É muito mais lógico proibir o alcool que a maconha, diz cineasta

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Foto: Vans Bumberrs/HBO

Quase três anos depois de estrear na HBO, em 2019, Pico da Neblina retornou com sua segunda temporada nesse domingo, 3, com o episódio de estreia da nova fase já disponível na HBO Max. Seguindo os acontecimentos da temporada inicial, a trama nacional se passa em um Brasil fictício onde a maconha foi legalizada e o ex-traficante Biriba (Luiz Navarro) precisa se adaptar à nova realidade investindo no comércio legal da planta. Com a concorrência em alta, ele descobre que gerenciar o negócio não é tão simples. “Tentamos construir uma temporada mais densa, em que os conflitos dos personagens estivessem à flor na pele”, descreve Quico Meirelles, um dos diretores da produção ao lado do pai Fernando Meirelles, indicado ao Oscar por Cidade de Deus, André Novais, Ale Pellegrino e Rodrigo Pesavento. Em entrevista a VEJA, pai e filho comentaram sobre a produção, e opinaram sobre a legalização da maconha no Brasil. Confira:

Fernando, Pico da Neblina tem como temática a legalização da maconha, e aborda questões como a violência. Os temas sociais são muito presentes na sua carreira, como em Cidade de Deus, de 2002. A forma com que esse tipo de tema é retratado mudou de lá para cá? Eu acho que mudou muito. A série tem um pé muito forte na questão do preconceito, algo que não está só dentro das telas. Os protagonistas são negros, mas a realização também. Se você olha a foto da equipe, cerca de 50% dela são de pessoas não-brancas, algo não tão usual de ser visto no Brasil. Hoje, temos essa ideia de inclusão muito forte. Há 10 anos, isso era novidade. Ainda há um longo caminho, mas estamos evoluindo.

Quico, a série trata de uma temática tida como “tabu” pelos mais conservadores. Como é trabalhar essa questão ao lado do seu pai? Isso nunca foi um problema para nós. A ideia da série é justamente mostrar que falar sobre maconha não deveria ser um tabu. O fato de a planta ter sido criminalizada foi uma circunstância histórica que transformou isso em um tabu e equiparou a maconha, por exemplo, à metanfetamina, uma substância que não tem nada a ver com a cannabis. Queremos mostrar que é só mais uma substância, além de uma planta com muitos usos e que não deveria ser vista como um tabu.

Concorda com ele, Fernando? Sim, não tem nenhum problema. O Quico gosta de fumar maconha, e eu não fumo mais maconha há muito tempo.

E como enxergam a questão da legalização no Brasil? Fernando: a maconha recreativa vai ser legalizada no Brasil. É assim no mundo inteiro. Estamos um pouco mais lentos porque temos uma bancada evangélica ativa, mas vai acontecer. Estou agora em Los Angeles e, se eu dobrar a esquina do meu quarteirão, tem uma loja de maconha. Você entra, compra e fuma. Isso também vai acontecer no Brasil, a série apenas antecipa esse cenário. A maconha não faz mal nenhum, seria muito mais razoável proibir o álcool, que é uma droga nociva que faz as pessoas se envolverem em acidentes de trânsito, agredir a mulher. Você não vê isso com a maconha.

Quico: Mais que isso, acho que é algo extremamente lucrativo para empresas e também para o estado, em razão dos impostos. Não tem sentido não legalizar. Vai acontecer daqui a pouco e vai ser um negócio multi-bilionário. A gente se inspirou em experiências de legalização ao redor do mundo. Os modelos da Espanha, da Holanda, dos Estados Unidos, do Uruguai, do Canadá. Olhamos todos esses e projetamos o que poderia acontecer no Brasil.

Fernando, em 2002 você retratou a questão do tráfico em Cidade de Deus e agora trabalha uma realidade mais fantasiosa, em que a maconha foi legalizada no Brasil. Como enxerga o problema vinte anos depois? O tráfico de drogas ainda é um problema seríssimo, e os sintéticos estão em alta hoje em dia, mas muita coisa mudou. Hoje não tem mais tanto aquele mundo do traficante na rua. Você compra qualquer droga por aplicativo e recebe em casa. É um outro mundo. Mas, do meu ponto de vista, a maconha não tem nada a ver com as drogas, é só mais uma substância, como o café.

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