Lula aceitará políticos que apoiaram impeachment de Dilma
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) irá adotar o discurso da necessidade de uma unificação para derrotar Jair Bolsonaro (PL) nas eleições como forma de justificar alianças com parlamentares que votaram a favor do impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.
O petista tem indicado a interlocutores que não é possível discriminar quem votou a favor do impedimento de Dilma —isso, segundo ele, seria fazer política olhando para o retrovisor.
A avaliação é a de que o momento histórico é outro e que não é possível fazer política somente com os que foram contrários à destituição de Dilma, uma vez que eles foram a minoria.
Segundo petistas, o ex-presidente chegou a afirmar que se sentaria à mesa apenas com 10% da população brasileira, caso se restringisse aos que se opuseram ao impeachment de Dilma.
Líder nas pesquisas eleitorais, Lula tem defendido publicamente em entrevistas que o momento é de união para reconstruir o país e que isso requer fazer alianças para além do campo da esquerda. Ele tem rechaçado a pecha de que será vingativo se voltar à Presidência e repetido que não deseja ser candidato do PT ou da esquerda somente, mas, sim, de “um movimento” mais amplo.
Segundo relatos, esse discurso também ecoa internamente na sigla. Um parlamentar petista afirma, sob reserva, que é de conhecimento do partido o papel que cada pessoa teve no processo de impeachment, mas isso não impede o diálogo com esses atores políticos.
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A principal fonte de crítica a essa aproximação seria justamente o núcleo próximo a Dilma. Há o consenso internamente, no entanto, que ela terá de conviver com pessoas que viraram desafetos e que o partido seguirá defendendo a tese de que ela foi vítima de um golpe orquestrado pelo Congresso Nacional.
Lula já manifestou a aliados arrependimento por não ter disputado as eleições de 2014, no lugar da ex-presidente, mas insiste no apoio a Dilma.
Apesar da defesa da ex-presidente e do legado de seu governo, Lula tem indicado que ela não deverá ocupar nenhum cargo no governo caso ele vença a próxima eleição. Em entrevista à rádio CBN Vale do Paraíba neste ano, o petista disse que faltava a ela paciência.
“Ela não tem a paciência que a política exige que a gente tenha para conversar e atender as pessoas mesmo quando você não gosta do que elas estão falando”, disse.
Marta Suplicy
A ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy publicou foto ao lado do ex-presidente Lula – Reprodução Instagram
Segundo relatos, uma das figuras que Dilma guarda mágoas é a ex-senadora e ex-prefeita Marta Suplicy, que se afastou do PT naquele momento e acabou se filiando ao MDB, partido de Temer.
Dilma já admitiu a interlocutores que guarda mais mágoas de Marta do que do próprio Geraldo Alckmin, cujo antigo partido, o PSDB, é adversário histórico do PT.
Marta, no entanto, conta com a gratidão de Lula por sua atuação na campanha presidencial de 2002 e chegou a ser cotada para vice para a disputa de outubro. A ex-prefeita de São Paulo tem se reaproximado de lideranças petistas. Apoiadora de sua candidatura ao Planalto, ela não só participou de jantar que reuniu Lula e Alckmin em São Paulo, em dezembro, como sentou à mesa com a dupla —enquanto Dilma não esteve presente.
Em janeiro, Marta organizou encontro com mulheres em sua casa para discussão de projetos. À coluna Mônica Bergamo ela minimizou o fato de não ter convidado a ex-presidente Dilma nem a ex-ministra Marina Silva (Rede) para a reunião com políticas, artistas, intelectuais e escritoras.
“Por que não a Maria, por que não a Joana? Tem tanta mulher importante nesse Brasil, tem tanta mulher em todas as áreas. Foi muito difícil selecionar. Comecei com as mais próximas, depois ampliei para outras e acabou faltando muita gente”, disse ela naquele momento.
No último dia 18, a ex-prefeita participou de novo encontro com mulheres e o ex-presidente petista. Marta publicou três fotos do encontro. Em uma delas, aparece abraçada a Lula.
Em outro clique, está ao lado de todas as presentes, entre elas a chefe de cozinha Bela Gil, a advogada Gabriela Araujo e a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR). “Ideia da @janjalula [socióloga e noiva de Lula, Rosângela da Silva] que queria que ele escutasse diferentes experiências e sugestões que apontassem melhorias e empoderamento para as mulheres. Não é que ele escutou 4 h?!?! Este é o cara!”, disse.
Segundo relatos, em um momento de descontração do encontro, uma das participantes afirmou que as mulheres reunidas ali eram possíveis candidatas a chefiar ministérios em um eventual governo Lula —e Marta não rebateu a possibilidade.
Ainda não há uma definição se a ex-prefeita deverá ocupar algum cargo específico na campanha de Lula. Atualmente, é secretária municipal de Relações Internacionais de São Paulo. No entanto, o sentimento entre petistas ouvidos pela Folha é que ela tem muito a contribuir e poderia ajudar no processo.
No dia 23, Lula recebeu a visita do ex-deputado estadual, e então tucano, Gelson Merísio, e do presidente do PT de Santa Catarina, Décio Lima. Até então filiado ao PSDB, Merísio se desfiliou após o encontro com Lula, anunciando a decisão de engrossar a frente de apoio à candidatura do ex-presidente no estado.
Um dos pré-candidatos ao governo de Santa Catarina, Décio Lima afirma que a frente contará com oito partidos, incluindo o PDT de Ciro Gomes. Ele lembra ainda que a trajetória de Merísio, recém-saído do PSDB, se assemelha à de Alckmin.
No encontro, relata Décio, Lula afirmou que a chapa com Alckmin vai além da disputa eleitoral, sendo simbólica por estabelecer um processo de governança e paz.
Um dos interlocutores do ex-presidente Lula, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou à Folha que “jamais votaria novamente” pelo impedimento de Dilma e que tentou impedi-lo como presidente do Senado.
“Votei apenas porque a votação estava definida e eu precisa garantir a elegibilidade dela formando a jurisprudência da necessidade de votação dos dois quesitos: 1) Se houve responsabilidade fiscal 2) Se ficaria inelegível ou não”, escreveu o parlamentar.
Em janeiro, Renan se reuniu com o petista e defendeu que o MDB apoie Lula nas eleições deste ano já no primeiro turno.
Dos partidos que costuram uma possível federação com o PT, somente o PC do B teve deputados que não votaram a favor do impedimento da ex-presidente. Os seis deputados do PV foram favoráveis. Entre eles, Sarney Filho (MA).
Em maio de 2021, Lula publicou nas redes sociais uma foto ao lado do ex-presidente José Sarney (MDB), pai de Zequinha. Em agosto do mesmo ano, visitou Sarney no Maranhão, onde o PT deverá compor uma aliança que inclui o MDB e o PSDB.
Dos 32 parlamentares que formavam a bancada do PSB, 29 votaram a favor do impeachment. Entre eles, o deputado federal Danilo Cabral, anunciado como pré-candidato do PSB ao Governo de Pernambuco. A oficialização de Cabral como pré-candidato ocorreu uma semana após o senador petista Humberto Costa se retirar da disputa.
Cabral, que estava atuando como secretário no governo estadual, se licenciou do cargo para poder participar da votação na Câmara.
“Em nome de um Brasil diferente, em nome de Eduardo Henrique Accioly Campos, que foi nosso governador, presidente do nosso partido, em nome de sonhos de um Brasil mais igual, de um Brasil mais equilibrado, com mais educação, com mais saúde, com um Estado que faça as entregas que a população deseja, em nome daquilo que ele nos pediu, ‘Coragem para mudar o Brasil’: ‘Sim'”, disse ele ao declarar seu voto.
Em nota enviada à Folha, Cabral diz que esse é um “assunto superado” e que o partido reconheceu que foi um “erro histórico” votar a favor do impeachment de Dilma. “Agora é olhar para o futuro, unir todas as forças progressistas do país para derrotar o bolsonarismo. O PSB apoia a pré-candidatura de Lula à Presidência.”
Folha de SP