Senador bolsonarista citar “cara de ladrão” pode ser racismo

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Imagem: Adriano Machado/Reuters

Após ser revelado que Bolsonaro surrupiou um terceiro pacote de joias dadas ao Brasil pela Arábia Saudita, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), aliado e ex-ministro de Jair, afirmou ao UOL Entrevista, nesta terça (28), que esse escândalo não vai cair na conta do ex-presidente porque ele “não tem cara de ladrão”. Mas o que é ter cara de ladrão? ”

A questão das joias vai ser explicada. Bolsonaro não tem cara de ladrão, não tem atitude de ladrão. Isso não vai colar de forma nenhuma na população”, disse. O senador defendeu que o caso é “de menos importância”, que “temos que esquecer um pouco isso de governo Bolsonaro” e que é hora de criticar o governo Lula.

A declaração reforça o racismo de que há um tipo físico relacionado à ladroagem – que a nossa elite branca sistematicamente atribui à cor da pele, seja ao atravessar a rua quando um homem negro vem na direção oposta ou ao acusar a empregada doméstica negra de roubo mesmo sem provas, por exemplo. E “esquece” que os mais bem-sucedidos larápios deste país não são ladrões de carro ou de celular (que têm todas as cores), mas os que se locupletam do dinheiro público e os que manipulam a economia para seus interesses particulares.

O governo petista seria o único foco de fato, como pede o senador, se o bolsonarismo não tivesse tentado dar um golpe de Estado em 8 de janeiro, se o ex-presidente não tivesse sido responsável por chegarmos ao patamar de 700 mil mortos por covid-19, se não tivesse feito a coisa pública de privada durante seu mandato e se não tivesse deixado um rastro de corrupção em órgãos. Como o Ministério da Educação.

Vale lembrar que a profusão de denúncias de desvios envolvendo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), dirigido na gestão passada, vejam só, por um ex-assessor de Ciro Nogueira (PP-PI), indica que teve sobrepreço e superfaturamento que virou grana não declarada para gastar da eleição de 2022.

Uma CPI do MEC foi aberta, mas, por conta de acertos políticos, sua instalação ficou programada para acontecer após o pleito – o que nunca aconteceu. Se ela tivesse ido a fundo, conheceríamos muito do uso ilegal de recursos públicos levados a cabo por parlamentares que têm cara de santo, mas não de ladrão. Como esquecer a multimilionária licitação de 4 mil ônibus escolares que, se não fosse por denúncia do jornal O Estado de S.Paulo, teriam feito a alegria de muita gente? Como esquecer as compras de kits de robótica com preços absurdos?

Como esquecer o icônico áudio do então ministro da Educação Milton Ribeiro afirmando que Bolsonaro havia pedido para acolher as necessidades do pastor Gilmar Santos e de seus “amigos” prefeitos, interessados em recursos públicos.

Santos e o pastor Arilton Moura integravam o “gabinete paralelo” montado no MEC. Para tanto, cobravam propina em dinheiro, bíblias e até barras de ouro. Ironicamente, parte do autointitulado povo de Deus continua recolhendo ouro para seus bezerros e falsos ídolos (livro de Êxodo, capítulo 32), milhares de anos depois do episódio na base do Monte Sinai.

Jair Bolsonaro, por sua vez, também recolheu ouro para si, mas ironicamente, é ele o falso ídolo.

Depois da revelação de que surrupiou do patrimônio público uma caixa com cerca de R$ 1 milhão em joias dadas pela Arábia ao Estado brasileiro e que teria tentando ficar com outra de R$ 16,5 milhões em mimos, usando a força do cargo para pressionar a Receita Federal para liberá-la, agora descobrimos que ele ficou com uma terceira com produtos de luxo avaliados em R$ 500 mil.

Reportagem de André Borges e Adriana Fernandes, do jornal O Estado de S.Paulo, apontam que um estojo que continha, entre outros itens, um relógio Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes, foi entregue pessoalmente a Jair em outubro de 2019. As regras brasileiras afirmam que presentes desse porte pertencem ao patrimônio público e não a uma única pessoa.

Ouro, diamantes e outras pedras preciosas são uma das formas mais simples para transportar ilegalmente grandes somas sem ser identificado por instituições nacionais e internacionais de controle.

O crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal, prevê de dois a 12 anos de xilindró para um funcionário público que se apropria de um bem em benefício próprio ou de terceiros. Enquanto isso, o furto (artigo 155 do Código Penal) ocorre quando alguém subtrai coisa alheia móvel para si ou para terceiros sem o emprego de violência, com pena de um a quatro anos.

Ou seja, furtar uma TV ou um celular dá menos tempo de cadeia do que um político subtrair patrimônio público. Mas enquanto temos a prisão cheias do primeiro tipo, o segundo costuma permanecer impune, ganhando passadas de pano homéricas, como o do nobre senador e do rebanho de seguidores fiéis do ex-presidente.

UOL