Na USP, Moraes passa de golpista a herói

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Cristiano Mariz/O Globo

O extremismo bolsonarista parece ter imposto não só a primeira derrota a um presidente incumbente desde a instauração da reeleição no país, como também a reabilitação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes junto ao alunado da Universidade de São Paulo (USP).

O ministro será homenageado em fevereiro pelos formandos do turno diurno de Direito da instituição, da qual é docente desde 2001 e onde ministra as disciplinas de controle de qualidade e Ministério Público na graduação.

O gesto de deferência ocorre em meio à projeção de Moraes na condução do inquérito de atos antidemocráticos, em nada lembrando a recepção da mesma USP em 2016, quando o magistrado foi alvo de protestos de alunos.

Naquele ano, estudantes contrários ao impeachment da então presidente afastada Dilma Rousseff organizaram um ato para constranger Alexandre de Moraes na sua primeira aula no Largo de São Francisco desde que assumiu como ministro da Justiça de Michel Temer 18 dias antes.

A mobilização ocorreu no auge da tensão política, quando Temer ainda governava interinamente e dependia dos votos do Senado para assumir a presidência de forma definitiva.

Na ocasião, estudantes ergueram cartazes e fizeram uma espécie de “escracho” contra Moraes, que foi chamado de “golpista”. Antes de ser convidado para a Justiça, ele atuava como secretário de Segurança Pública do então governador tucano Geraldo Alckmin, atual vice-presidente do Brasil.

Menos de um ano depois, quando foi indicado para o STF por Temer após o ministro Teori Zavascki morrer em um acidente aéreo, Moraes se tornou novamente alvo do corpo discente da USP.

Um grupo de alunos viajou a Brasília para entregar um abaixo-assinado contra sua nomeação à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, à qual cabe sabatinar e aprovar a indicação de magistrados para o Supremo.

À época, o centro acadêmico de Direito da USP argumentou que Moraes não tinha “reputação ilibada” e nem “notório saber jurídico”, critérios previstos na Constituição para integrar o STF. O abaixo-assinado, com quase 300 mil assinaturas recolhidas pela internet, foi entregue a parlamentares de oposição – mas a indicação de Moraes foi aprovada com larga vantagem.

O clima de tensão contrasta diretamente com a cena universitária em 2023, na qual Moraes será homenageado pelos alunos de Direito. Segundo apurou a equipe do blog, a escolha ocorreu através do preenchimento de um formulário livre na internet.

Ainda de acordo com relatos de formandos, a opção pelo magistrado foi espontânea. Isso porque não havia opções pré-definidas – e provavelmente refletem a projeção de Moraes diante do enfrentamento ao golpismo e às ameaças ao sistema eleitoral no pleito de 2022.

O ministro do Supremo será homenageado junto com o professor Cláudio Luiz Bueno de Godoy. Já os formandos do turno noturno escolheram prestigiar os docentes Mariângela Gama de Magalhães Gomes e Cristiano de Sousa Zanetti.

O protagonismo de Moraes no enfrentamento à ameaça democrática e às fake news, alçado por meio de dois polêmicos inquéritos no Supremo e posteriormente reforçado pelo seu mandato à frente do TSE, melhorou a imagem do magistrado junto aos setores contrários a Bolsonaro, que detêm influência no meio acadêmico. Mas não foi sempre assim, como mostra o próprio histórico de faíscas entre o ministro e o corpo discente da USP.

Moraes foi visto com grande desconfiança pela esquerda na ocasião de sua indicação ao STF. Isso porque o então ministro da Justiça não só fazia parte do governo Temer, acusado por estes setores de tramar contra Dilma, mas era filiado ao PSDB e mantinha uma relação umbilical com o tucanato e com o antigo DEM, atual União Brasil.

Além de compor o governo Alckmin por duas ocasiões, o atual ministro do STF também foi secretário de Transportes na gestão do prefeito Gilberto Kassab, então cacique do DEM e hoje presidente do PSD.

Sua gestão no Ministério da Justiça foi marcada por uma crise de rebeliões e chacinas em penitenciárias federais. Moraes tentou inicialmente descolar o governo federal do problema mas agiu tardiamente. Outras críticas giravam em torno de sua gestão da PM paulista enquanto secretário.

O bolsonarismo, como se sabe, mudou as peças no tabuleiro. Além de se tornar mais “palatável” para a esquerda, Moraes se tornou alvo constante de ataques e até de ameaças da parte da direita. Em maio de 2020, bolsonaristas vandalizaram a porta de um prédio em São Paulo onde o ministro tem um apartamento. O magistrado já relatou no plenário do STF ter recebido ameaças contra sua família pela internet.

Um episódio insólito ocorrido na semana passada retrata a disputa de narrativas pelo bolsonarismo. Em uma espécie de “escracho” virtual, o artigo referente a Moraes na Wikipédia foi alterado no último dia 13, removendo diversas referências jocosas e críticas ao ministro.

Naquela data, o ministro era descrito com o cabeçalho “Jurista, magistrado, calvo e ex-político brasileiro, ministro do Supremo Tribunal Federal. Alvo de críticas por parte da sociedade devido às decisões que ele tem tomado, consideradas por muitos como inconstitucionais ou violadoras de direito”.

Na mesma sexta-feira, o trecho foi alterado para “jurista, magistrado e ex-político brasileiro, ministro do Supremo Tribunal Federal”. Procurado, o gabinete de Alexandre de Moraes não se manifestou sobre o ocorrido.

O Globo