Arquivos do governo sobre junho de 2013 estão sob sigilo
Foto: Eduardo Knapp-30.jun.13/Folhapress
O governo Lula (PT) decidiu manter sob sigilo um lote de 13 relatórios produzidos por agentes de inteligência do Ministério da Justiça do governo Dilma Rousseff (PT) durante a jornada de manifestações iniciada em junho de 2013.
Os documentos foram classificados como reservados pelas autoridades que os produziram, o que autoriza a manutenção do sigilo por cinco anos. Contudo o Ministério da Justiça afirma que não há prazo para publicidade dos documentos por se tratar de atividades de inteligência.
Ao rejeitar a liberação dos documentos pedidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação, o governo federal usou como base a lei que criou o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin).
Em um de seus artigos, a legislação afirma ser responsabilidade dos integrantes do Sisbin a “salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados”, sem indicar nenhum prazo para o fim do sigilo dos documentos produzidos.
A interpretação é a mesma adotada no ano passado pelo governo Jair Bolsonaro (PL), quando a reportagem tentou pela primeira vez acesso aos documentos.
A decisão, referendada pelo ministro Flávio Dino (PSB), contraria interpretação adotada pela Polícia Federal, que, em 2019, disponibilizou relatórios de inteligência sobre o período com prazos de classificação já expirados.
Em recurso, a Folha apontou para a possibilidade de sigilo eterno dos papéis de inteligência, fonte importante para analisar a atuação das forças policiais em períodos históricos, como a própria ditadura militar.
O Coordenador-Geral de Inteligência, Carlos Sobral, concordou com “a legitimidade e a relevância do questionamento” e encaminhou uma consulta à Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça para avaliação. Contudo os papéis ainda não foram disponibilizados —há um recurso pendente a ser analisado pela CGU (Controladoria Geral da União).
O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, afirma que a manutenção do sigilo não se justifica, principalmente considerando que a autoridade que produziu os documentos impôs restrição de apenas cinco anos.
“Manter esse sigilo, passados os cinco anos, é quase um fetiche. A gente conhece a história porque os documentos foram desclassificados. Parece ser a burocracia tentando impedir o acesso à informação. Não necessariamente uma decisão de governo.”
Os papéis sobre as manifestações integram uma lista de documentos considerados desclassificados (com prazo de sigilo esgotado) no site do próprio ministério. Eles foram produzidos entre junho e novembro de 2013 e têm como descrição de tema “tensões sociais”.
O primeiro documento do assunto foi produzido, segundo a tabela, no dia 4 de junho, dois dias antes da primeira grande manifestação do MPL (Movimento Passe Livre), quando os atos ainda não haviam se espalhado pelo país.
A escalada de manifestações é reproduzida na intensificação na produção dos papéis. Novos relatórios de inteligência foram elaborados nos dias 7, 10, 18 e 27 de junho. Ao longo de julho, outros quatro informes foram produzidos, seguidos de um em agosto, dois em outubro e um em novembro.
Todos aparecem como reservados e com prazo final de restrição de acesso em 2018. O período de sigilo é definido pela autoridade responsável pela produção do documento. A Lei de Acesso à Informação permite a classificação por até 25 anos, no caso de documentos ultrassecretos.
Os papéis foram produzidos, segundo o governo, pela antiga Diretoria de Inteligência. O ministério era comandado na ocasião por José Eduardo Cardozo.
A jornada de manifestações pegou o governo Dilma de surpresa e gerou preocupações adicionais em razão do início do ciclo de grandes eventos no país. Naquele ano seria realizada a Copa das Confederações e, no ano seguinte, a Copa do Mundo.
Em novembro de 2013, a Folha apontou que a área de inteligência do governo federal identificou que alguns manifestantes envolvidos em atos de violência participaram de diferentes protestos em mais de um estado no país.
Uma das atividades do setor, segundo a reportagem, foi filmar os protestos contra o leilão do campo de Libra, realizado no Rio de Janeiro no dia 21 de outubro.
Um agente de inteligência da Força Nacional de Segurança também se infiltrou entre manifestantes às vésperas da Copa do Mundo. O policial militar do Distrito Federal acabou auxiliando nas investigações contra os 23 ativistas acusados de planejar atos violentos no Rio de Janeiro.
O depoimento dele, porém, foi considerado uma prova ilegal contra os acusados pelo STF (Supremo Tribunal Federal), porque a infiltração não foi autorizada por um juiz, como determinada a lei. Ela poderia servir apenas para a produção de relatórios de inteligência a fim de subsidiar o planejamento da segurança dos protestos.
O jornal O Globo, em 2019, descreveu relatórios de inteligência produzidos pela Polícia Federal no período das manifestações. Os documentos mostram policiais infiltrados em reuniões em universidades e manifestações, indicando possíveis lideranças, cujos nomes foram tarjados nos documentos disponibilizados.