Polícia impediu resgate de feridos no Alemão

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Foto: Reprodução

Nascido e criado na Vila Cruzeiro, comunidade vizinha ao Complexo do Alemão, o advogado Gilberto Santiago Lopes, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Anacrim (Associação Nacional de Advocacia Criminal) relatou ao UOL momentos de terror que viveu ao participar do resgate de feridos e mortos durante a operação conjunta das polícias Civil e Militar na região, anteontem (21).

A ação teve um saldo de 19 mortos —entre eles um cabo da PM, 18 deles apenas anteontem. Moradores relataram diversos abusos de policiais, como agressões, ameaças e invasões em suas casas.

O advogado também resgatou corpos durante a operação com 24 mortos na Vila Cruzeiro, em maio. Segundo ele, a situação no Complexo do Alemão foi “muito pior do que na Penha”.

“Na Penha, alguns mortos os próprios policiais traziam. Se a gente chegasse perto de um policial e pedisse para trazer o corpo porque não tinha como transportar, a gente conseguia fazer isso. Lá no Alemão, não. Inclusive eles proibiram a passagem de carros, a gente tinha que parar um carro na rua para fazer o transporte”, comparou.

Nem viatura para levar os cadáveres e os feridos eles disponibilizaram. Era só mesmo matar e jogar fora”.

Gilberto Santiago Lopes, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Anacrim

Uma das coisas que mais chocou Lopes foi o número de pessoas que precisou resgatar, a maioria mortas.

“Consegui resgatar, com a ajuda de moradores, um baleado no pescoço, outro baleado na cabeça e no braço, uma menina toda ralada porque sofreu uma queda na correria. A gente resgatou mais cinco cadáveres, depois mais três. Socorri um outro rapaz com fratura exposta nas duas pernas com um carrinho de transportar bebida”, lembra.

Além do bloqueio das vias, o criminalista afirma que policiais civis da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) agiram deliberadamente para impedir o socorro a um homem ferido gravemente.

“Por que socorri no carrinho? Porque tinha um cadáver e esse rapaz baleado com fratura exposta na picape. Quando a gente desceu o morro, a Core parou o carro e pediu a habilitação do motorista. Os policiais retiraram a chave da ignição e esconderam. Viram que o carro tinha documento direitinho e motorista era habilitado. Mas como estava socorrendo quem eles odeiam, esconderam a chave”, denunciou o criminalista.

Na tentativa de retirar o corpo e homem ferido da comunidade, ele conta que quase sofreu um acidente.

“Eu tive a ideia de soltar o freio de mão do carro e empurrar, mas desligado o carro perdeu a direção hidráulica e o volante não se movia direito, o carro quase bateu no poste. A gente então tirou o cadáver, botou em um pano e desceu na mão mesmo. Arrumei esse carrinho com um morador e descemos com ele até a pista. Só depois disso a gente conseguiu parar um carro e o cara levou o cadáver [para o hospital]”, relatou.

O UOL procurou a Polícia Civil para obter um posicionamento sobre a denúncia de que os policiais da Core impediram o socorro, mas a corporação não respondeu.

Imagens feitas por moradores mostram um cenário de destruição, com buracos de tiros em paredes, janelas e carros no conjunto de favelas.

Em uma gravação, uma moradora narra o que vê enquanto parece justificar a ausência no emprego. “Bom dia, patroa. Mais uma vez, eu não consigo sair de casa. Isso é a saída da minha casa! A minha porta! Então, eu não tenho condições para trabalhar hoje. Só Deus sabe amanhã”, diz.

Em outra filmagem, um morador exibe um par de chinelos em cima de uma mureta que pertenciam a Solange Mendes Silva, 49, a 19ª vítima identificada, baleada ontem (22) pela manhã. Segundo moradores, ela costumava vender marmitas com o marido na região.

Moradores ainda divulgaram fotos e vídeos de carros e casas destruídos por conta de tiros.

 

Uol