OAB se omitiu em Carta Democrática
Foto: Lucas Seixas/Folhapress
Advogado que testemunhou de perto a reabertura democrática e acompanhou a atuação de seu pai na defesa de presos políticos, Fernando Fragoso, 72, diz estar decepcionado com a postura da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em relação à carta pró-democracia que congregou diversos segmentos da sociedade civil.
A Ordem preferiu não assinar o texto, sob a justificativa de se manter distante de qualquer “paixão política” e divulgou manifesto paralelo em que afirma ter “orgulho e confiança no modelo do sistema eleitoral de nosso país, conduzido de forma exemplar pela Justiça Eleitoral”.
Fragoso, que acaba de assumir a presidência da Federação Interamericana de Advogados (FIA), avalia que, ao não endossar a carta com as demais entidades, a OAB acabou por passar a impressão equivocada de ser contra o texto.
Em sua gestão à frente da FIA, entidade que congrega diferentes ordens e organismos de advogados do continente, ele afirma que pretende incluir mais os advogados brasileiros no debate internacional sobre suas áreas de atuação.
Fragoso afirma que o presidente Jair Bolsonaro (PL) incita ao crime em seus discursos. Admitido para atuar perante o Tribunal de Haia, condena a decisão do TSE que impediu o ex-presidente Lula de chamar de genocida o atual mandatário —mas diz não achar que Bolsonaro poderia ser punido por genocídio.
Crítico à Lava Jato, o advogado, que teve clientes envolvidos na operação, não deixa de apontar em entrevista à Folha problemas também no inquérito das fake news. Para ele, o procedimento é lícito, mas não deixa de ser “situação esdrúxula” em que a vítima é também juiz e promotor.
O mundo jurídico acabou de organizar um movimento pela democracia. O senhor acha que ela está ameaçada mesmo? Como vê a reação da sociedade civil? Eu assinei a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros. Concordo plenamente com o teor dela.
O presidente da República vem desde o começo do mandato dizendo coisas absolutamente intoleráveis. A federação vai fazer uma observação das eleições. A gente está preocupado de ver que o capitão está interessado em fazer o que for necessário para não se apear do poder. Um poder que ele disse que não queria, ele disse que não queria se reeleger.
Todo o discurso do Bolsonaro na pré-campanha e na campanha do primeiro mandato já foi jogado fora. É uma figura lamentável. Há que estar de olhos bem abertos para observar tudo, que tudo que vai acontecer daqui até janeiro, porque não acaba na eleição. Pode ter algum tipo de conduta entre a eleição e a posse.
Como o senhor viu a posição da OAB de não endossar a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros e fazer uma carta própria sobre o argumento de que não poderia ter se posicionar para nenhum lado? Fiquei um pouco decepcionado que a Ordem dos Advogados não tenha subscrito um documento apoiado por tantos e diferentes segmentos da sociedade brasileira.
A Ordem sempre esteve na vanguarda da defesa do Estado democrático de Direito. Não podia ter deixado de subscrever, fizesse a sua própria manifestação também. Não assinar induz a ideia de que está em desacordo com com o texto, o que não é desejável.
Acha que a postura é contraditória com a história da OAB? A Ordem fez também uma manifestação firme. Acho que não chega a ferir a história. Me causou uma decepção, mas não chega a ser grave porque houve uma manifestação. Só não foi muito convincente a explicação para não assinar aquele texto.
O senhor é credenciado para atuar no Tribunal de Haia. Bolsonaro, por causa da gestão da pandemia, passou a ser chamado por alguns críticos de genocida. Como avalia a decisão do TSE que determinou a remoção de vídeo em que o ex-presidente Lula usa essa palavra para se referir a ele? Eu acho que a afirmação do Lula corresponde aos resultados da CPI [da Covid] que foi feita pelo Congresso Nacional. Acho que, na medida que a afirmação está autorizada por uma apuração feita pelo Congresso Nacional —que, pelo que se viu, não vai dar em nada porque o procurador-geral da República não vai tomar nenhuma atitude— essa decisão me parece equivocada. Chamar de ladrão pode, mas de genocida não pode?
Juridicamente seria possível acusar o Bolsonaro de genocídio por causa da gestão dele na pandemia? Juridicamente não está muito correto não, porque a definição de genocida não tem a ver com a inércia nas condutas que devia ter tomado para promover a aquisição de vacina, por exemplo. Mas adjetivos mal empregados em campanha a gente encontra desde que o mundo é mundo.
Não vejo problema em um adversário político atribuir, com base em algum material, certas condutas. Eu não preciso ser especialmente técnico. Claro que é uma quantidade enorme de pessoas que morreram pela inércia do governo federal.
A campanha tem sido marcada por casos de ameaças e violência, inclusive a morte de um militante do PT. Muitos críticos dizem que o presidente Bolsonaro incita a violência. Ele deveria sofrer alguma sanção por fazer esses discursos? A própria Lei de Segurança Nacional, que está revogada, tinha disposições sobre condutas antidemocráticas. É lamentável que tenha um presidente da República eleito democraticamente que comece a falar um monte de besteira sobre eleições. Espero que o Brasil volte a ter um presidente com uma conduta compatível com o cargo que exerce.
Mas, em tese, um presidente pode falar coisas como “fuzilar a petralhada”? Claro que não pode. Há no mínimo uma incitação ao crime. Foi evidentemente o que aconteceu no Paraná. Aquele bolsonarista que matou o petista do Paraná, do jeito que matou, sem chance de defesa, invadiu a festa, está atendendo precisamente à incitação. Não há dúvida de que esse cara age imbuído de um espírito que governa certa facção do bolsonarismo.
Ele comete crime nessas falas, então? Sem dúvida.
Críticos do inquérito das fake news reclamam que o ministro Alexandre de Moraes atua no procedimento no papel de juiz sendo também uma das vítimas. Como vê esse caso? Acho que realmente é complicado, porque o tribunal de uma forma geral é ameaçado, todos os ministros, e muitos, particularmente o ministro Alexandre de Moraes, que é relator e que se coloca em linha de frente contra esse tipo de conduta.
Realmente é uma situação juridicamente muito estranha, porque a vítima não pode ser nem o promotor do procedimento, como ele está sendo, nem ao mesmo tempo juiz. Eu acho que deveria haver uma forma de evitar que a vítima seja o autor do processo e ao mesmo tempo o juiz. É uma situação de esdrúxula, mas é a regra. O regimento interno do Supremo estabelece a possibilidade de um inquérito distribuído a um ministro para realizar a apuração. Está na regra, embora a regra seja curiosa nesse aspecto.
A Lava Jato e, posteriormente, a chamada Vaza Jato, tiveram um impacto grande do ponto de vista do debate sobre o direito de defesa. Que balanço faz? A Lava Jato teve violações terríveis do direito de defesa. Você não pode sair sequestrando as pessoas em casa para levá-las para prestar um depoimento. Não pode ameaçar as pessoas de que, se não fizerem um acordo de delação, a família toda vai ser processada e vitimada patrimonialmente, como aconteceu.
O método de obtenção da prova foi absolutamente ilegal, violento, inconstitucional. A pessoa é levada para prestar um depoimento sem nunca ter sido intimada, sem que exista um procedimento, sem nunca ter deixado de comparecer. Aí a família fica louca atrás de um de um advogado para ver qual a repartição a pessoa foi conduzida para dar-lhe uma assistência profissional, sem saber o que está acontecendo, sem ter acesso ao processo.
Eu atuei em processo por crime contra a segurança nacional no tempo da ditadura, o método é muito próximo. Quando aparecem as gravações, revela-se que Sergio Moro era um maestro da acusação.
Tive dois ou três clientes desses casos. Eu percebi como ele se comportava com os advogados em audiência. Eu me senti muito próximo das auditorias militares dos anos 70/80, era um negócio de muita de muita pressão e muito pouca cordialidade com os advogados.
Na sua avaliação, esses abusos foram coibidos? Penso que sim, o Supremo demorou, mas deu a volta. Começou com as conduções coercitivas, que foram proibidas em algum momento. Depois estabeleceu que a delação em si, sem outras provas, não pode justificar condenações de pessoas. Aliás, nunca a confissão por si mesma bastou para a condenação, pelo menos desde que vivemos em um regime democrático. A confissão era a rainha das provas no tempo da Inquisição.