Lula anuncia ‘espetáculo do crescimento’ em julho

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Foto: Valor

A partir de julho, terá início o “espetáculo do crescimento”, assegurou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma plateia repleta de sindicalistas. Era junho de 2003, e eram outros tempos. Hoje, não se vê tamanha confiança no Palácio do Planalto, ainda que os recentes sinais da economia representem um alívio para aqueles que no campo político sofrem diariamente para colher notícias positivas.

Naquele discurso, feito em São Bernardo do Campo (SP), seu berço eleitoral, Lula ofereceu um roteiro familiar aos presentes: o governo não teve como tomar providências com mais agilidade porque o país estava na UTI depois das eleições, a credibilidade internacional brasileira estava enfim recuperada e já era perceptível uma desaceleração da inflação.

Para aquecer a economia e modernizar a frota nacional, pontuou, medidas voltadas ao setor automotivo haviam sido adotadas. “Anteontem nós anunciamos o maior Plano de Safra que a agricultura familiar brasileira já ouviu ser anunciado”, acenou ao campo.

Foi nesse contexto que Lula cunhou a expressão que seria alvo de ironia da oposição e objeto de desforra de petistas depois das altas do Produto Interno Bruto (PIB) experimentadas a partir de 2004.

Vinte anos depois, especialistas revisam novamente para cima suas estimativas para o PIB. Segundo o mais recente Relatório Focus, divulgado pelo Banco Central nessa segunda-feira (12), a mediana das projeções do mercado para o crescimento da economia para 2023 subiu de 1,68% para 1,84%. O movimento se dá depois da notícia de que o país cresceu 1,9% no primeiro trimestre do ano ante os últimos três meses de 2022, e não deve parar por aí.

Como revelou o Valor na semana passada, o Ministério da Fazenda deve revisar para mais de 2,4% a sua projeção de crescimento do PIB de 2023. A atualização deve-se justamente ao desempenho acima do esperado da economia brasileira no primeiro trimestre, puxado pela agropecuária, e das medidas adotadas para estimular o crédito e reduzir a inadimplência das famílias.

A área técnica da equipe econômica considera que apenas o chamado “carrego estatístico” seja capaz de gerar esse crescimento de 2,4%. Ou seja, ainda que o avanço no restante do ano seja igual a zero, esse seria o desempenho do PIB em 2023.

No governo, nas últimas horas também foram captados sinais positivos vindos do Banco Central, alvo prioritário de Lula desde a posse. Durante evento na segunda-feira, o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, ressaltou que um pedaço relevante do resultado do primeiro trimestre veio de fato da agricultura. Mas apontou que o setor de serviços também veio forte, e ressaltou que comércio e indústria começaram a mostrar melhora. Ainda segundo ele, existem surpresas boas na atividade e na inflação “ao mesmo tempo”.

A expectativa no governo é que o Comitê de Política Monetária (Copom) sinalize em breve uma redução da Selic, ainda que mantenha a taxa de juros no atual patamar de 13,75% ao ano na reunião da semana que vem. Na sequência, ainda de acordo com o roteiro desenhado no governo, seria a vez de o Conselho Monetário Nacional (CMN) debater eventual mudança no prazo do regime de metas de inflação, o Senado aprovar o arcabouço fiscal e a reforma tributária avançar na Câmara.

Lançado o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estaria dada a sinalização de que a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) voltaria a subir – investimentos públicos e privados. E em outra frente, vislumbra-se, teria sido aberto o caminho para um aumento do consumo das famílias, com o lançamento do programa de refinanciamento de dívidas Desenrola, a antecipação do 13º dos aposentados, o aumento real do salário mínimo e o novo Bolsa Família. E assim como foi feito no primeiro semestre de 2003, o governo logo lançou mão de um programa voltado ao setor automotivo.

Mas desta vez não se ouve falar de “espetáculo do crescimento”. Questiona-se, nos bastidores, se o desempenho do setor agropecuário se manterá consistente. O câmbio impõe desafio aos exportadores e a situação do mercado internacional pode tornar-se menos favorável para o produtor brasileiro, teme uma fonte. Os problemas históricos de falta de infraestrutura de armazenamento persistem e não terão solução no curto prazo. O novo Plano Safra, diferentemente daquele longínquo 2003, ainda é negociado entre os ministérios – fato que preocupa produtores e interlocutores do governo.

A melhora da economia é vista como fundamental para impulsionar a popularidade do presidente e, em meio às turbulências na articulação política, tornar a base governista um habitat mais atraente.

Existem, também, preocupações estruturais e de longo prazo entre interlocutores do presidente. Uma crise econômica aguda e persistente sempre pode, em tese, abrir caminho para o retorno da extrema direita ao poder, alerta uma fonte. É o risco que a França enfrenta depois da decisão do presidente Emmanuel Macron em avançar com uma impopular reforma da Previdência, acrescenta.

Lula, de forma compreensível, começa a dar um melhor tratamento ao agro e a quem pode impulsionar a economia. Para garantir uma boa colheita, terá que partir cada vez mais do discurso à prática.

Valor Econômico