Militares brasileiros idolatram militares americanos

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Gabriela Biló – 8.jan.2023/Folhapress

“O que aconteceu no dia 8 de janeiro foi resultado de quase dez anos de infiltração deliberada de uma cultura política autoritária no Brasil”, diz Christian Lynch, cientista político e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ)

Ele se refere à data em que bolsonaristas invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Reflexões como essa deram o tom ao nono debate do ciclo Perguntas sobre o Brasil, série de diálogos promovido pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e pela Folha.

O evento foi realizado na tarde de quarta (18) a partir da pergunta “Como afastar o país de suas raízes autoritárias?”.

Junto a Lynch, participou do debate João Roberto Martins Filho, professor do departamento de ciências sociais da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e autor de livros como “O Palácio e a Caserna: A Dinâmica Militar das Crises Políticas na Ditadura” (1995).

Os bolsonaristas “entraram em modo de indignação a partir do momento em que ficou claro que o Exército não ia fazer o que estavam esperando que fizesse, já que eles estavam reivindicando uma intervenção”, afirma Martins Filho.

A partir dos ataques do dia 8, os dois especialistas discutiram o papel das Forças Armadas ao longo da história do Brasil, a radicalização autoritária dos últimos anos e os acampamentos antidemocráticos em frente aos quartéis.

“Sempre que você tem um colapso da legitimidade do sistema representativo, aparecem novos atores em cena dizendo que eles representam a nação”, diz Lynch, coautor de “O Populismo Reacionário: Ascensão e Legado do Bolsonarismo” (2022). “E os militares sempre vêm com essa ideia do Poder Moderador”.

As Forças Armadas, porém, não correspondem a um Poder Moderador, figura inexistente na Constituição de 1988. Ao contrário do que têm pregado apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), o artigo 142 da Carta não tem dispositivos que concedam aos militares o poder de arbitrar conflitos entre os Poderes ou de fazer qualquer tipo de intervenção militar ou federal.

Para Martins Filho, vários foram os fatores que brecaram a tentativa de um golpe. Um dos principais foi a falta de apoio da comunidade internacional, especialmente dos Estados Unidos.

“O militar brasileiro não acredita no Supremo Tribunal Federal, na democracia e nos políticos, mas ouve o que diz o militar americano”, ele ressalta. O presidente dos EUA, Joe Biden, foi um dos líderes que prestaram apoio ao presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) e à democracia brasileira após os ataques.

“Eu nunca consegui entender o raciocínio de que o Exército ia dar um golpe para manter o Bolsonaro no poder. Se desse um golpe, seria para tirar o Bolsonaro e colocar outra pessoa”, enfatiza Lynch.

Para ele, o ex-presidente disseminou um modelo que se proliferou entre outros atores políticos, como as atuais deputadas federais Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF), e Nikolas Ferreira (PL-MG), que toma posse como deputado em fevereiro. “Eu chamo isso de ‘cafetinagem democrática’, você trata a democracia e a República como se fosse um cafetão, batendo nelas o tempo inteiro para arrancar dinheiro”.

A conversa foi mediada pelo jornalista Naief Haddad, repórter especial da Folha, e apresentada por Patrícia Dini, da programação do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc.

O evento, transmitido pelos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube, pode ser assistido na íntegra.

Esse foi o primeiro evento do ano do ciclo Perguntas sobre o Brasil, que discute temas relevantes da contemporaneidade a partir das obras indicadas pelo projeto 200 anos, 200 livros, iniciativa da Folha, da APBRA e do Projeto República (núcleo de pesquisa da UFMG).

A próxima edição está marcada para o dia 10 de fevereiro e discute o rap e o samba no Brasil. Até maio deste ano, serão abordadas questões sobre economia, religiões de matriz africana e tropicalismo, além de analisadas as contribuições de escritores clássicos brasileiros, como Guimarães Rosa, Euclides da Cunha e Machado de Assis. Veja a programação completa.

 

Folha