Direita domina redes sociais no Brasil

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Foto: Divulgação

O sociólogo espanhol Manuel Castells, referência nos estudos sobre internet e mobilizações sociais, teve em junho de 2013 um encontro inesperado com os objetos de pesquisa aos quais se dedica. Na passagem pelo Brasil para participar de uma conferência, acabou se deparando com as manifestações que tomaram as ruas do país há dez anos. Ainda no calor do momento, avaliou que Dilma Rousseff se diferenciou de outros chefes de Estado naquele início de década ao ouvir a voz das ruas e legitimá-las.

Mas, afinal, por que essa postura não foi suficiente para evitar a derrocada do PT dali em diante – apesar da vitória na eleição de 2014? “Porque outros grupos de interesse aprenderam rapidamente o potencial das redes sociais e da internet, melhor e mais rápido que a esquerda”, afirmou Castells ao Valor.

Ao analisar os sentidos de junho, o sociólogo de 81 anos classifica a erupção das ruas como uma “demonstração da insatisfação de milhões, principalmente dos jovens, com a falta de atenção dos políticos aos seus problemas”, incluindo aspectos urbanos da vida em “metrópoles desumanas”.

Castells vê a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (e a derrota de Jair Bolsonaro), em 2022, como “a última chance da democracia brasileira”. O desafio, alega, não é fácil: “Ganhou-se algum tempo para restaurar a democracia e construir uma nova confiança na população. Mas o PT e outras forças democráticas têm que prevenir qualquer corrupção, insistir na redistribuição de renda, limpar as polícias, aprender uma boa política de redes sociais e começar a reformar as instituições políticas”, afirma.

2013 foi a insatisfação de milhões com a falta de atenção política”
— Manuel Castells

A política, diz o sociólogo, sempre se baseou na comunicação, e o principal espaço em disputa, hoje, são as redes sociais, “cada vez mais dominadas por notícias falsas”. Ele cita nominalmente Jair Bolsonaro, que “efetivamente utilizou” esses recursos, e aponta para os desafios que a inteligência artificial impõe à democracia: “O maior perigo da inteligência artificial não é que os algoritmos dominem os humanos, mas que humanos antidemocráticos usem as ferramentas poderosas da IA para criar falsificações poderosas e manipular a mente das pessoas.”

Castells é um dos principais teóricos da sociedade da informação, além de ter livros recentes sobre a crise da democracia liberal. Em 2011, Castells também acompanhou de perto o movimento dos “Indignados” na Espanha, um dos primeiros da onda de protestos que marcaram o início daquela década. “Todos começaram na internet e continuaram nas ruas, apresentaram valores e reivindicações e, principalmente, uma rejeição fundamental das formas de democracia baseadas em burocracias políticas e uma classe política profissional”, avalia. “Os atos não eram diretamente políticos, mas tiveram grande impacto cultural e, em última instância, resultados políticos.”

Se no Brasil foi a direita quem soube surfar a onda dos protestos, a avaliação sobre o saldo do turbilhão político é diferente quando analisa a Espanha. Os “Indignados” de 2011 despertaram a criação do Podemos, partido de esquerda que chegou a ser uma ameaça à hegemonia do PSOE, de centro-esquerda, no campo progressista. Essa pressão, segundo o hoje ministro das Universidades, fez com que o tradicional partido socialista passasse por mudanças para se adaptar aos novos tempos.

Castells não deixa de lado, contudo, a preocupação com a “feroz” reação da extrema direita, representada pelo partido Vox, hoje o terceiro maior do Congresso na Espanha. Poucos dias depois da conversa do sociólogo com o Valor, o PSOE amargou uma derrota significativa para a dobradinha entre o tradicional PP, de centro-direita, e o Vox nas eleições regionais espanholas. Após o resultado, o primeiro-ministro Pedro Sánchez convocou novas eleições.

O diagnóstico do espanhol sobre a ascensão da extrema direita mundo afora recai justamente sobre a abertura dada a ela pela direita tradicional. “A extrema direita está ganhando em todos os lugares e colocou as forças democráticas na defensiva porque está se aliando à direita”, observa.

Preocupa-se até com a situação do Vaticano, onde vê uma luta decisiva contra forças da Igreja Católica que se movimentam para emplacar um Papa conservador depois da “corajosa tentativa reformista de Francisco”.

O espanhol destaca a vitória de outros presidentes de esquerda na América do Sul nos últimos anos, mesmo que a maioria deles passe por problemas políticos, como o chileno Gabriel Boric, e econômicos, caso de Alberto Fernández na Argentina. Castells dá a senha que considera crucial para o sucesso da estabilidade democrática e progressista na região: “A América Latina não pode se estabilizar até que a desigualdade seja reduzida e as instituições, em particular as Forças Armadas, sejam reformadas.”

Valor Econômico