Biden quer ajuda de Lula, diz emissário

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Foto: Ico Oliveira / Embaixada dos EUA

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva foi recebida com alívio e expectativa em Washington, onde as especulações sobre uma eventual volta do trumpismo ao poder preocupam, e muito. Na visão de Thomas Shannon, ex-embaixador no Brasil durante governos do PT e ex-subsecretário do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, o governo Biden, como muitos outros, quer “o Brasil de volta e com um engajamento maior com a comunidade internacional”.

Shannon acredita que o relacionamento entre Biden e Lula será diferente ao que teve o presidente eleito com o ex-presidente Barack Obama, “pelas circunstâncias”. “Vejo uma nova esquerda na América Latina, que não é antiamericana. Lula será uma ponte entre a velha e a nova esquerda”, diz. Nesse contexto, pontua que “é hora de os líderes latino-americanos assumirem a questão da Venezuela sem os EUA”.

O ex-chanceler Celso Amorim disse que Lula teve “uma bela conversa” com Biden. Como imagina a relação entre ambos?

A rápida reação da Casa Branca [para reconhecer a vitória de Lula] e a conversa entre os dois presidentes são indicadores da relação que já estão construindo, sobre o valor dessa relação e sobre o interesse de Biden em estabelecer um contato imediato e pessoal com Lula. O que estamos vendo é bom para o relacionamento, há muito a ser feito até 1° de janeiro de 2023. Com o novo governo existe o foco de trazer o Brasil de volta e com um engajamento maior com a comunidade internacional, regional e globalmente. Existe, ainda, um entendimento e reconhecimento sobre os desafios que Lula vai enfrentar, similares aos que Biden enfrenta nos EUA.

A relação entre Lula e Biden será similar à que o presidente eleito teve com Obama?

Não, vai ser diferente, pelas circunstâncias. Mas Biden conhece o Brasil como poucos presidentes americanos conheceram. Viajou várias vezes para o Brasil, esteve com presidentes brasileiros, conhece o país e suas prioridades.

Lula será o principal aliado de Biden na região?

O que os EUA esperam de Lula em seu terceiro governo, por exemplo, sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia?

Biden vai dar as boas-vindas ao Brasil. Sobre a guerra, diria, basicamente, que se reconheça que a invasão da Rússia foi ilegal e que não pode ser tolerada, independentemente da relação bilateral do Brasil com a Rússia. O mais importante é ajudar a entender as reais consequências da invasão. Para mim, os maiores problemas são as consequências em matéria de saúde, energia, alimentos e segurança. O Brasil pode atuar em todas essas áreas, ter uma conversa mais profunda [com os EUA], sobretudo em matéria de alimentos, porque nossos países são dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo.

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Os EUA, como a União Europeia (UE), esperam uma condenação mais contundente do Brasil à Rússia?

Sim, seria importante uma condenação mais contundente, mas, insisto, o mais importante é falar sobre as consequências da invasão.

O senhor imagina um encontro entre Lula e Biden antes da posse do presidente eleito?

Faria muito sentido.

Alguns analistas falam num relacionamento pragmático entre Lula e Biden…

A relação de Lula com os EUA sempre foi muito boa, especialmente no nível de seus líderes. Com o ex-presidente George W. Bush, por exemplo, houve divergências, mas sempre avançamos. Diferenças ideológicas nunca nos impediram de avançar.

Na cúpula de 2005, na Argentina, quando foi enterrado o projeto de Área de Livre Comércio das Américas (Alca), Lula e Bush tiveram um grande desentendimento.

O maior desentendimento foi com os argentinos. Kirchner queria acabar com a Alca e tinha o apoio de [Hugo] Chávez. EUA e Brasil conversavam, e naquele momento estávamos centrados em acordos bilaterais com países da região. Lula e Bush deixaram Mar del Plata (onde foi realizada a cúpula presidencial) e se encontraram imediatamente depois em Brasília. Houve churrasco e foram pescar juntos. Sempre houve respeito entre ambos.

O senhor vê similaridades entre o cenário atual no Brasil e o que se viveu nos EUA em janeiro de 2020?

Não, não vejo, por enquanto. No Brasil, as instituições são fortes, o Supremo Tribunal Federal é forte. Pessoas ao redor de Bolsonaro, incluindo o vice-presidente, reconheceram a derrota. Será diferente. O sistema eleitoral brasileiro é diferente, o dos EUA bem mais complexo. No Brasil não existem elementos para construir narrativas como vimos nos EUA, será muito mais difícil. Podemos ter confiança no resultado e no sistema.

Uma das questões que Lula deverá enfrentar é a situação na Venezuela. Que papel e que posição o senhor acha que o Brasil de Lula deveria ter?

É hora de os líderes latino-americanos assumirem a questão da Venezuela sem os EUA. É pouco o que podemos fazer. Lula, [colombiano Gustavo] Petro, [chileno Gabriel] Boric, [argentino Alberto] Fernández… existe um grupo de líderes na América do Sul que não podem ser acusados de serem imperialistas e que querem mudar o regime [venezuelano]. Eles terão um papel importante para definir as condições em que serão realizadas as eleições de 2024.

Acha que o terceiro governo do Lula será muito diferente dos dois primeiros?

Existe uma nova esquerda na América Latina, que não é antiamericana e que está centrada em questões internas, sociais e econômicas. Lula será uma ponte entre a velha e a nova esquerda.

O Globo