Malafaia criticou Bolsonaro por não usar máscara

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Em março do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) convocou as principais lideranças evangélicas do país para uma conversa em Brasília após o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anular as condenações de Lula. O petista acabara de fazer um discurso criticando duramente o governo federal no combate à Covid-19, atacando desde a compra de vacinas até a postura de Bolsonaro incentivando aglomerações e não usando máscaras em agendas públicas.

— Qual a dificuldade que você tem de usar essa merda no rosto? — irritou-se o pastor Silas Malafaia, maior conselheiro do presidente no segmento evangélico, preocupado com a sua perda de popularidade.

O episódio é um entre vários que demonstram a tensa —e intensa —relação entre o Planalto e os mais relevantes bispos e pastores brasileiros desde a eleição de 2018. Naquele ano, as pesquisas indicaram que Bolsonaro conseguiu ser o presidente que mais angariou apoio de evangélicos desde a redemocratização, um segmento que saltou de 6,6% da população nos anos 1980 para cerca de 30%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e estudos de demógrafos.

De lá pra cá, Lula seguiu sem gestos que atraíssem as igrejas (essa semana, na contramão da agenda conservadora, chegou a defender a expansão do direito ao aborto), a terceira via não viabilizou uma candidatura consistente, e a aliança com as lideranças do segmento pela reeleição foi mantida. Mas as ameaças de rompimento volta e meia rondam Bolsonaro, que muitas vezes se equilibra entre atender e recusar os pleitos da bancada da Bíblia.

“Autêntico e desumano”

Antes da bronca em Bolsonaro pela displicência com máscaras, Malafaia já colecionara outros momentos de atrito com o presidente. No mais forte deles, em outubro de 2020, quando foi ignorado na primeira indicação presidencial para o Supremo Tribunal Federal (STF), chamou de “vergonha” a indicação de Kassio Nunes Marques para substituir Celso de Mello — o pastor avaliava que a medida atendia ao Centrão, em detrimento dos evangélicos.

Há duas semanas, as denúncias envolvendo o Ministério da Educação expuseram outra vez a irritação de Malafaia com o Planalto. O pastor exigiu a demissão do ministro Milton Ribeiro por considerar que os casos de corrupção na pasta estavam respingando no presidente e nos evangélicos como um todo.

Ainda que, ao longo de mais de três anos de mandato, Bolsonaro tenha sido alvo de denúncias no seu entorno que vão das “rachadinhas” até a tentativa de compra de vacinas superfaturadas, a sua imagem diante dos fieis no quesito corrupção segue inabalada. Uma pesquisa que acaba de ser concluída pela cientista social Esther Solano com fieis de Rio, São Paulo, Espírito Santo, Sergipe e Tocantins aponta a honestidade como um grande ativo do presidente na comparação com Lula. “Gostam de Bolsonaro porque é honesto e se esforça para lutar contra a corrupção. Ele se posiciona, não foge do debate, é 100% autêntico”, escreve Solano no relatório final do levantamento.

Quando ouviu evangélicos que hoje estão migrando de Bolsonaro para Lula, a pesquisa encontrou outros motivos para a desistência do voto no presidente neste momento. “Bolsonaro se comportou de forma desumana durante a pandemia e não cuidou dos outros. O bom cristão não deveria ser agressivo, intolerante e violento, e sim moderado e acolhedor”, conclui a pesquisadora, que viu os entrevistados enaltecerem dois aspectos de Lula projetando o futuro: 1) o legado econômico do seu governo e o possível retorno de uma estabilidade; 2) a ideia de que o PT governou para os pobres.

Relação com a Universal

O empate técnico identificado pelas pesquisas entre Bolsonaro e Lula no segmento evangélico (37% a 34% no último Datafolha) e uma série de compromissos que o Planalto não cumpriu com a igreja Universal do Reino de Deus fizeram o bispo Edir Macedo balançar nos últimos meses sobre quem apoiaria na eleição deste ano. Nas últimas semanas, por ter finalmente aprendido a atender a denominação no que ela realmente deseja, Bolsonaro parece ter amarrado o apoio da igreja.

Em 2021, a crise que a Universal enfrentou em Angola quase desencadeou o rompimento com Bolsonaro. A igreja perdeu o controle dos seus templos no país, acusada de evasão de divisas e lavagem de dinheiro — no último dia 31, o bispo Honorilton Gonçalves, braço direito de Macedo, foi condenado pela Justiça angolana a três anos de prisão. A Universal avaliou que, neste episódio, o governo federal não se esforçou diplomaticamente para evitar o revés em um continente tão importante para os negócios da igreja. Em vídeos gravados, que viralizaram nas redes, Renato Cardoso, genro de Macedo e cotado para ser o seu sucessor, chegou a chamar o Planalto de “omisso” .

O jogo virou recentemente, quando Bolsonaro entendeu que precisava valorizar o Republicanos, sigla ligada à Universal e sempre colocada em um patamar abaixo de PL e PP no ranking de importância do Centrão. Na reta final da janela partidária, em março, o presidente colocou na legenda, em uma tacada só,os então ministros Tarcísio de Freitas e Damares Alves e o vice-presidente Hamilton Mourão, apostas, respectivamente, para a eleição ao governo de São Paulo e ao Senado por Distrito Federal e Rio Grande do Sul.

Bolsonaro, até então, achava que bastava agradar ao ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella, sobrinho de Macedo, para recuperar o apoio da Universal. No ano passado, o Itamaraty chegou a indicá-lo para assumir uma Embaixada na África do Sul, mas a nomeação não andou. O presidente não sabia, mas Crivella há tempos possui relação distante de Macedo e muitas vezes está em rota de colisão com o presidente do Republicanos, o deputado federal Marcos Pereira (SP). Atualmente, aliás, os dois estão divergindo sobre a eleição no Rio. O ex-prefeito quer se lançar ao Senado, e Pereira deseja vê-lo como puxador de votos para a Câmara.

Num eventual segundo mandato de Bolsonaro, Pereira deseja ser indicado para uma das duas vagas que estarão disponíveis no STF com as aposentadorias de Ricardo Lewandovski e Rosa Weber em 2023. O advogado fez chegar essa informação ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que, em conversas recentes com interlocutores, afirmou não ser possível se comprometer agora com tamanho gesto de parceria com a Universal.

Neste caso, Bolsonaro já aprendeu. Malafaia jamais aceitaria que o seu rival Edir Macedo tivesse um assento na Suprema Corte.

Folha de SP