Lula prega AL longe de conflitos “importados”

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou seu discurso na cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em Buenos Aires, para reforçar a importância da unidade regional, posicionamento do qual a política externa brasileira se distanciou sob o comando de Jair Bolsonaro. A sensação neste momento, disse o petista, “é de quem se reencontra consigo mesmo”, afirmando haver tanto que aproxima os 33 países da aliança que “nada deve nos separar”.

Em uma fala que não foi transmitida ao vivo, mas cuja íntegra foi compartilhada pelo Itamaraty, o petista agradeceu aos países latino-americanos, caribenhos e às instituições brasileiras pelo repúdio aos atos golpistas de 8 de janeiro:

— Quero aqui aproveitar para agradecer a todos e a cada um de vocês que se perfilaram ao lado do Brasil e das instituições brasileiras, ao longo destes últimos dias, em repúdio aos atos antidemocráticos que ocorreram em Brasília. — disse o presidente. — É importante ressaltar que somos uma região pacífica, que repudia o extremismo, o terrorismo e a violência política.

Em seus oito minutos de discurso, Lula ressaltou que o mundo vive um momento de múltiplas crises, com pandemia, mudança do clima, ameaças à democracia e tensões geopolíticas. A maior parte dos desafios é de “natureza global, e exige respostas coletivas”, mas deve-se tomar cuidado para “não importar rivalidades”, afirmou ele em uma das falas mais aguardadas do dia:

— Não queremos importar para a região rivalidades e problemas particulares. Ao contrário, queremos ser parte das soluções para os desafios que são de todos — disse o petista. — Há uma clara contribuição a ser dada pela região para a construção de uma ordem mundial pacífica, baseada no diálogo, no reforço do multilateralismo e na construção coletiva da multipolaridade.

 

Crítica a Bolsonaro

O presidente brasileiro disse que a região precisa também aprofundar os diálogos com outros blocos regionais como “União Europeia, China, Índia, Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e, especialmente, com a África”. E definiu como “exceção lamentável” a postura do Bolsonaro para com a região, classificando a decisão de tirar o Brasil da Celac como “inaceitável”.

— É com muita alegria e satisfação muito especiais que o Brasil está de volta à região e pronto para trabalhar lado a lado com todos vocês, com um sentido muito forte de solidariedade e proximidade — disse Lula. — Renovo, hoje, com uma dose de emoção, o espírito que nos animou em 2008, quando sediamos na Costa do Sauípe, no estado brasileiro da Bahia, a primeira reunião de Cúpula da América Latina e do Caribe, que três anos depois evoluiria para o formato desta Comunidade.

Bolsonaro tirou o Brasil da Celac logo após sua posse, em janeiro de 2019, no auge da crise política venezuelana, quando o líder opositor Juan Guaidó se autoproclamou “presidente interino” como uma tentativa de apressar a derrubada do regime de Nicolás Maduro. No ano anterior, Maduro havia sido reeleito para um terceiro mandato consecutivo em eleições contestadas.

A Venezuela era representada na Celac por representantes de Maduro, mas o Brasil de Bolsonaro e cerca de 50 outros países, encabeçados pelos Estados Unidos, reconheceram Guaidó como líder legítimo. Na época, para tirar Brasília da comunidade regional, o presidente brasileiro apontou para a presença de ditaduras no bloco, citando Caracas e Havana.

A retirada, contudo, fez parte de um afastamento mais amplo de organizações multilaterais e de uma reversão da importância histórica que a política externa brasileira dá a temas relacionados não só à América Latina, mas também aos direitos humanos e ao meio ambiente. Nos momentos finais de sua fala, Lula citou o antropólogo Darcy Ribeiro, que teria completado 100 anos em 2022, afirmando ser um “brasileiro extraordinário” que se dedicou a pensar a região quando uma comunidade latino-americana e caribenha era uma “miragem”:

— Tendo vivido o exílio, nos anos 1960 e 1970, ele foi dos primeiros a falar da nossa unidade na diversidade. Essa Pátria Grande, e a apontar a contribuição civilizatória muito particular que a nossa região tem a dar para o mundo. O Brasil volta a olhar para seu futuro com a certeza de que estaremos associados aos nossos vizinhos bilateralmente, no Mercosul, na Unasul e na Celac — disse ele. — É com esse sentimento de destino comum e de pertencimento que o Brasil regressa à Celac, com a sensação de quem se reencontra consigo mesmo.

 

Liderança no meio ambiente

Lula agradeceu ainda o apoio que vem recebendo da região para a candidatura de Belém do Pará para sediar a COP-30, em 2025. O endosso, disse ele, é “indispensável” para mostrar a “a riqueza de nossa biodiversidade, o potencial do desenvolvimento sustentável e da economia verde, além, é claro, da importância de preservação do meio ambiente e do combate à mudança do clima”.

O presidente citou também seu discurso na COP27, que aconteceu em novembro no Egito, e a promessa de convocar uma Cúpula dos Países Amazônicos nos próximos meses. A ajuda internacional para preservar a floresta é chave, disse ele, mas cabe à região liderar:

— A cooperação que vem de fora da nossa região é muito bem-vinda, mas são os países que fazem parte desses biomas que devem liderar, de maneira soberana, as iniciativas para cuidar da Amazônia — disse Lula. — Por isso, é crítico que valorizemos a nossa Organização do Tratado de Cooperação Amazônica.

Qualquer desenvolvimento regional, contudo, deve ser indissociável da redução da desigualdade “em suas diversas dimensões”, como o combate aos “índices inaceitáveis de pobreza e fome”. E o passado colonial compartilhado pelas nações da América Latina e do Caribe, disse ele, deve ser um motivo ainda maior de união:

— Nada deve nos separar, já que tudo nos aproxima. Nosso passado colonial. A presença intolerável da escravidão que marcou nossas sociedades profundamente desiguais. As tentações autoritárias que até hoje desafiam nossa democracia — disse Lula. — Mas também a imensa riqueza cultural dos nossos povos indígenas e da diáspora africana. A diversidade de raças, origens e credos. A História compartilhada de resistência e de luta por autonomia. Tudo isso nos faz sentir parte de algo maior e alimenta nossa busca por um futuro comum de paz, justiça social e de respeito na diversidade.

O Globo