Pobreza crescente fortaleceu Lula

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Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Um mantra repetido à exaustão em eleições mundo afora é o “é a economia, estúpido!”. A expressão com a qual o economista e marqueteiro James Carville guiou a estratégia de Bill Clinton para se eleger nos EUA em 1992 tem sentido: o voto econômico é um elemento sempre a ser considerado de perto. No Brasil de 2022, as pré-campanhas estão atentas ao tema, mas ainda que as pesquisas de opinião pública mostrem um claro mal-estar na economia e vantagem eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até aqui, especialistas ressaltam que o mero “voto com o bolso” não é suficiente para explicar as decisões que o eleitor tomará este ano.

A mais recente pesquisa Genial/Quaest indica que, desde março, a economia é vista como principal problema do Brasil (44% o consideraram na sondagem). E ainda que essas preocupações sejam variadas — crise geral, desemprego, inflação —, 64% concordam que a situação econômica piorou no último ano. E 54% afirmam que sua capacidade de pagar as contas também se deteriorou.

Uma pesquisa Datafolha de junho pintou um cenário de duas faces. Por um lado, a desaceleração da escalada da inflação e a ligeira recuperação de vagas no mercado de trabalho levaram a números menos pessimistas do que os de meses anteriores. As fatias que preveem melhora na economia e as que acham que a situação vai piorar aparecem empatadas na margem de erro: 33% e 34%, respectivamente. Por outro lado, alarmes disparam nas camadas mais vulneráveis da população: 26% dos entrevistados afirmaram que a quantidade de comida em suas residências tem sido insuficiente, enquanto 63% avaliam que a renda familiar mensal não tem conseguido bancar todas as suas despesas.

Datafolha mostra cenário de pessimismo na economia brasileira — Foto: Arte / O Globo

A pesquisa nacional Exame/Ideia indicou em junho que os principais problemas do país são o desemprego (29%) e a inflação (24%). Na lista de prioridades para o próximo presidente, a opção “criar empregos” é citada como a mais necessária de todas: 70% dos entrevistados mencionaram a questão, perguntada em formato de respostas múltiplas. E, na pesquisa Ipespe mais recente, a percepção da inflação “aumentando muito” é compartilhada por 71%.

Nesse contexto, sinais de alerta surgem para as pré-campanhas. O Datafolha mostrou que, para 77% dos entrevistados, a situação econômica do país influencia de algum modo no voto para presidente — enquanto três em cada dez declararam que podem mudar de voto se os indicadores piorarem. Na Genial/Quaest, 59% disseram ter seu voto muito influenciado pela situação econômica.

Quem se beneficia eleitoralmente desse sentimento negativo é o ex-presidente Lula. Tendo tido mandatos cujas bandeiras-chave envolveram ascensão socioeconômica e transferência de renda, ele mostra força constante no voto de quem tem renda mensal familiar mais baixa. E, hoje, dentre as pessoas que apontam a economia como o maior problema vivido no país, 49% pretendem votar no ex-presidente, segundo a Genial/Quaest.

O voto guiado pela preocupação com a economia favorece o ex-presidente Lula, segundo a Genial/Quaest — Foto: Arte / O Globo

Não à toa, especialistas destacam o quanto o presidente Jair Bolsonaro e o os partidos do centrão insistiram em turbinar o Auxílio Brasil e outros benefícios em busca de mais apoio nas camadas de baixa renda — tentando posicionar o pré-candidato à reeleição como autor de respostas satisfatórias à crise econômica. São 22% dos brasileiros com 16 anos ou mais que recebem o Auxílio Brasil, segundo o Datafolha. As maiores taxas de beneficiados incluem os com menos escolaridade formal (31%), os mais pobres (34%), moradores da região Nordeste (35%) e desempregados (38%), setores que têm dado vantagem a Lula até agora na corrida.

“O Auxílio Brasil ainda não produziu o efeito esperado de aproximar ainda mais a intenção de voto entre Lula e Bolsonaro. Vale ressaltar que continuamos acreditando que a eleição é uma batalha de rejeições”, indicou no mês passado o fundador do instituto Ideia, Maurício Moura.

No ciclo eleitoral de um Brasil que vive escalada de inflação e do custo de vida, redução do poder de compra, aumento da miséria, alta informalidade, precarização do emprego e outras temores econômicos, é normal que as pesquisas se debrucem sobre opiniões em torno da economia. Mas o princípio do voto racional — conceito clássico da literatura de opinião pública segundo o qual eleitores escolhem de acordo com o que lhes parece mais vantajoso — não pode ser considerado o único determinante. Como especialistas explicam, outros fatores se sobrepõem, em particular os emocionais.

— Tanto a avaliação do desempenho quanto a responsabilização pelo resultado da economia são influenciados por aspectos afetivos. Eleitores com forte afetividade pelo mandatário ou pela oposição apresentam mais viés na sua leitura. Já eleitores que não apresentam forte afetividade nem com um lado e nem com outro são mais suscetíveis aos resultados da economia e, em geral, decidem a eleição — explica a cientista política Luciana Veiga, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio) e especialista no tema. — Eleitores com forte afetividade, ao contrário de funcionarem como um juiz, agiriam como um advogado. Primeiro, eles têm um lado e depois buscam argumentos para defendê-lo. Os eleitores sem forte afetividade, sim, decidiriam como um juiz.

Ainda que o cenário de mal-estar na economia atinja a população em larga escala, os aspectos emocionais são chave no caso do Brasil, analisa a professora da Uni-Rio. Nota-se como setores simpáticos ao bolsonarismo — um movimento de forte teor ideológico e identitário — atribuem a situação econômica sempre a um cenário mundial, à pandemia, à guerra na Ucrânia, ao Congresso, ao Judiciário ou um Brasil cuja economia foi quebrada por forças do “outro lado”.

— Ou seja, ele vai ao supermercado, compra menos comida do que comprava antes, tem seu poder de compra reduzido, fica insatisfeito com a situação, mas não culpa o mandatário. Já o eleitor que rejeita Bolsonaro, nutre por ele uma afetividade negativa como de ressentimento ou raiva, tende a ser mais contundente tanto na insatisfação quanto na responsabilização pela situação da economia — resume Luciana Veiga.

O Globo