Lira usa “articulação política” como desculpa

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Foto: Gabriela Biló/Folhapress

São recorrentes as críticas ao governo por não conseguir se articular no Congresso para garantir uma base de apoio às matérias de seu interesse. O foco dessas reclamações está voltado para os ministros Rui Costa, da Casa Civil, e Alexandre Padilha, de Relações Institucionais, que são os responsáveis por fazer essa intermediação entre Executivo e Legislativo. Realmente, não se pode dizer que o trabalho de Costa e Padilha seja bom, já que nas primeiras votações na Câmara o governo amargou muitos revezes. As reclamações dos deputados e até do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), são públicas.

No entanto, quando se vai apurar os motivos pelos quais os parlamentares – especialmente os do Centrão — estão insatisfeitos, descobrimos que aquilo que alguns chamam de “articulação política” nada mais é que uma expressão cínica para encobrir a voracidade dos políticos fisiológicos por verba e cargos. Até certo ponto, é normal que os partidos que apoiam um governo queiram ter correligionários participando em alguns postos da administração. Não há político que apoie uma gestão para ter apenas o ônus, todos querem também o bônus. As contrapartidas exigidas pelo Centrão, porém, vão muito além do razoável. Já era assim antes e piorou depois que Jair Bolsonaro instituiu o presidencialismo de submissão, praticamente entregando a direção de seu governo a Arthur Lira, que decidiu como quis o destino de bilhões em recursos do orçamento secreto. Lira e sua turma ficaram mal-acostumados, a ponto de se sentirem à vontade para cobrar do governo atual o domínio do Ministério da Saúde, pasta fundamental para a qual querem indicar o titular. Por enquanto, Lula resiste. Reportagem de Cátia Seabra e Julia Chaib, publicada hoje na Folha de S. Paulo, dá uma ideia da amplitude do território administrativo que o Centrão quer dominar. Um dos alvos é a Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Segundo define o site do Ministério da Fazenda, é o “órgão que autoriza a ocupação dos imóveis públicos federais, estabelecendo diretrizes para alienação de imóveis, cessão onerosa ou gratuita dentre outras formas de destinação”. Além disso, “promove a gestão dos terrenos de Marinha, das praias marítimas e fluviais e o controle do uso dos bens de uso comum”. Não é difícil estimar os polpudos valores e interesses que a SPU movimenta, além do poder político que confere a seu titular. Outra meta do Centrão é ocupar a Fundação de Previdência Complementar do Servidor da União (Funpresp), instituição que no início de 2022 tinha uma carteira de investimentos da ordem de R$ 4,8 bilhões. Nos dois casos, a resistência a entregar o controle dos cargos foi feita pela ministra Esther Dweck, da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Mas de tanto ser bombardeada pelo Centrão – e pelos próprios colegas de governo —, já dá sinais de que vai ceder. A Funpresp está prometida a caciques do Podemos e as filiais da SPU estão a ponto de serem ocupadas por gente do União Brasil. Depois de alguma relutância, também a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, determinou ao presidente do Ibama, Agostinho Mendonça, que cumpra acordos e permita nomeação de apadrinhados políticos na instituição. O preço a pagar caso o governo Lula resista a essas exigências é muito alto. Basta ver o estrago causado pela MP dos Ministérios, que bagunçou completamente a estrutura administrativa que o petista tinha desenhado para sua gestão. Em entrevista à CNN Brasil, o líder do União Brasil na Câmara, deputado Elmar Nascimento (União-BA), reconheceu que é direito do governo colocar em prática o organograma que desejar, mas que a MP dos Ministérios foi um “recado” a Lula por não atender às reivindicações do Centrão. Não é possível continuar chamando esse escambo descarado de “articulação política”. Trata-se de pura e simples pressão sobre o governo para conseguir recursos e postos que possibilitem ganho eleitoral ou financeiro. Classificar essa relação imoral de “articulação política” é dar nome muito nobre a negociações que em nenhum momento levam em conta o bem do país e dos brasileiros. Se a maioria do Congresso é composta por políticos fisiológicos e o o “toma lá, dá cá” é inevitável, pelo menos que seja tratado pelo termo correto: chantagem.

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