Comissão da Anistia revogará injustiças de Bolsonaro e Temer

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Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A Comissão de Anistia começará nesta quinta-feira (30) a rever milhares de pedidos de reparação a vítimas da ditadura militar que foram negados durante os governos dos ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). O objetivo é reverter a maior parte dos requerimentos rejeitados entre 2017 e 2022 e conceder anistia.

Os três primeiros casos que serão revistos são os de Ivan Valente, atual deputado federal pelo Psol-SP; Claudia de Arruda Campos e José Pedro da Silva. A comissão deve reverter decisões anteriores, que negaram a anistia, e conceder reparação integral às vítimas.

A escolha dos casos foi feita pela presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, que, por iniciativa própria, decidiu submetê-los a um novo julgamento. Para Eneá, “são casos emblemáticos das ilegalidades cometidas” contra trabalhadores, estudantes e militantes- vítimas da ditadura – no julgamento dos pedidos de anistia.

José Pedro da Silva, militante e sindicalista durante a ditadura, ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco (SP), foi perseguido dentro do seu local de trabalho, preso e demitido por motivações políticas. O caso foi julgado em 2018, no governo Temer, mas a gestão avaliou que ele não foi vítima de perseguição política e, por isso, não teria direito à reparação.

Estudante, professora e militante da Ação Popular, Claudia de Arruda Campos foi perseguida e presa pelo regime militar. No julgamento de seu pedido de anistia, em 2019, no governo Bolsonaro, Claudia foi acusada de ser terrorista e de integrar uma das “organizações terroristas das mais violentas” pelo general Luiz Eduardo Rocha Paiva, que compunha o colegiado. Na justificativa da rejeição da anistia, a comissão disse que a estudante não foi vítima de punição ou perseguição por motivos políticos.

O deputado Ivan Valente (Psol-SP) era professor de matemática da rede pública de São Paulo e militante contra a ditadura quando foi perseguido e teve de viver na clandestinidade. Perdeu o emprego, foi preso duas vezes e torturado. Durante anos, não pode pegar o diploma de engenharia mesmo depois de concluir o curso. Ao ter seu pedido de anistia julgado no ano passado, no governo Bolsonaro, foi considerado integrante de organização criminosa. A Comissão de Anistia avaliou, na época, que Valente deveria ser investigado e condenado por atuar num grupo ilegal, “com enquadramento na Lei de Segurança Nacional”. O grupo negou a ditadura e afirmou que no regime militar “havia eleições livres, oposição legal partidária, canções de protesto e livrarias que vendiam livros de linha socialista e marxista”.

Quando o pedido de indenização de Ivan Valente foi negado, em abril de 2022, Bolsonaro ironizou: “Ivan Valente gosta de uma grana. Tentou pegar mais uma graninha do Estado com as barbaridades que fez no passado”.

Segundo a presidente da comissão, Valente deve receber como indenização econômica R$ 2 mil por mês até o fim da vida mais uma indenização retroativa que será definida no julgamento. Claudia de Arruda Campos e José Pedro da Silva também devem receber R$ 2 mil por mês mais um valor retroativo que será definido na quinta-feira.

Eneá afirma que há um entendimento na comissão de que o valor retroativo pago às vítimas não deve ultrapassar R$ 1 milhão. A presidente do grupo diz ainda que o governo deve garantir no Orçamento o montante para o pagamento das indenizações. Ainda não há uma estimativa de qual poderá ser esse valor, com a revisão dos casos.

Na primeira sessão da nova Comissão de Anistia, na quinta-feira, será revisto também o caso de Romario Cezar Schettino. O pedido de anistia dele foi aprovado em 2018, mas a indenização não foi paga. No julgamento, será revisto o valor da indenização retroativa.

Na gestão Bolsonaro, a Comissão de Anistia era composta majoritariamente por militares, advogados bolsonaristas e apoiadores do coronel Carlos Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi, reconhecido pela justiça como torturador. Integrante desse colegiado, o general Rocha Paiva levava para as sessões da comissão o livro de memórias de Ustra. Na época, o grupo chamou de “terroristas” os requerentes dos pedidos de anistia.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva recompôs a comissão em janeiro. A gestão excluiu os militares e nomeou perseguidos pela ditadura e especialistas em justiça de transição.

Segundo levantamento preliminar do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o governo Bolsonaro negou 95% dos pedidos de reparação integral de vítimas da ditadura. Entre 2019 e 2022, dos 4.285 processos julgados pela Comissão de Anistia, 4.081 foram indeferidos (negados). Entre os pedidos negados está o da ex-presidente Dilma Rousseff, que foi perseguida, presa e torturada.

Dos requerimentos rejeitados, a presidente da comissão avalia que entre 20% e 30% do total são de casos que deveriam mesmo ser negados, por falta de provas. “Mas acredito que a imensa maioria desses pedidos tinha que ser deferido [aprovado]. A comissão negava a ditadura”, diz Eneá, professora da UnB e especialista em justiça de transição, Estado de direito e democracia.

Eneá avalia que os pedidos de reparação integral estão subestimados e que podem chegar a mais de 9 mil. A previsão é revisar todos os casos e reverter a decisão de julgamentos anteriores, quando necessário, até 2026.

Os julgamentos dos pedidos de anistia serão retomados durante a “Semana do Nunca Mais – Memória Restaurada, Democracia Viva”, organizada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania para lembrar dos 59 anos do golpe no país e repudiar a ditadura.

A partir de agora, a Comissão de Anistia deve reconhecer que o Estado errou e pedir desculpas às vítimas da ditadura quando houver declaração de anistia política. Nesses casos, a comissão fará, em nome do Estado, “o pedido de desculpas ao requerente e à sociedade brasileira pela perseguição feita, garantindo o não esquecimento”.

O colegiado definiu também que os pedidos de anistia poderão ser feitos não só de forma individual, mas também por grupos de “trabalhadores, estudantes, camponeses, povos indígenas, população LGBTQIA+, comunidades quilombolas e outros segmentos, grupos ou movimentos sociais” que foram prejudicados pela ditadura.

Nos casos dos pedidos coletivos, não há indenização econômica. A presidente da Comissão de Anistia diz que os grupos, ao exigirem o reconhecimento do Estado de que houve perseguição e danos, poderão pressionar pela demarcação de terras, como no caso de povos indígenas, ou por programas de assistência à saúde mental para vítimas da ditadura. “O mais importante é a reparação integral e reconhecer que o Estado errou. É a garantia de não repetição”, diz Eneá.

Valor Econômico