Filho de José Alencar sinaliza que Fiesp é contra golpe militar

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Foto: Silvia Costanti -14.ago.2015/Valor

O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Josué Gomes da Silva, fez uma defesa do Judiciário, das instituições e do estado Democrático de Direito em uma reunião fechada de dois conselhos superiores da federação, na última segunda-feira (20).

O encontro, realizado em São Paulo, contou também com as presenças, entre outras, do ex-presidente Michel Temer (MDB), que chefia um dos conselhos, e do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

De acordo com relatos de pessoas que participaram da reunião, Josué abriu o encontro falando da necessidade de um Judiciário forte e independente, além de ressaltar que a Fiesp estará ao lado da democracia e da solidez das instituições.

A fala foi entendida por essas pessoas como mais uma sinalização de que o comando da federação não se alinhará às investidas de raiz golpista patrocinadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e por boa parte de seus aliados —em especial, contra o sistema eleitoral e ministro de cortes superiores.

Em entrevista a jornalistas simpatizantes na noite deste domingo (26), Bolsonaro voltou a desfiar um rosário de insinuações e ameaças golpistas, novamente sem apresentar qualquer indício concreto de fraude nas urnas eletrônicas.

Ele sinalizou, entretanto, ter ciência do que uma ruptura democrática acarretaria ao dizer por que não tomou uma “atitude de força” nas manifestações do 7 de Setembro do ano passado ou quando o STF barrou o nome que ele queria colocar no comando da Polícia Federal, em 2020.

“Você pode ser herói por dois ou três dias, mas depois a conta chega.”

Josué é filho do ex-presidente José Alencar (1931-2011), que foi vice nas gestões de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já fez críticas a Bolsonaro, mas tem ressaltado que a sua gestão na Fiesp será apartidária.

As palavras do empresário na reunião da semana passada se contrapõem às atitudes de seu antecessor, Paulo Skaf, que, entre outras ações, encabeçou a campanha “não vou pagar o pato”, que teve como símbolo o pato amarelo inflável e culminou na adesão da entidade à campanha pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. Skaf também é aliado de Bolsonaro.

A Folha enviou a Josué perguntas sobre a reunião, o contexto exato e os motivos específicos que motivaram sua fala neste momento e quais ações concretas a Fiesp pode tomar na defesa das instituições.

Por meio de sua assessoria, o empresário, que é dono da indústria têxtil Coteminas, disse apenas que “a Fiesp estará sempre na defesa das instituições e do estado democrático de direito e [na reunião] prestou sua homenagem ao judiciário”.

Na primeira quinzena de maio, a Folha procurou diversas autoridades políticas, partidos, e entidades representativas da sociedade para colher a opinião sobre os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral e a ministros das cortes superiores.

A Fiesp, na ocasião, esteve entre as entidades que preferiram não se manifestar.

A reunião da semana passada na federação foi realizada pelos conselhos superiores de Estudos Nacionais e Política (Cosenp) e de Assuntos Jurídicos (Conjur). O primeiro é presidido por Temer.

O tema do encontro, que durou cerca de três horas, foi “direito e política”.

Após a fala de Josué, houve explanação de Ruy Martins Altenfelder Silva, ex-integrante da Comissão de Ética Pública da Presidência e presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas, e de Gilmar, que completou exatamente na segunda-feira passada 20 anos como ministro do STF.

Em sua exposição, Ruy Altenfelder disse ter ressaltado que nem sempre há uma harmonia e independência entre os Poderes. Ele criticou a atuação do Executivo, que, na avaliação dele, eventualmente invade a competência do Judiciário.

Ele citou à Folha, como exemplo, a graça concedida por Bolsonaro ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo STF a 8 anos e 9 meses de prisão.

“A inviolabilidade não deveria ser irrestrita. Um deputado não poderia falar o que quer e muito menos falar contra o estado democrático de direito”, disse, sem citar Silveira nominalmente.

Ele, no entanto, também contestou as decisões monocráticas de ministros do Supremo, defendendo uma limitação ao uso do recurso. “Josué falou algo com que eu concordo: as instituições devem ser políticas, não partidárias. Devem tomar uma posição política, mas não partidária.”

A Fiesp fez um relato sobre a reunião em seu site, afirmando que Josué defendeu a harmonia entre os Poderes, a força das instituições e o essencial papel do Judiciário. E reproduziu duas frases do presidente da federação.

“Ainda há muito a ser feito, mas tudo o que já construímos se deve ao fato de termos instituições fortes. Vivemos em um Estado democrático de direito no qual nenhum poder deve prevalecer sobre o outro (…) Esta casa está ao lado do fortalecimento das instituições e do Judiciário.”

Josué assumiu o comando da Fiesp (a maior entidade de classe da indústria brasileira) em janeiro, após 17 anos da gestão Skaf.

Em conversas com jornalistas em fevereiro, o presidente da federação disse que Bolsonaro será lembrado pelos livros de história por ter produzido múltiplos ataques às instituições —às urnas, à vacina da covid e à imprensa. “Mas, se ele eventualmente se eleger, torço para que ele faça diferente.”

Folha