Diretor de Tropa de Elite declara voto em Lula

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Foto: Reginaldo Teixeira/Globo

O cineasta José Padilha começou esta entrevista dizendo que pretendia assinar a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, um manifesto que será lido no dia 11 de agosto na Faculdade de Direito da USP e que já conta com mais de 700 mil adesões.

No meio da conversa por Zoom, ele aproveitou uma breve interrupção da chamada para ir além da pretensão e avisou assim que a conexão foi restabelecida: “Assinei a carta nesse ínterim. Pode dizer que eu assinei no meio da entrevista (risos)”.

“Eu apoio o intento da carta. Ela me parece ter como intenção deixar uma declaração: se alguém resolver seguir o [Donald] Trump e questionar os resultados da eleição, saiba que já existe esse número gigante de pessoas que não vão aceitar isso”, afirma o diretor de “Tropa de Elite” e da série “O Mecanismo”, entre outras obras.

Morando há alguns anos nos Estados Unidos, ele acompanhou as movimentações do ex-presidente americano para contestar o desfecho da disputa com Joe Biden. Para Padilha, é ainda mais difícil seguir o mesmo caminho no Brasil, mas nem por isso acha que vale arriscar.

“Eu gostaria que essa eleição terminasse no primeiro turno e tendo a votar no Lula [PT] no primeiro turno. Eu entendo que não há mais possibilidades de terceira via nessa eleição. Ganhar no primeiro turno seria o ideal, porque diminui muito a chance de o Bolsonaro [PL] ficar questionando a urna”, diz.

Outrora entusiasta da Lava Jato, o cineasta revisou suas opiniões depois que tomou conhecimento das mensagens trocadas entre os principais agentes da operação. O conteúdo foi hackeado e se tornou público no que ficou conhecido como escândalo da Vaza Jato.

“Moro e o Dallagnol sabotaram a Lava Jato”, afirma, referindo ao ex-juiz federal Sergio Moro e ao ex-procurador Deltan Dallagnol. O primeiro filiou-se à União Brasil e deve disputar o Senado, enquanto o segundo ingressou no Podemos e pretende uma cadeira na Câmara dos Deputados, ambos pelo Paraná.


A carta pela democracia que será lida no dia 11 de agosto tem recebido o apoio de vários setores da sociedade, inclusive de artistas. O sr. pretende assiná-la? Sim, pretendo, porque eu apoio o intento da carta. Ela me parece ter como intenção deixar uma declaração: se alguém resolver seguir o Trump e questionar os resultados da eleição, saiba que já existe esse número gigante de pessoas que não vão aceitar isso. Como se dissesse que não vai sair barato tentar questionar o resultado eleitoral.

Agora, vai fazer diferença? Bolsonaro vai olhar para essa carta e vai colocá-la na equação se ele perder para o Lula? Vai pesar na decisão de aceitar o resultado? Acho que, largado à própria sorte, não. Se ele perder em uma eleição apertada, ele provavelmente vai ignorar a carta e seguir o caminho do Trump. Embora seja muito mais difícil seguir esse caminho no Brasil do que nos EUA.

Por quê? A Constituição americana permite que um presidente seja eleito com minoria dos votos, porque é uma eleição indireta. O cidadão vota em um estado, aquele estado aponta delegados, forma-se um colégio eleitoral e quem tiver mais votos no colégio eleitoral ganha. Num sistema assim, o perdedor pode questionar o resultado em cada estado. Trump fez isso.

Nesse ponto, o Brasil é muito melhor que os Estados Unidos. O voto para presidente no Brasil é direto: ganha quem tiver a maioria dos votos. Então, quem for contestar o resultado tem que questionar um único sistema eleitoral. É a única chance que a pessoa tem, e é muito mais difícil fazer isso do que questionar num lugar fragmentado, com várias regras diferentes em cada estado.

Então o trabalho do Bolsonaro é mais árduo que o do Trump. E o do Trump deu errado, pelo menos até agora.

O sr. disse apoiar a intenção da carta. Tem ressalvas em relação ao conteúdo? Eu não escreveria exatamente do jeito que ela foi escrita. Mas alguém tem que escrever a carta, e é melhor que sejam os advogados da USP do que eu (risos). Mas, se você olhar a carta, você vai ver que tem coisas ali que não são reais. De certa maneira, tem uma premissa embutida de que a democracia automaticamente solucionou certos problemas do nosso passado, o que de fato não aconteceu.

Pode dar um exemplo? Tem um trecho assim: “No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado”. É verdade que a ditadura pertence ao passado, mas a tortura pertence ao presente.

O Brasil pratica tortura de Estado. Todos os presídios que eu já visitei e todos os presídios de que já soube têm superlotação, presos amontoados um em cima do outro, presos que muitas vezes são espancados quando chegam à prisão. A polícia pratica tortura.

Então eu reescreveria a carta dizendo assim: “No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Tortura feita pela ditadura pertence ao passado”. Aí estaria correta. Do jeito está escrito, finge-se que um problema seríssimo do Brasil não existe. Mas repito: eu assino a carta.

A tortura é tema recorrente em seus filmes. Como é ver o Brasil com um presidente que apoia esse tipo de prática? Eu fiz três filmes que abordam tortura vigente no Estado democrático. “Ônibus 174” mostra a tortura contra menores em lugares como Padre Severino [instituição para menores infratores]. “Tropa de Elite” mostra tortura praticada pela polícia –também tem tortura praticada pelo traficante, mas estou focando nos agentes do Estado. E “Tropa de Elite 2” mostra tortura praticada pela polícia na folga.

No “Tropa 2”, de maneira profética, a gente tem aquele plano que termina na bandeira do Brasil lá em Brasília, com o qual a gente meio que está dizendo: “Olha, o que está acontecendo no Rio, com a milícia chegando ao poder político, pode acontecer no país”. E foi o que aconteceu. Bolsonaro é conectado com políticos milicianos. Não tem a menor dúvida disso.

No fim de “Ônibus 174”, não tem a multidão que corre para linchar o Sandro? Essa multidão existe no Brasil. A multidão que quer que o policial torture o traficante na favela, ela existe. E Bolsonaro não esconde que é a favor disso. Inclusive a favor da tortura ocorrida na ditadura.

Uma vez o Tarso Genro me disse que “Tropa” é como um termômetro, que tira a temperatura do país: a gente vê como as pessoas reagem àquele tipo de coisa. Eu achei a observação correta. E o Bolsonaro também tira a temperatura do país. Se tem um número razoável de pessoas dispostas a apoiar o Bolsonaro e a votar nele, a gente tem que entender que existe no Brasil um número razoável de pessoas que acha que a violência é a solução para a violência.

O imperativo do Brasil, por tudo isso que eu falei, é tirar o Bolsonaro da Presidência. Esse é o imperativo número um. Nada vai acontecer direito no Brasil com Bolsonaro na Presidência. Se fosse um videogame, é como se o Brasil tivesse regredido uns quatro níveis. Primeiro tem que tirar o Bolsonaro, aí volta para o normal e só então dá para ter alguma chance de novo.

Em 2018, o sr. escreveu um artigo na Folha dizendo que tanto Fernando Haddad (PT) quanto Bolsonaro levariam o país para o brejo. Recentemente, porém, já disse que votará em Lula em eventual 2º turno. O que mudou? As informações da Vaza Jato mudaram minha opinião sobre o que aconteceu nas últimas eleições. Eu tenho certeza absoluta de que estou certo quando digo que a lógica que organiza a política brasileira é a corrupção. A lógica que organiza a democracia brasileira, para ser mais preciso, é a corrupção. O maior problema do Brasil, na minha opinião, é a corrupção.

Eu e várias pessoas tomamos posições a favor da Lava Jato porque a gente viu, pela primeira vez na história do país, serem presos empreiteiros que faziam cartel, políticos que roubaram etc. A minha intuição foi apoiar a Lava Jato.

Mas eu deveria ter visto antes da Vaza Jato –e não vi— o acordo entre procuradores e juízes para tirar Lula da eleição. Então, naquela época, eu pensava que, se procedessem todos os processos contra o Lula e o PT, a eleição do Haddad seria caótica. Porque na sequência o partido dele ia ficar inviabilizado.

O Bolsonaro é caótico por definição. E lembro a você que escrevi esse artigo antes do primeiro turno. Era tipo: “Por favor, votem no Ciro [Gomes]”.

Agora a situação é diferente. O PT nunca foi julgado, porque depois de não sei quantos anos, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o foro estava errado. O Supremo submeteu o Brasil a um drama, a uma série de violências incríveis, inclusive violências políticas contra o Lula, e depois diz que o foro estava errado. É inacreditável.

Mas isso é outro assunto. Minha resposta é que eu gostaria que essa eleição terminasse no primeiro turno e tendo a votar no Lula no primeiro turno. Eu entendo que não há mais possibilidades de terceira via nessa eleição. Ganhar no primeiro turno seria o ideal, porque diminui muito a chance de o Bolsonaro ficar questionando a urna.

[A ligação foi interrompida por alguns minutos. Ao retomar a conversa, o cineasta disse:]

Assinei a carta nesse ínterim. Pode dizer que eu assinei no meio da entrevista (risos).

O sr. já disse ter errado ao acreditar em Sergio Moro, inclusive em outros artigos na Folha. O que tem achado de ele e Deltan Dallagnol terem mergulhado ainda mais na política? Todo mundo tem direito político. Quem sou eu para cassar os direitos políticos do Deltan Dallagnol e do Moro? Mas o Moro e o Dallagnol sabotaram a Lava Jato. Eles poderiam ter feito uma investigação correta. Nada impedia. Poderiam não ter combinado as coisas entre si. O Moro poderia ter sido um juiz neutro, em vez de ser um juiz que instruiu a Procuradoria. Eles sabotaram a própria investigação e acharam que ninguém ia saber.

A quantas anda o documentário sobre a Vaza Jato? Eu estou mudando o enfoque. Muita água rolou desde que comecei a fazer o documentário. O Glenn não está mais no Intercept, por exemplo, e isso é um assunto importante para o documentário. O Glenn é um cara muito importante para a história do Brasil, porque os documentos foram para ele. E o documentário é quase sobre como coisas pequenas mudam tudo.

Folha