Moraes já dá o tom de sua presidência no TSE

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Foto: Abdias Pinheiro/TSE

Novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Alexandre de Moraes é conhecido pelo postura combativa e firme não apenas na condução de inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF) que atormentam o clã Bolsonaro, mas também nos julgamentos do tribunal que vai chefiar a partir desta terça-feira (16).

Após a morte do ministro Teori Zavascki em um trágico acidente aéreo, o então presidente Michel Temer indicou Moraes para uma vaga no STF. Já em abril de 2017, o ministro passou a integrar o TSE na condição de ministro substituto, sendo efetivado como titular em junho de 2020.

Durante esse período, Moraes proferiu votos contundentes que dão pistas sobre sua postura à frente da Corte Eleitoral.

Um dos casos mais emblemáticos foi o julgamento, em outubro do ano passado, que resultou na cassação do deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União Brasil-PR) por espalhar fake news contra as urnas eletrônicas. As acusações infundadas foram transmitidas em uma live no Facebook no dia do primeiro turno das eleições em 2018.

Esse precedente é considerado extremamente “perigoso” por aliados de Jair Bolsonaro, que veem os riscos de o TSE aplicar o mesmo entendimento no futuro contra o atual ocupante do Palácio do Planalto.

“Ficou caracterizada a utilização indevida de veículo de comunicação social para a disseminação de gravíssimas notícias fraudulentas, com repercussão de gravidade no pleito eleitoral e com claro abuso de poder político”, ressaltou Moraes, ao votar pela cassação de Francischini.

O placar foi elástico pela cassação do deputado bolsonarista – 6 a 1. O ministro Kassio Nunes Marques, do STF, derrubou a cassação em uma canetada, mas a Segunda Turma acabou restaurando o entendimento do TSE.

A disseminação de fake news também veio à tona em outro julgamento, o que tratou do disparo de mensagens em massa na campanha presidencial de 2018.

Naquela ocasião, o TSE acabou arquivando as ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão que tratavam do tema, mas firmou uma tese que, na prática, coloca a espada sobre a cabeça do presidente.

O tribunal fixou que o disparo em massa de fake news pode configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social nestas eleições.

“A Justiça Eleitoral pode ser cega, mas não pode ser tola. É uma ingenuidade achar que a rede social não é meio de comunicação social. É o mais importante veículo de comunicação social no mundo. (Esse problema de fake news) Vai ser combatido nas eleições 2022. Se houver repetição, o registro será cassado e as pessoas irão para a cadeia”, avisou.

Em um caso mais recente, julgado em maio deste ano, Moraes deu outro duro voto, ao determinar a cassação do registro de quatro mulheres que lançaram candidaturas fictícias só para o PP alegar que preencheu a cota feminina no município de Jacobina, na Bahia.

Nenhuma delas obteve sequer um voto – ou seja, nem elas votaram em si –, nem realizaram atividades de campanha. Os partidos são obrigados por lei a lançar, no mínimo, 30% de candidaturas femininas.

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Por conta da fraude, o ministro também determinou que todos os votos depositados no PP naquele município fossem anulados. “Precisamos ser duros em relação a essas candidaturas fictícias de mulheres, se quisermos implementar efetivamente a política de gênero na política”, disse Moraes.

“A fraude ficou totalmente demonstrada, bastaria um elemento que eu sempre repito aqui – todas as candidatas mulheres tiveram zero votos, nem elas votaram nelas mesmas. E nenhuma delas desistiu. Mas não foi só isso. A prestação de contas idênticas, padronizadas, o próprio partido fez sem que elas soubessem”, destacou.

Outro caso com reflexos no presente foi a punição de um contador maranhense que publicou em 2018 vídeo em seu perfil no Instagram retratando o então governador Flávio Dino (PSB) como ladrão e nazista.

Com o voto de Moraes, o placar foi apertadíssimo contra o contador – 4 a 3 para condená-lo por propaganda eleitoral antecipada, de cunho negativo. Hoje, esse caso é relembrado na ofensiva da defesa de Bolsonaro contra vídeos que o chamam de “genocida”.

“Talvez as redes sociais tenham tornado tão banais essas ofensas e perseguições que há um momento em que há necessidade de se mostrar que as milícias digitais não atuam em terra de ninguém”, disse Moraes na ocasião, ao votar pela condenação.

“Por mais trabalho que isso possa dar, há necessidade de demonstrar, desde já, que nas eleições do ano que vem (deste ano), a Justiça Eleitoral não vai permitir que haja uma terra de ninguém.”

Apesar da postura combativa contra candidaturas fictícias, fake news e acusações contra candidatos nas redes sociais, Moraes foi na linha diametralmente oposta quando se tratou do abuso de poder religioso.

Esse tipo de crime não está previsto expressamente em lei, mas juízes eleitorais têm feito uma interpretação elástica que, na prática, serve para punir o comportamento de pastores e candidatos que se aproveitam do apoio de igrejas evangélicas.

“Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições”, disse Moraes.

Para o ministro, eventuais desvios cometidos nessa seara deveriam ser punidos segundo a legislação em vigor, que prevê punição por abuso de poder político e econômico, por exemplo.

“Espera-se que Moraes traga ao colegiado um perfil bastante intransigente no combate às fake news, até por ser o relator do inquérito das milícias digitais no STF. Além disso, deu um voto no caso Francischini bastante enfático e de intolerância a quaisquer ataques contra o TSE, o que deve seguir com sua assunção à presidência”, diz o advogado Luiz Eduardo Peccinin, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

Moraes assume a presidência do TSE dentro do momento mais crítico desde a redemocratização, aponta o advogado Camilo Onoda Caldas, diretor do Instituto Luiz Gama.

“A situação ainda é mais delicada, porque Moraes hoje é o inimigo público número 1 dos bolsonaristas, ou seja, ele terá que desempenhar as suas funções dentro de um cenário em que a sua figura vem sendo sistematicamente atacada por aliados de Bolsonaro. A tendência é que qualquer medida que ele tome, procurando combater a difusão de fake news e outras estratégias ilegais por meio digitais, seja vista por bolsonaristas como uma perseguição pessoal contra o presidente e seus aliados.”

O Globo