010, Orbán vive seu momento mais delicado. Nesta semana, o Tribunal de Justiça da Europa decidiu que a Comissão Europeia tem o direito de suspender a transferência de recursos bilionários para países que violem o estado de direito, como a Hungria.

Orbán ainda enfrenta eleições no início de abril e, nas pesquisas de opinião, conta com uma vantagem de apenas 3% em relação à oposição. Trata-se da disputa mais apertada nos doze anos do governo populista, mesmo diante do controle da imprensa, do Judiciário, das universidades e do Parlamento. Para ameaçar o atual chefe de governo, os seis principais partidos de oposição se aliaram numa frente única.

A escolha de candidato da oposição também foi estratégica. O concorrente é Péter Márki-Zay, o prefeito conservador de Hódmezvásárhely, uma cidade rural do centro da Hungria. Cristão devoto e com sete filhos, o opositor de Orbán espera atrair não apenas o voto da esquerda e de alas progressistas. Mas mantém uma pauta de defesa do estado de direito e da UE.

A pressão também vem de fora. Observadores da OSCE estão alertando para uma retórica “xenófoba” por parte dos aliados do primeiro-ministro, o controle das televisões pelo atual chefe-de-governo e o uso de recursos públicos para propaganda.

Numa carta, parlamentares europeus ainda apontam que novas regras eleitorais ainda foram estabelecidas, facilitando a manipulação de locais de votos. Enquanto isso, a entidade German Marshall Fund estima que Orbán realizando uma eleição “livre, mas não justa”.

Mesmo com todas as desconfianças internacionais, Bolsonaro optou por aceitar a pressão da ala olavista dentro do governo e atender ao pedido dos húngaros para fazer uma parada em Budapeste.

Para Orbán, a primeira visita da história de um presidente brasileiro é a ocasião de tentar mostrar a sua base que ele não está sozinho. Há poucos dias, Orbán fez o mesmo roteiro de Bolsonaro e também foi buscar a benção de Vladimir Putin. Nas próximas semanas, a esperança é de que Donald Trump passe por Budapeste, em um evento com o deputado Eduardo Bolsonaro.

Aliado da Hungria em temas como a defesa de um modelo único de família, usando o cristianismo como instrumento de exclusão e resistente a qualquer direito ao movimento LGBT, Bolsonaro será levado à Praça dos Heróis, antes de pousar para fotos ao lado de Orbán.

Mas, ao dar seu apoio ao populista húngaro, o brasileiro estará chancelando o que o autor norte-americano Steven Levistky chama de o “autocrata mais sofisticado do Ocidente”. Em doze anos, o governo abandonou alguns dos princípios básicos do estado de direito e criou uma nova realidade política.

Com espaço e apoio estatal, o movimento de extrema-direita mundial passou a ter em Orbán uma espécie de hub e campo de testes para políticas ultraconservadoras.

Orbán assumiu o poder em 2010, depois de um governo corrupto de esquerda e que admitiu que enganou a população ao adotar medidas de austeridade para lidar com a crise de 2008. Ganhou o voto de jovens, da elite urbana, da classe média e até de parte dos intelectuais.

Sua guinada autoritária, porém, afastou muitos desses grupos da base de Orban e, em 2019, pela primeira vez, seu partido perdeu a eleição para a prefeitura de Budapeste. O abalo animou a resistência para a eleição de abril.

Mas, conforme a oposição de organiza, a constatação é de que o desmonte do estado de direito e da democracia foi profundo. Nos últimos anos, o húngaro conseguiu controlar a Corte Constitucional, o Ministério Público e dois terços do Parlamento. Dias depois de perder as eleições municipais em Budapeste, ele aprovou uma nova lei reduzindo as competências das prefeituras.

Hoje, o apoio de Orban vem do meio rural, de camadas mais pobres e aposentados. Não há tanques nas ruas, nem jornalistas presos ou opositores desaparecidos. Mas, ainda assim, a democracia agoniza, com um sofisticado esquema de controle da Justiça, da imprensa e dos espaços públicos.

Uma das estratégias da extrema-direita húngara foi a de controlar rádios, televisões e jornais. Em 2018, donos de 400 meios de comunicação na Hungria decidiram doar seus impérios para uma obscura fundação. Uma semana depois, Orbán assinou um decreto isentando essa fusão de qualquer controle externo.

A coordenação entre jornais regionais, revistas, rádios e TVs passou a ser completo e, para sustentar a máquina de imprensa, o orçamento vem do estado, por meio de publicidade e compra de espaço nesses jornais para campanhas de conscientização. Já as empresas que fazem publicidade nos poucos jornais contrários ao governo temem perder contratos públicos, enquanto regiões inteiras do país passaram a depender apenas de noticias oficiais.

Não são poucos ainda os casos de assédios contra jornalistas, inclusive por parte do serviço secreto e eventuais chantagens.

O acesso à informação também se transformou numa batalha. Novas leis foram aprovadas, cobrando preços elevados para quem quiser obter documentos oficiais. Com a publicidade estatal em queda e limites para seu trabalho, os sites independentes foram obrigados a reduzir de forma dramática os recursos à lei de acesso à informação. Mesmo que paguem, não há garantias de acesso aos documentos.

Outro passo fundamental dos doze anos de Orbán foi o controle do Judiciário. Se uma primeira tentativa de modificar a escolha de juizes esbarrou em protestos da UE, ele buscou modificar de forma mais sutil, transformando o sistema de pontos pelos quais os candidatos são julgados. Quem passou por funções no governo, segundo a nova lei, ganha pontos extras.

Hoje, são também praticamente inexistentes as investigações contra oligarcas que, durante o mandato de Orbán, se transformaram em grandes fortunas, controlando diversos setores da economia.

Um desses magnatas é, coincidentemente, do mesmo vilarejo de Orbán, Felcsut. Lorinc Meszaros era amigo de infância do atual primeiro-ministro e, como profissão, arrumava o sistema de gás nas casas da região. Hoje, é proprietário de negócios nos setores de turismo, bancos, agricultura e imóveis.

O governo húngaro ainda se lançou numa operação para excluir a sociedade civil de consultas ou formação de políticas públicas. Em dezembro de 2020, aproveitando-se do estado de exceção gerado pela pandemia, o Parlamento controlado por Orbán aprovou amplas reformas sobre a situação das mulheres, educação de crianças e movimiento LGBT.

De acordo com o ranking da entidade Economist Intelligence Unit, a Hungria aparece apenas na modesta posição de número 56, abaixo do Brasil, Gana e outros países em desenvolvimento. Segundo o grupo, a “pontuação da democracia erodiu de forma permanente” em mais de dez anos e parte dessa queda está relacionada com a tentativa de silenciar ongs.

Uma das formas de intimidação foi a proliferação de controles de auditoria e de impostos, principalmente entre 2014 e 2016. Além disso, todas as entidades que recebem algum tipo de recursos do exterior passaram a ser registadas por “agentes externos”. Apesar de o país ter cerca de 60 mil ONGs, elas passaram a ser excluídas do processo de elaboração de políticas públicas.

Mas o controle também passou pela academia e a classe intelectual do país. Ainda nos primeiros anos de seu governo, Orbán criou novas academias de ciência, dirigidas por leais seguidores de seu partido. Tais estruturas passaram a concentrar grande parte do dinheiro do estado, com professores com salários mais elevados.

Os investimentos em Humanas despencou, acadêmicos foram demitidos por promover seminários sobre o discurso de ódio e uma campanha de difamação foi orquestrada contra filósofos que questionassem os ideais de Orbán.

Num caso específico, um dos intelectuais foi acusado de corrupção por ter aprovado a tradução de uma obra de Platão. O governo alegava que já existia uma tradução e que não era necessária uma segunda.

O governo também criou supostas avaliações de desempenho das instituições, principalmente relativas às Ciências Humanas. Com o argumento de que eram pouco eficientes, tiveram seus recursos bloqueados e o orçamento para pesquisa sumiu.

A partir de 2013, novas regras foram estabelecidas para as universidades, com a criação do cargo de chanceler, destinado a cuidar do orçamento da instituição. Resultado: o poder do reitor foi diluído e, no fundo, a autonomia das universidades acabou. Só recebia dinheiro quem tivesse um programa alinhado com os objetivos de Orbán.

A Universidade Centro-Europeia ainda foi obrigada a deixar Budapeste se mudar para Viena. Uma vez mais, não houve um tanque derrubando os portões da universidade. Numa série de mudanças de legislações, o governo acabou determinando que uma instituição de ensino estrangeira precisava cumprir uma série de condições. Uma delas: assinar um acordo com o governo.

O tratado foi negociado por meses e concluído. Mas Orban jamais assinou o documento e a universidade que servia de centro de resistência terá de sair.

Nas artes, aliados de Orbán foram colocados em locais estratégicos, comandando teatros e museus com temas de interesse do governo. Artistas talentosos e populares que não aceitavam a linha ultraconservadora desapareceram dos principais palcos, enquanto atores medíocres passaram a ser amplamente financiados pelo estado.

A história da Hungria também passou a ser alvo de investidas do governo, criando entidades paralelas aos institutos tradicionais e, literalmente rescrevendo a história.

Numa das principais praças do país, Orbán ergueu na madrugada de 20 de julho de 2014 um monumento representando o ataque de uma águia nazista contra o Arcanjo Gabriel, simbolizando os pacíficos e inocentes húngaros. A mensagem era clara: a Hungria jamais colaborou com Hitler e, portanto, não tem responsabilidade sobre os massacres.

A reação popular foi de indignação e, diante do monumento oficial, cidadãos colocam quase semanalmente mensagens e itens pessoais para provar que o governo húngaro da época colaborou com os nazistas.

Aos poucos e num projeto que atravessou uma década inteira, a democracia na Hungria foi desmontada e a extrema-direita passou a controlar a agenda social e política do país. Agora, manter o projeto e o governo de Orbán é de interesse de todo o movimento ultraconservador internacional.

Uol  

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