ONU critica Bolsonaro por ação “lenta” na Amazônia

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Foto: Alan Santos

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos afirmou hoje que a resposta inicial do governo brasileiro foi “extremamente lenta” na busca para encontrar o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, lamentando até mesmo o “desdenho” na fala de autoridades. Os dois estão desaparecidos desde o início da semana na Amazônia.

A entidade, numa entrevista coletiva de imprensa nesta manhã em Genebra, ainda pediu que autoridades brasileiras e do governo de Jair Bolsonaro “redobrem” seus esforços e que plenos recursos sejam disponibilizados para a operação.

A entidade lamentou o comportamento das autoridades ao minimizar inicialmente o caso e insistiu que a proteção dessas pessoas é “responsabilidade do estado”.

A porta-voz da agência, Ravina Shamdasani, ainda alertou que está preocupada com os “constantes ataques e perseguições enfrentados por defensores dos direitos humanos, ambientalistas e jornalistas no Brasil”.

Na noite de quinta-feira, a Justiça do Amazonas decretou a prisão temporária de Amarildo da Costa de Oliveira, o Pelado, que é suspeito envolvimento no desaparecimento. Entidades de direitos humanos e lideranças indígenas têm criticado a falta de uma ação mais rápida do governo, assim como a ausência da meios e recursos para realizar a busca.

“Insistimos que o governo precisa empregar todos os meios disponíveis para ajudar a localizar os dois homens. Infelizmente, a resposta inicial foi lenta”, disse Ravina.

Segundo ela, depois de uma decisão Judicial, medidas foram tomadas. “Mas inicialmente a resposta foi lenta e entendo que foi a sociedade civil e grupos indígenas quem tomaram a liderança em tentar saber o que ocorreu”, afirmou.

Onde o indigenista e o jornalista desapareceram - Arte/UOL e Folhapress - Arte/UOL e Folhapress

Instantes depois, ao ser questionada pela imprensa estrangeira, ela voltou a tecer críticas. “As autoridades têm a responsabilidade de protegê-los. Infelizmente, os passos iniciais foram lentos demais. Agora, damos boas-vindas aos passos que estão tomando e esperamos que redobrem os esforços. E que, no futuro, haja uma forma mais robusta para lidar com tais incidentes”, pediu.

Questionada sobre quem seria responsável caso essa demora inicial resulte em danos para as duas pessoas, ela foi clara: “o estado tem a responsabilidade de proteger o trabalho de jornalistas e defensores de direitos humanos. Ele tem obrigação que o direito à vida e segurança esteja protegida e tem obrigação de iniciar investigação e para buscar quem desaparece”, insistiu.

E ainda completou: “a resposta inicial foi lamentavelmente extremamente lenta”.

Ravina ainda criticou o fato de que o incidente foi “desdenhado” inicialmente. “Uma linguagem de desdenhar foi inicialmente usada e que foi muito lamentável”, criticou, sem citar os nomes dos autores de tais comentários.

O presidente Bolsonaro sugeriu que os dois desaparecidos seriam responsáveis pelos incidentes ao indicar que eles fizeram uma “aventura”.

A ONU deixou claro ainda que “rejeita qualquer discurso de ódio contra jornalistas, defensores de direitos humanos e pedimos às autoridades que protejam essas pessoas, reconhecendo seu papel chave em levar informações, principalmente nessas zonas remotas”.

Segundo Ravina, um representante de seu escritório esteve há duas semanas em uma missão pelo país, visitando terras indígenas e alertando as autoridades sobre as “preocupações” que existem sobre a situação desses povos e outros grupos. Para ela, o governo precisa “lidar com essas preocupações reais” de ataques contra indígenas, jornalistas e defensores de direitos humanos.

A ONU ainda relacionou a violência em geral contra jornalistas no Brasil ao discurso de ódio das lideranças políticas do país. “Estamos cientes de autoridades do alto escalão têm feito declarações lamentáveis contra jornalistas, seja questionando seu trabalho ou ativamente atacando. Rejeitamos todo o discurso de ódio ou qualquer outra narrativa contra jornalistas. É obrigação do estado e de autoridades de alto escalão rejeitar tais discursos e agir ativamente para combater isso”, defendeu Ravina.

Segundo ela, tais narrativas por parte das autoridades “pode resultar num endosso para aqueles que querem cometer ataques contra jornalistas por seu trabalho”.

“Estamos preocupados com a contínua falta de informação sobre o paradeiro e o bem-estar do jornalista britânico Dom Phillips e do defensor dos direitos indígenas Bruno Araújo Pereira no Vale do Javari”, disse a porta-voz da ONU. “Nosso escritório regional para a América do Sul está monitorando a situação de perto”, explicou.

Segundo a ONU, o Vale do Javari é o segundo maior território indígena do Brasil, e acredita-se que tenha uma das maiores concentrações de povos indígenas não contatadas do mundo. Mas alerta: “a área também é seriamente afetada pelo tráfico ilegal, mineração e pesca, e supostamente está sofrendo com o aumento das atividades de grupos armados”.

Segundo a ONU, Phillips e Pereira “têm desempenhado papéis importantes na conscientização e defesa dos direitos humanos dos povos indígenas da área, inclusive através do monitoramento e denúncia de atividades ilegais no Vale do Javari”. “Pereira teria recebido ameaças relacionadas ao seu trabalho em defesa dos povos indígenas e do meio ambiente”, afirmou. A porta-voz da entidade fez questão de pedir ação. “Exortamos as autoridades brasileiras a redobrar seus esforços para encontrar Phillips e Pereira”, afirmou, lembrando que uma ação rápida é essencial para garantir suas vidas e segurança.

“É, portanto, crucial que as autoridades em nível federal e local reajam de forma robusta e expedita, inclusive empregando plenamente os meios disponíveis e os recursos especializados necessários para buscar efetivamente sobre a área remota em questão”, afirmou.

Se a ONU cobra as autoridades, ela também elogia “grupos da sociedade civil que têm coordenado esforços para localizar os dois homens, inclusive enviando missões de busca e salvamento para a área”.

Para a entidade, esse não é um caso isolado. “Também enfatizamos nossa preocupação com o contexto mais amplo de constantes ataques e perseguições enfrentados por defensores dos direitos humanos, ambientalistas e jornalistas no Brasil”, disse a porta-voz.

“As autoridades têm a responsabilidade de protegê-los e assegurar que possam exercer seus direitos, inclusive à liberdade de expressão e associação, livres de ataques e ameaças”, afirmou.

“Também reiteramos nossos apelos para a proteção dos direitos dos povos indígenas no país, particularmente aqueles em isolamento voluntário ou contato inicial.

As autoridades devem adotar medidas adequadas para garantir seus direitos à terra, aos territórios e aos meios de subsistência tradicionais, enquanto os protegem de todas as formas de violência e discriminação, tanto por parte de atores estatais como não estatais”, completou a porta-voz.

Nos últimos anos, a questão indígena passou a figurar entre os principais pontos de críticas do organismo internacional contra o governo brasileiro.

O UOL teve acesso a diversas cartas enviadas desde 2019 ao presidente Bolsonaro por parte da ONU cobrando respostas diante de ameaças contra povos indígenas.

Mesmo antes, o Brasil já foi alertado pela ONU em diferentes ocasiões sobre a violência na região do Vale do Javari, onde nesta semana o britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira desapareceram.

Em dois comunicados —de 2017 e 2020— entidades internacionais denunciaram invasões indevidas e pediram providências do estado brasileiro. A ONU ainda alertou que a garantia de segurança de indígenas e outros atores sociais na região era de responsabilidade do estado.

O pedido da ONU foi ecoado internamente, com funcionários da Funai fazendo apelos para que um reforço de segurança e maior presença do estado fossem autorizados pelo Executivo. A partir de 2018 e 2019, os relatos são de que a violência ganha uma nova dimensão e, mesmo assim, o Palácio do Planalto optou por não atender aos pedidos dos indigenistas. Nos últimos meses, a questão indígena passou a ser alvo de constantes questionamentos por parte da ONU, denunciando as omissões do atual governo brasileiro.

Mas, de forma específica sobre o Vale do Javari, um dos alertas foi emitido há cinco anos.

Naquele momento, a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) e o Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos expressaram “preocupação” diante de um massacre de povos indígenas em isolamento voluntário, próximo aos limites superiores do rio Jandiatuba, na Terra Indígena Vale do Javari. Naquele momento, as entidades internacionais pediram que o Brasil implementasse “medidas imediatas para realizar, em territórios indígenas, controle de entrada, vigilância permanente e ações para localizar e monitorar os movimentos territoriais dos povos em isolamento”. O objetivo seria o de “proteger as comunidades indígenas em isolamento voluntário e contato inicial, e suas terras e territórios, de incursões ou atos de violência por parte de terceiros”.

A CIDH e a ONU pediram também ao país para “adotar medidas para prevenir e responder às atividades ilegais de mineração, cultivo, caça, pesca e extração ilegal de madeira nos territórios indígenas em análise”. Se o papel do Exército para combater a presença de garimpeiros ilegais no rio Jandiatuba era reconhecido, a entidade pressionava para que o esforço fosse expandido.

Uol