Unesco quer ajudar Brasil a recuperar palácios atacados

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Wenderson Araujo/Valor

Guardiã do patrimônio cultural mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) ofereceu ao governo brasileiro o envio de uma missão de emergência e recursos de um fundo de emergência para ajudar na recuperação dos prédios que foram atacados por bolsonaristas radicais no dia 8 de janeiro.

Segundo Marlova Noleto, diretora da Unesco no Brasil, além de especialistas em restauro, a entidade disponibilizou profissionais para discutir possíveis alterações nos edifícios localizados no centro de Brasília, área tombada e declarada patrimônio cultural mundial em 1987. A capital federal foi a primeira cidade moderna a entrar na lista de inscritos da Unesco.

Em entrevista exclusiva ao Valor, Marlova destacou o simbolismo dos atos terroristas. “Não foi apenas um ataque muito claro à democracia, mas também ao patrimônio cultural”, afirmou, acrescentando que o episódio deve servir de alerta para os ministérios da Cultura e da Educação. “Nós, da Unesco, estamos 100% à disposição para apoiar o país nesse esforço de ter um programa de educação patrimonial.”

Antes, contudo, já colocou à disposição da pasta da Cultura, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Palácio do Planalto todos os meios possíveis para o restauro dos bens. Os estragos ainda estão sendo avaliados tanto no Planalto, quanto no Congresso Nacional e na sede do Supremo Tribunal Federal (STF).

“A oferta foi de especialistas, de uma missão de emergência e recursos do fundo de emergência”, disse. “Nós colocamos à disposição todos os nossos meios e quem nos sinaliza a contribuição exata que quer da Unesco é o país.” Segundo Marlova, há sinalização positiva, por parte do Brasil, de que gostaria de receber uma missão da organização.

De acordo com a Unesco, o patrimônio cultural é composto por monumentos, grupos de edifícios ou locais que tenham valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico. No caso de Brasília, é considerado patrimônio cultural mundial o Plano Piloto, região central da capital federal onde se localiza, por exemplo, a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios.

“A Unesco vai trazer uma missão da nossa sede, em Paris, para nós conversarmos sobre os prédios, a funcionalidade, alguma eventual revisão. Vai se precisar pensar”, comentou Marlova. “Por exemplo, no STF: todos os vidros foram estilhaçados e vão precisar repor. Não são vidros que você compra de um dia para o outro. São vidros com características próprias. Na eventualidade de se optar por vidros blindados, tem um peso e precisa ver se a estrutura sustenta.

A Unesco vai apoiar nessas discussões que levam a eventuais modificações em bens que são tombados.” Ao lembrar que a Unesco participa da recuperação do Museu Nacional do Rio de Janeiro depois do incêndio de 2018 fazendo a gestão dos recursos doados para a reconstrução, Marlova demonstrou confiança na possibilidade de o Brasil receber nova ajuda internacional para recuperar os edifícios atingidos no dia 8. Ela citou, como exemplo, a possibilidade de o governo da Suíça, país conhecido pela qualidade de seus relógios, ajudar na reparação do relógio histórico, dado a Dom João VI e que foi derrubado no chão por um terrorista. A peça, raríssima, estava exposta no Palácio do Planalto.

Apesar dos desafios na restauração, ela acredita na capacidade de recuperação dos bens danificados, como o quadro “As Mulatas” de Di Cavalcanti. “Tem uma ou outra peça que é mais difícil de restaurar. Uma tapeçaria do Burle-Marx, um Di Cavalcanti com oito facadas, a questão dos painéis que fazem parte do prédio. Para os leigos é muito complexo entender a extensão das sutilezas que envolvem a restauração de bens artísticos”, explicou Marlova.

Segundo a diretora da Unesco, o valor das obras de arte danificadas é imensurável. “O Di Cavalcanti que foi esfaqueado é um dano concreto a uma obra de arte de altíssimo valor. Valor inclusive que a gente diz que é intangível. Pode precificar, cerca de R$ 8 milhões, ok. Mas é muito mais que isso.” Marlova Noleto reuniu-se na semana passada com a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber.

O edifício da Suprema Corte foi um dos alvos prioritários dos golpistas, que fizeram estragos em sua fachada, dentro do plenário e em diversas salas do prédio. A ministra Cármen Lúcia é quem está à frente do trabalho de restauração no Tribunal. “É importante observar, mergulhando nesses trabalhos, que a Câmara, o Senado e o próprio Supremo têm equipes muito fortes de arquitetos e restauradores. O trabalho desses órgãos é fantástico. Quando eu cheguei no Supremo, fiquei impressionada como, em uma semana, eles já avançaram”, afirmou Marlova.

Valor