Generais são prisioneiros na bolha de extrema-direita

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Foto: Cristiano Mariz/Infoglobo

Membros do topo da hierarquia das Forças Armadas vivem em uma bolha de extrema direita no Twitter, segundo apontou um levantamento do laboratório DATA_PS, que reúne pesquisadores da UFRJ e da UFF, feito a pedido do GLOBO. Militares que usam a plataforma estão inseridos numa rede de políticos bolsonaristas e influenciadores olavistas, de acordo com a pesquisa . O estudo elaborou um mapa ideológico do debate público na rede social a partir das redes de perfis que são seguidos por políticos e militares na plataforma.

O GLOBO localizou 26 oficiais do último grau hierárquico do Exército, Marinha e Aeronáutica — sendo a maioria de generais (23) — com contas ativas na plataforma. Entre eles estão integrantes do governo Jair Bolsonaro (PL), como o vice-presidente Hamilton Mourão, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno; e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos.

Também têm perfis na rede militares como o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas; o ex-ministro da secretaria de Governo de Bolsonaro — e atualmente filiado ao Podemos — Carlos Alberto dos Santos Cruz; e o deputado federal General Girão (PL-RN).

Baseado nos dados das contas desses generais, além de um universo de 668 políticos entre deputados, governadores, ministros e senadores, a pesquisa encontrou seis redes agrupadas por suas afinidades ideológicas. Dentre elas, três se destacam pela sua relevância na atuação nos debates da plataforma.

Grafo sobre a distribuição ideológica de perfis no Twitter — Foto: DATA_PS

A primeira, identificada no gráfico acima na parte de baixo em cor lilás, é a rede da esquerda, onde estão políticos como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Guilherme Boulos (PSOL). Ao centro, em verde, estão dispostos políticos que vão desde a centro-esquerda como Ciro Gomes (PDT), passando pelo centro como Rodrigo Maia (PSDB), e mais para a direita com Sérgio Moro (União Brasil).

Já no topo, na rede em cor roxa, estão os canais da direita mais extremista, agrupados em torno do presidente Jair Bolsonaro (PL). É nesta bolha que estão localizados todos os militares identificados pelo GLOBO. Eles estão marcados com a cor laranja no gráfico abaixo.

Zoom na rede mais à direita do Twitter — Foto: DATA_PS

Na lista de usuários mais seguidos pelos oficiais estão perfis institucionais das Forças Armadas, ministros, veículos de imprensa e uma variedade de páginas com conteúdo de extrema direita. Nesse catálogo ideológico de maior interesse dos generais estão políticos que são figuras de proa do bolsonarismo como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Carla Zambelli (PL-SP) e Major Vitor Hugo (União-GO).

Também estão entre os canais preferidos dos generais contas dedicadas ao ideólogo Olavo de Carvalho. Influenciadores como Leandro Ruschel e Bárbara ‘Te Atualizei’ — que chegaram a ser alvos de investigações do Supremo Tribunal Federal (STF) por propagarem fake news — são alguns dos mais populares entre esses perfis.

Comandante do Exército até o fim de março deste ano, quando foi nomeado para chefiar o Ministério da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira conta com 98 mil seguidores e segue apenas 24 contas no seu Twitter. No pequeno rol de figuras de interesse do militar estão os deputados bolsonaristas Carlos Jordy (PL-RJ) e Bia Kicis (PL-DF); além da juíza e influenciadora olavista Ludmila Lins Grilo.

— Os generais são significativamente alinhados a um lado específico da direita brasileira, com forte relação com o campo bolsonarista. Eles são, em geral, pouco seguidos, e seguem mais perfis bem à direita — diz o pesquisador e autor do levantamento Francisco Kerche.

Crítico do que aponta ser uma politização exacerbada do Exército pela turma de generais que ocupam cargos no governo Bolsonaro, o oficial da reserva e mestre em Ciências Militares Marcelo Pimentel destaca que militares têm o direito de se posicionar individualmente, desde que na inatividade e sem se vincular à instituição. Porém, ele ressalta, isso não ocorre nessas contas, onde a maioria dos oficiais se apresentam com suas patentes de general, usam roupas fardadas ou outras referências militares

— Isso afronta a Lei 6880, que define a ética militar, onde está determinado que os membros das Forças Armadas devem abster-se, na inatividade, do uso das designações hierárquicas em atividades político-partidárias e no exercício de cargos da administração pública — afirma Pimentel.

Segundo uma portaria publicada em julho de 2021 pelo Exército sobre a criação de perfis em mídias sociais, a função militar somente pode ser associada a perfis em redes de publicação de currículos e atividades profissionais, tais como o Linkedin.

Especificamente sobre o Twitter, a portaria ressalta que o “ato de seguir ou curtir perfis” e postagens “é considerado um endosso” ou uma aprovação àquele conteúdo. “Sendo assim, é preciso muito critério nas ações de relacionamento nesta mídia social”, completa o texto. O GLOBO questionou o Exército se os generais estariam contrariando a regra impunemente, porém não obteve retorno.

Segundo o cientista político Mauricio Santoro, que já ministrou cursos e palestras em institutos militares como a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), o Exército sempre foi envolvido com política no Brasil, desde a independência em 1822. Porém, ele afirma que até o golpe militar de 1964 havia uma “pluralidade” maior entre a tropa, com correntes mais liberais e outras mais conservadoras.

— Essa turma dos anos 1970 que se formou com Bolsonaro tem uma visão marcada pelo anticomunismo, pela Guerra Fria e de que os militares deveriam salvar politicamente o Brasil. Hoje, na vida pública brasileira, é nítida essa conexão da cúpula do governo com ideais da linha dura do regime — analisa Santoro.

O Globo