General golpista perguntou Gilmar sobre artigo 142

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Ministro defendeu a reformulação do artigo 142 das Forças Armadas, já usado por bolsonaristas para defender algo que a norma não prevê: intervenção militar.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse ter sido perguntado pelo general Villas Bôas, ex-comandante do Exército, sobre se era correta a interpretação do artigo 142 da Constituição segundo a qual as Forças Armadas poderiam atuar como poder moderador.

Gilmar disse que a pergunta lhe foi feita em 2018, após uma entrevista com o general para o Instituto Brasileiro de Ensino, Direito e Pesquisa (IDP), do qual o ministro do STF é cofundador.

Ele foi entrevistado no Estúdio i, da GloboNews, na tarde desta terça (14).

“Ouvi do próprio general Villas Bôas em tom de pergunta se era correta a interpretação que o professor Ives Gandra fazia do 142. E eu disse: qual interpretação? E ele disse: ‘O professor Ives Gandra almoçou aqui na semana passada e disse que o verdadeiro árbitro em termos constitucionais, inclusive podendo arbitrar conflito entre Supremo e Congresso, somos nós, as Forças Armadas’. Eu ainda brinquei: seria a hermenêutica da baioneta? Isso não faz o menos sentido”.

Tanto Villas Bôas quanto Ives Gandra são defensores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Bolsonaristas invocam o artigo 142 como argumento para uma intervenção militar. Essa interpretação é rechaçada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Câmara dos Deputados, por juristas, especialistas e ministros do STF.

Em junho de 2020, já no governo Bolsonaro, e em meio a protestos que pediam intervenção militar, o assunto foi decidido em liminar pelo STF: o ministro Luiz Fux fixou que as Forças Armadas não atuam como poder moderador em um eventual conflito entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

O artigo 142 regulamenta a competência das Forças Armadas, mas não autoriza intervenção militar. Textualmente, diz o seguinte: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Gilmar disse que a atuação das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), como a intervenção na segurança pública do Rio em 2018, “deram musculatura e legitimação para esse ideário”.

O ministro do STF defende, mediante consenso, a reformulação do artigo 142 para “não dar ensejo a essa reincidência”. E afirma que Bolsonaro teve intenção de associar o artigo à atuação das Forças Armadas. “Eu acho que teve intencionalidade clara do Bolsonaro ao invocar as Forças Armadas: ‘Olha aqui, vou usar o 142’, e certamente alguns segmentos se sentiram fortalecidos”.

Villas Bôas e o Supremo
General de quatro estrelas do Exército, Villas Bôas foi escolhido, em 2015, pela então presidente Dilma Rousseff para assumir o comando do exército. O general permaneceu no cargo por quatro anos.

Em janeiro de 2019, o militar deixou o cargo, na ocasião, Villas Bôas disse, em uma rede social, que trabalharia no GSI a convite do presidente Jair Bolsonaro.

Em abril de 2018, Villas Bôas provocou polêmica por comentários feitos no Twitter na véspera de o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar um habeas corpus preventivo do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sem citar o caso, ele fez comentários em “repúdio à impunidade”.

“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, disse na primeira mensagem.

“O Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”, encerrou.

Na ocasião, a declaração foi vista como uma pressão sobre os ministros do Supremo. O então decano da Corte, ministro Celso de Mello, deu, durante o julgamento do habeas corpus, a resposta a Villas Bôas.

“O respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa o limite intransponível a que se deve submeter os agentes do Estado, quaisquer que sejam os estamentos a que eles pertencem.”, disse Celso de Mello à época.

Quase três anos depois, Villas Bôas — no livro “General Villas Bôas: conversa com o comandante” (escrito pelo pesquisador Celso Castro, da Fundação Getúlio Vargas) — contou que o texto teve um “rascunho” laborado pelo seu staff e por integrantes do alto comando residentes em Brasília e que foi analisado por comandantes militares de área.

O ministro Edson Fachin, relator do pedido de liberdade do ex-presidente, divulgou uma nota ao saber sobre elaboração do “rascunho” da publicação divulgada por Villas Bôas.

Na ocasião, o ministro afirmou “ser intolerável e inaceitável qualquer forma ou modo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário. A declaração de tal intuito, se confirmado, é gravíssima e atenta contra a ordem constitucional. E ao Supremo Tribunal Federal compete a guarda da Constituição”.

G1