Mulheres votarão em mulheres, mas não acham que vencerão

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Pablo Jacob

Cerca de 30% das mulheres acreditam que os homens são mais preparados para a política. A maioria delas, no entanto, entende que há baixa representação feminina e que elas merecem mais espaço em cargos decisórios. Ao mesmo tempo, a intenção encontra obstáculos na busca pelo chamado “voto útil”, e mais da metade das entrevistadas quer votar em mulheres, mas não acreditam que elas tenham chance de vencer.

Os dados são de um levantamento inédito feito pelo Instituto Locomotiva, a pedido do GLOBO, e também mostram que metade das entrevistadas diz ser possível escolher senadoras e deputadas nas eleições, mas considera mais difícil o voto em mulheres para o governo ou a Presidência.

A maioria esmagadora do grupo feminino (80%) não vê diferença entre votar em homem ou mulher nas eleições: o que importa são as propostas.

Pesquisadores ouvidos pela reportagem consideram o resultado do levantamento um reflexo do cenário político nacional, muito hostil às mulheres, e destacam como principal ponto positivo o fato de que o público feminino não está rejeitando as candidatas. As mulheres apenas buscam estratégias viáveis na hora de escolher o voto, priorizando agendas econômicas e políticas concretas.

Pesquisa do Instituto Locomotiva mapeia voto feminino — Foto: Infográfico

Prova disso é que 54% deste eleitorado afirma que gostaria de votar em outras mulheres, mas não acredita que as candidatas podem ganhar. Ou seja, não se trata apenas do conceito “mulher não vota em mulher”, mas de obstáculos com campanhas de baixo financiamento e pouco tempo de exposição feminina na televisão.

Professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Flávia Biroli explica que o contexto de representação política está focado na identidade masculina. Por tal motivo, os homens detêm vantagem em ocupar espaços no legislativo e executivo,

O critério adotado pelo eleitorado feminino é reflexo, portanto, de uma política que não abre espaço para que as mulheres possam ter protagonismo. Este ano de eleições presidenciais, em que o voto feminino completou 90 anos, reacendeu o debate sobre como mulheres e homens votam de formas diferentes . O presidente Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, enfrenta grandes dificuldades de conquistar votos no segmento.

No período anterior ao decreto que consolidou o direito ao voto feminino, conservar as mulheres afastadas das urnas e do poder era uma tática para manter este eleitorado fora da máquina pública, conservando o poder nas mãos dos homens. A utilização de discursos preconceituosos e depreciativos, adotados por muitos políticos, gerou impactos que regem as condições políticas ainda hoje.

— A pesquisa mostra que as mulheres estão sendo mais realistas, já que a taxa de sucesso delas na política é significativamente inferior à dos homens, como vimos nas eleições anteriores. O cenário os favorece. Os partidos colocam recursos e dão mais suporte para os homens, fazendo com que eles tenham mais chances de sucesso eleitoral — enfatiza Biroli.

Ela cita a Argentina como exemplo de paridade política e lembra que, mesmo que as mulheres eleitas não sejam feministas, há ganhos em políticas de gênero. Por si só, a presença feminina é capaz de ampliar a discussão sobre desigualdade no espaço público.

— Na Argentina, há um avanço em direção à paridade de gênero desde que se adotou a legislação de cotas em 1991. A gente vê o parlamento debatendo questões de gênero, agendas de interesse das mulheres e aprovando pautas voltadas ao público feminino. Não quer dizer que isso aconteça aqui no Brasil.

Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, diz que as mulheres estão mais interessadas em temas econômicos do que políticos. Considerar qual candidato tem condições de baixar a inflação, de melhorar o salário e melhorar a educação dos filhos seria o norte do voto feminino.

— As mulheres se interessam pela pauta econômica aplicada no dia a dia. Isso ajuda a explicar a dianteira que Lula (PT) tem em relação a Bolsonaro (PL) entre as eleitoras — explica Meirelles. — As mulheres entendem que há menos chances de vitória feminina, porque os homens não dão espaço para elas na política. Não é uma questão de gênero, simplesmente. É sobre abrir mão de poder, e os homens não têm nenhuma disposição de abrir mão de poder.

O pesquisador ressalta ainda que o levantamento não quer dizer que não existe sororidade entre as mulheres, e não significa desinteresse em pautas voltadas à igualdade de gênero. Ao contrário, só quer dizer que as mulheres não identificam propostas concretas relacionadas a elas, e se voltam para ganhos políticos aplicados ao cotidiano.

— A maioria das mulheres entende que, na época do governo Lula, tiveram mais oportunidades do que agora. Na prática, é isso que sustenta o crescimento eleitoral de Lula no segmento. Mesmo 30 bilhões de reais de aumento no auxílio, que vai majoritariamente para a mão das mulheres, não foram suficientes para reverter o voto a favor do Bolsonaro porque essas mulheres são tão pragmáticas que elas acreditam que isso não teve a ver com uma vontade sincera.— explica Meirelles.

A reflexão da pesquisadora Flávia Biroli mostra, também, que a pesquisa evidencia como o público feminino tem reagido ao Bolsonarismo ao longo dos quatro anos de governo. Biroli explica que, hoje, as mulheres são reconhecidas pelos candidatos que concorrem a uma vaga ao Planalto como uma nova clivagem política eleitoral de gênero. Outras clivagens eram determinadas de maneira mais forte como região, idade e situação financeira. Segundo a pesquisadora, nunca se falou tanto sobre misoginia, machismo e gênero. O Bolsonarismo fez com que as mulheres entendessem que o machismo afeta a vida delas. Mesmo aquelas que não se reconhecem como feministas.

— Nós nunca falamos tanto em misoginia nesse país. Em 2018, o fato de que tenham sido as mulheres que promoveram os maiores protestos nacionais contra o Bolsonaro, está em linha direta com a expressão que mostra a rejeição feminina a ele.

O Globo