Professor de Harvard explica Trump e Bolsonaro

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Foto: Charles Sholl/Raw Image/com arte de Renata Amoedo

No segundo volume de “Como as democracias morrem”, que pretende lançar no segundo semestre de 2023, o professor da Universidade Harvard Steven Levitsky, coautor do livro junto com Daniel Ziblatt, analisa a reação ao avanço do plano de democracia multirracial nos Estados Unidos. Foi liderada pelo Partido Republicano, de Donald Trump, cujo autoritarismo, Levitsky aponta, os americanos não levaram a sério em 2016.

Para ele, os brasileiros cometeram o mesmo erro com Jair Bolsonaro (PL), que na semana passada usou o 7 de Setembro para mais uma vez ameaçar o Supremo. Em entrevista ao GLOBO, o cientista político avalia que Bolsonaro ensaia estratégia similar à do ex-presidente americano, que nunca admitiu sua derrota.

O senhor está escrevendo a segunda parte de “Como as democracias morrem”, pode antecipar algo do novo livro?

Estamos em meio ao processo, vamos terminar nos próximos meses e publicar daqui a um ano. O foco principal são os EUA, mas acho que será importante para outros países e, sobretudo, para o Brasil. Falamos sobre a transição a uma democracia multirracial, que está muito avançada nos EUA, e a reação autoritária contra. Tentamos explicar como e por que o Partido Republicano, que era um partido conservador, de direita, mas que sempre jogou dentro das regras da democracia, transforma-se num partido radical e cada vez mais antidemocrático.

Com a chegada de Trump?

Começa antes e vai continuar depois de Trump, que é sintoma, não causa. Ele surge como parte dessa transformação do Partido Republicano. Para nós, essa radicalização é reação à democracia multirracial.

Vê paralelo com o Brasil?

Sim. Para nós, o que aconteceu com o Partido Republicano chama a atenção porque muitos partidos nascem autoritários, mas são poucos os que nascem democráticos, permanecem democráticos por mais de um século e depois mudam. O livro também aponta como obstáculo à democracia multirracial o próprio sistema político americano. Nossas instituições são herdadas do século XVIII. Nascemos como a república mais democrática do mundo, mas nunca mudamos. Nosso sistema bloqueia as maiorias em todos os lugares. Não existe democracia no mundo que tenha o sistema de colégios eleitorais. Temos um dos senados menos democráticos do mundo, os juízes da Corte Suprema são vitalícios. Apresentamos argumentos para democratizar os EUA.

Qual é a importância da eleição presidencial brasileira para a América Latina?

Superimportante. O que acontece na Nicarágua e em El Salvador é trágico para suas democracias, mas o que acontece no Brasil gera mil vezes mais atenção. Se, no pior cenário, Bolsonaro conseguir ficar no poder apesar de uma derrota eleitoral, isso poderá acontecer em qualquer outro país da América Latina. Comparo este cenário com o golpe de 1964, quando o Brasil foi o primeiro país importante no qual militares assumiram o poder e ficaram anos e anos. De certa maneira, autorizou que isso acontecesse em outros países da América Latina. Até agora, não temos na região um presidente que tenha perdido uma eleição e dito que não sai. É o modelo de Trump, que por sorte fracassou. Se Bolsonaro tentar e fracassar, dará oxigênio às democracias na região.

“Como as democracias morrem” fala nos elementos que devem ser observados em candidatos e líderes para determinar se representam, ou não, risco à democracia. Como analisa Bolsonaro?

Isso já passou, poderia ter sido útil nos EUA antes de 2016, e no Brasil antes de 2018. Os americanos não levaram a sério o autoritarismo de Trump nem os brasileiros o de Bolsonaro, mas agora todos sabem. No novo livro, em vez de simplesmente identificar candidatos que poderiam ser autoritários, temos três indicadores de políticos, partidos ou forças políticas. Sustentamos que os democráticos devem, sempre, fazer três coisas: aceitar resultados das eleições, se limpas, claro, como são no Brasil, sem ambiguidades; rechaçar publicamente a violência, sempre, sem ambiguidades; e romper por completo qualquer relação com forças violentas ou antidemocráticas, de esquerda ou direita. Se não fizerem essas três coisas, temos de nos preocupar.

Como vê Bolsonaro hoje?

Bolsonaro sempre teve tendência a abraçar a violência. O que está fazendo agora, xerox de Trump, é gerar condições para questionar as eleições. Se os principais candidatos não estão dispostos a aceitar o resultado das eleições, a democracia não pode funcionar.

Como isso está afetando a vida política nos EUA?

Há muitas consequências. Temos dois grandes partidos e sempre houve alternância no poder. Se um desses dois partidos não está comprometido com a democracia, bem, estamos muito mal. Atualmente, 70% da base republicana, como Trump, tampouco acreditam nos resultados (das eleições). Uma sólida maioria dos republicanos acha que Biden é um ditador, que houve fraude. Os políticos republicanos, que devem manter apoio das bases, dizem em conversas privadas que sabem que Trump perdeu, mas em público aderem à denúncia de fraude.

Isso penetra na sociedade…

Totalmente. Em alguns estados estão sendo feitas reformas eleitorais para restringir o voto, torná-lo mais difícil, sobretudo para os mais pobres, jovens, negros. Também estão gerando condições para que seja mais fácil que uma Assembleia Legislativa estadual possa intervir para mudar um resultado. Estas iniciativas são legitimadas pela ideia de que a eleição foi roubada. Hoje, é aceitável nos EUA tentar reverter o resultado de uma eleição. Houve uma rebelião violenta que tentou impedir a chegada de Biden à Presidência. Foi basicamente um golpe, e fracassou. Da próxima vez, os republicanos estarão mais organizados, com mais experiência e talvez mais violentos. Talvez consigam.

Hoje, Joe Biden é um presidente enfraquecido?

Não exageremos a fraqueza dele. É muito difícil governar hoje, no mundo todo. O nível de descontentamento em todas as democracias é altíssimo. A imagem de Biden subiu recentemente. Ele é mais velho, cansado, mas outro democrata não teria 70% de respaldo. O país está muito polarizado. Biden não é o problema.

No Brasil, se Bolsonaro perder, mas não aceitar o resultado, como Trump, também haveria instabilidade política?

Sim, mas, no curto prazo, dependerá das Forças Armadas. Se continuarem apegadas à Constituição e não apoiarem as aventuras de Bolsonaro, e acho que isso farão, e se Lula vencer, acho que Bolsonaro terá menos poder do que tem Trump, que é líder de um partido gigantesco. Bolsonaro não tem um partido assim, e acho que a maioria dos partidos de direita, que estão fragmentados, não responde a ele como o Partido Republicano responde a Trump. Ele tem seguidores, mas acho que será mais marginal do que Trump.

Como vê a candidatura de Lula?

Vejo alguns paralelos com Biden. É um político com experiência, para o bem e para o mal. Não está em seu melhor momento político, mas, por um lado, é, gostem ou não, a opção democrática. Conheço muitas pessoas no Brasil, de centro-direita, que estiveram procurando, rezando por uma terceira opção, mas não surgiu. Lula é claramente o que chamamos de mal menor. Lula, acredita a maioria, vai evitar o pior. É bastante possível que, se vencer, faça um governo medíocre. Sabemos que será democrático, não será uma Venezuela nem uma Nicarágua. Lula não teve o primeiro governo corrupto do Brasil.

Mas foi o primeiro presidente preso por corrupção.

Sem dúvida. Não é ideal. Lula tem a possibilidade de nomear um gabinete diverso, jovem, talentoso, e tentar ativamente promover o futuro, entrando numa transição e empoderando os demais. Mas isso é pouco provável. Teremos corrupção, as brigas de sempre, e isso é perigoso, porque o nível de legitimidade da classe política brasileira é baixo. O nível de confiança nas instituições democráticas é baixo e tivemos Bolsonaro porque, em parte, as pessoas estavam cansadas dos políticos da democracia representativa. É mil vezes melhor Lula do que outros quatro anos de Bolsonaro, mas se Lula for visto como mais do mesmo, num contexto de descontentamento alto, teremos um (Nayib) Bukele (presidente de direita e perfil autoritário de El Salvador) na esquina. Outro outsider. O risco de outro Bolsonaro vai continuar. Lula é capaz, tem experiência, fez bons governos. Mas as consequências de um governo medíocre são altas, mais no Brasil do que nos EUA.

O Globo