Petrobras omite mudança de política de preços em 2019
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que fiscaliza o mercado de capitais no Brasil, abriu processo contra o ex-diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Petrobras, Rafael Salvador Grisolia, por não divulgar uma mudança na política de preços da estatal feita em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro. Para o órgão, a omissão induziu o mercado a “erro”. A decisão foi tomada em agosto do ano passado, após a área técnica da CVM concluir que a companhia não publicou fato relevante sobre alteração ocorrida naquele ano.
Procurada, a Petrobras disse, por meio de nota, que “entende que não havia fato relevante a ser divulgado em abril de 2019, pois não houve alteração dos princípios da política de preços da gasolina e diesel comunicada ao mercado em 2016”. Por regra, empresas de capital aberto devem divulgar o chamado “fato relevante” em mudanças significativas.
Desde o início de seu governo, Bolsonaro tem pressionado a estatal para que não repasse totalmente aos preços do diesel e da gasolina as altas do barril de petróleo no exterior. A última investida do presidente nessa frente aconteceu nas últimas semanas, depois da instabilidade dos preços provocada pela guerra entre Rússia e Ucrânia.
Um comunicado publicado em outubro de 2016 pela Petrobras, ainda no governo Michel Temer, dizia que a política a ser praticada pela empresa teria, entre outros princípios, “preços nunca abaixo da paridade internacional”. Um modelo diferente, contudo, passou a vigorar em abril de 2019, segundo a CVM, porque dava margem para assimetrias eventuais entre os valores praticados no Brasil e no exterior. Por esse critério, o preço dentro do país poderia ser inferior por um determinado período de tempo, devendo a diferença ser compensada no trimestre seguinte.
Dessa maneira, a comissão aponta que a premissa original de “preços nunca abaixo da paridade internacional” teria sido alterada para outra, mais flexível. Na ocasião, no entanto, a companhia não fez nenhum esclarecimento público sobre esse fato aos investidores. Para a CVM, isso deu ao mercado a impressão equivocada de que “os preços nunca seriam inferiores à paridade”.
“Ao alterar sua política de preços (ou até mesmo apenas alterar uma condição que, mesmo que eventualmente não esteja prevista na política com base nas informações públicas, era uma condição a ser sempre observada) e não divulgar ao mercado a Companhia deu a entender que o piso do preço permanecia aplicável, conduzindo os participantes do mercado a erro”, diz trecho de parecer da área técnica da comissão.
O documento destaca que informações desse tipo são importantes. Tanto que, em fevereiro de 2021, a Petrobras divulgou ter estendido o prazo limite para apuração das diferenças de preços dentro e fora do país para ser anual e não trimestral.
Rafael Salvador Grisolia foi o diretor de Relações com Investidores da Petrobras até maio de 2019 e, por isso, foi apontado como o responsável pela omissão. Para os técnicos, ele participava da formação dos preços e tinha “competência primária” para divulgar as informações.
O processo ainda está em curso. Para evitar punição, em dezembro, o ex-diretor, que hoje atua como consultor, apresentou uma proposta de acordo à CVM. Os termos do documento ainda não foram divulgados pela comissão e estão sob análise da Procuradoria Federal Especializada que atua no órgão.
Em nota à coluna, a Petrobras negou irregularidades e declarou que houve “tão somente o estabelecimento de um indicador interno de aderência dos preços aos preços de paridade de importação, que, em um primeiro momento, passou a ter apuração trimestral, e, mais recentemente, passou a ter apuração anual”.
A estatal disse que tanto “a política quanto a prática de preços internos da Petrobras passaram por processo de evolução, tendo sido experimentados períodos com maior e menor volatilidade da taxa de câmbio e das cotações de petróleo e derivados”. A Petrobras afirma que, desde 2019, “se encontra em nível que propicia um equilíbrio com o mercado internacional, evitando repassar imediatamente para os preços internos as volatilidades das cotações internacionais e da taxa de câmbio causados por eventos conjunturais”. A empresa declarou que prestou todas as informações solicitadas pela CVM e subsídios necessários ao esclarecimento do assunto pelo ex-diretor Rafael Grisolia.
O Globo