Junho de 2013 levou a Bolsonaro, diz Paes

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Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

De junho de 2013 para cá, Eduardo Paes saiu da Prefeitura do Rio, passou um tempo na iniciativa privada, mudou de partido, perdeu eleição para governador na esteira da onda bolsonarista, trocou de novo de sigla e hoje está mais uma vez à frente do município. Dez anos depois das manifestações que tomaram conta das ruas do país, o prefeito avalia, sentado na mesma cadeira que ocupava na ocasião, que os atos tiveram saldo negativo para a política brasileira — e levaram, diz, à eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

“Aqueles movimentos têm como origem uma negação da política, uma indignação com a política pela sua forma de ser, uma aversão à política como forma de governar. E deu no que deu no Brasil: o surgimento de uma direita antidemocrática, a própria eleição do Bolsonaro para a Presidência da República”, afirma ao Valor.

“Tinha uma ideia até autoritária. Não que necessariamente as pessoas iam às ruas por serem autoritárias, talvez nem percebessem isso, mas a ideia em si era.”

O prefeito discorda da avaliação de que as pessoas estavam nas ruas para protestar contra a má qualidade dos serviços públicos: “Via-se uma manifestação essencialmente de classe média. Não tinha povo, pobre. Era gente que não usava os serviços públicos”, diz.

O cerne da revolta, acredita, era mesmo o que chama de “pauta moralizadora”, embalada pela crescente indignação com casos de corrupção.

“O movimento foi sequestrado por uma pauta de classe média muito mais ligada ao campo conservador no sentido de ‘não aguentamos bandidagem de político’, a generalização de que são todos bandidos na política.”
Paes se considera, “entre os mortos e feridos” de junho, um bom exemplo de gestor que conseguiu dialogar com os movimentos que ocupavam as ruas. Menos de um ano antes, havia sido reeleito no primeiro turno com quase 65% dos votos, mas diz que a imagem da Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio, tomada, cena que via de dentro da Prefeitura, o fez pensar que não era possível todo mundo ali estar errado.

“Iniciei ali um processo de diálogo, de abertura, que ia desde os movimentos originários, como a Mídia Ninja, até começar a conversar também com movimentos mais conservadores. Acho que consegui fazer o diálogo e ir sobrevivendo àquele momento de muita tensão”, analisa. O prefeito chegou a dar uma entrevista ao vivo para a Mídia Ninja que teve ampla repercussão na época.

Mesmo assim, pinta um cenário de perdas políticas e econômicas — tão inevitáveis quanto devastadoras. “Todos nós perdemos popularidade, foi um desgaste enorme, tudo ficou mais difícil de fazer. O custo daquele momento não foi baixo porque havia pressões de corporações. O que aumentei naquela época [de gastos] com Comlurb, Guarda Municipal, salário de professores foi uma insanidade.”

Também não era fácil, diz, manter interlocução com os movimentos das ruas, dado o grau de violência crescente. “Não era simples. Era muita agressão física, tinha um desejo quase à la Revolução Francesa de pendurar ‘aqueles caras’ [políticos]”, recorda.

O período foi marcado para Paes por um momento de contatos permanentes com o então prefeito de São Paulo e hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e pela discordância com posturas do governo federal. A presidente era a petista Dilma Rousseff. No início de 2013, conta o carioca, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, preocupado com a inflação, pediu aos prefeitos das duas maiores cidades do país para segurarem os preços das passagens até o meio do ano. “Ou seja, controle de preços é ruim, não funciona. A origem da coisa toda foi isso”, avalia Paes, que foi aliado de Lula, teve relação menos afetuosa com Dilma e hoje é de novo apoiador do presidente.

A decisão de revogar o aumento de 20 centavos no preço das passagens foi combinada com Haddad, diz. Incomodaram o prefeito do Rio declarações da então ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann — de que o governo federal já havia feito desonerações e que cabia aos prefeitos reduzir as tarifas —, e o que considera uma tentativa de Dilma “tirar da reta dela” o turbilhão político. “Liguei para o Haddad e falei que não ia segurar aquela situação com a Dilma e a Gleisi fazendo graça”, relembra.

É claro, observa o prefeito, que junho sozinho não foi suficiente para causar tudo o que aconteceu na política brasileira dali em diante. “Depois, para dar mais caldo, soma-se a Lava-Jato, com fatos inventados, mas também verdadeiros. Formou-se um caldo que permitiu o crescimento de um segundo, terceiro escalão da política, gente que não tinha feito sucesso na política, que não tinha importância”, afirma.

“Quem soube melhor aproveitar isso foi o próprio Bolsonaro, que conseguiu se travestir de antipolítico apesar de todos os mandatos na Câmara.”

Valor Econômico