Acionistas da Petrobras fazem terrorismo sobre “desabastecimento”

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Foto: REUTERS/Sergio Moraes

Pouco mais de dois meses após a mudança na política da Petrobras, os preços dos combustíveis no mercado externo descolaram dos valores praticados pela estatal e passaram a testar a nova estratégia da Petrobras.

Até maio, a Petrobras adotava a política de paridade de importação (PPI), que equipara os valores praticados nas refinarias brasileiras aos de importação. Ou seja, o valor do combustível quando chega aos portos do Brasil. Isso inclui custos com frete e seguros, por exemplo.

A Petrobras adotou a política por 6 anos, mas em maio decidiu adotar uma nova estratégia com preços abaixo do PPI.

No primeiro mês após a mudança na estratégia, os valores praticados pela Petrobras não estiveram tão distantes da importação, mantendo-se cerca de 5% abaixo da paridade.

Mas, nas últimas semanas, o valor da gasolina vendida pela estatal está pelo menos 10% abaixo do preço praticado pelos importadores.

Já de acordo com dados da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), na sexta-feira (28), a gasolina estava 24% abaixo do preço praticado pelos importadores, o equivalente a cerca de R$ 0,77 por litro.

O óleo diesel estava 21% mais baixo do preço praticado no mercado externo, ou R$ 0,78 por litro.

A última redução no preço da gasolina foi anunciada pela Petrobras em 30 de junho, quando o combustível passou a custar em média R$ 2,52 por litro nas refinarias da estatal.

Nesse período, o preço do petróleo subiu e o dólar caiu. Embora os dois fatores afetem o preço de importação diretamente, eles não justificariam o grau de diferença entre o preço praticado pela Petrobras e a importação.

Segundo o sócio da Leggio Consultoria, Marcus D’Elia, a diferença no preço da gasolina pode ser motivada pela valorização do combustível nos Estados Unidos –de onde vem a maior parte da gasolina importada pelo Brasil.

Por causa do aumento na demanda local, nos Estados Unidos, o valor da gasolina aumentou e o combustível ficou mais caro para os importadores. Consequentemente, isso elevou a diferença com os valores praticados pela Petrobras.

Para o presidente da Abicom, Sergio Araujo, “o que está acontecendo é que está existindo uma valorização das commodities no mercado internacional e a Petrobras não está acompanhando”.

Segundo D’Elia, a diferença nos preços representa um teste para a nova política da Petrobras. É o momento de observar se a estatal vai aumentar o preço para manter os combustíveis no patamar de cerca de 5% abaixo do PPI, como vinha fazendo.

“Temos que esperar um pouco para ver se esse valor de 10% ainda vai se manter com a Petrobras. Aí sim vamos ver como está a política de preços da Petrobras, se reagir e subir um pouquinho o preço, vai voltar para aquele patamar de 5% que temos acompanhado na Petrobras”, afirmou D’Elia.

A Petrobras segue como a maior fornecedora de combustíveis do Brasil, com custo de produção local. Portanto, a diferença não deve afetar as contas da estatal, mas afeta a atividade de importação.

Como cerca de 12% da gasolina e 25% do diesel consumidos no Brasil são importados, a Petrobras não pode praticar preços muito abaixo do mercado internacional, sob o risco de inviabilizar a importação e prejudicar o abastecimento nacional.

Araujo afirma que a diferença nos preços está tornando a atividade de importação menos atrativa.

“A nossa expectativa é de que já no mês de julho e agosto o volume importado pelos importadores vá ser bem menor do que os que vinham acontecendo e isso então potencializa o risco de desabastecimento”, declarou.

O presidente da Abicom afirmou que as distribuidoras têm demonstrado preocupação em relação ao abastecimento na segunda metade de agosto.

“Na primeira quinzena, elas consomem o volume fornecido pelas refinarias da Petrobras e, na segunda quinzena, quando elas dependem mais de volume importado, elas já estão demonstrando preocupação com a disponibilidade no mercado. Mas, efetivamente, ainda não temos registro de desabastecimento”, declarou.

Ao g1, a Petrobras negou que haja risco de desabastecimento no mercado nacional.

“Não se observa risco de desabastecimento. A demanda nacional vem sendo atendida tanto pela Petrobras, quanto pelos demais produtores e importadores que atuam no mercado brasileiro”, afirmou a estatal em nota.

A Petrobras disse ainda que aumentou em 7,4% a produção de gasolina em suas refinarias no segundo trimestre, em comparação com o período de janeiro a março.

Em 16 de maio, a Petrobras anunciou o fim da paridade de preços dos combustíveis derivados, como gasolina e diesel, com o mercado internacional.

Pela regra que vigorava antes, desde 2016, o preço desses produtos no mercado interno acompanhava as oscilações internacionais no preço do petróleo e do dólar.

No cálculo anterior, chamado de Preço de Paridade de Importação (PPI), a Petrobras considerava o valor do petróleo no mercado global, o valor do dólar e custos logísticos como o fretamento de navios, as taxas portuárias e o uso dos dutos internos para transporte.

Já na nova política de preços, a estatal passou a considerar o intervalo entre duas referências de mercado:

o maior valor que um comprador pode pagar antes de querer procurar outro fornecedor;
e o menor valor que a Petrobras pode praticar na venda mantendo o lucro.

O fim da paridade internacional ajudou a Petrobras e o governo, controlador da estatal, a conter o aumento no preço da gasolina aos consumidores por conta do repasse das elevações de tributos.

Em junho, os estados mudaram no formato de cobrança do ICMS sobre a gasolina. O aumento variou de estado para estado, mas o reajuste médio da tributação estadual foi de R$ 0,16 por litro no país.

Já no fim do mês passado, foi a vez de o governo federal elevar a tributação federal sobre gasolina e etanol. A alta foi de R$ 0,34 por litro para a gasolina e de R$ 0,22 por litro de etanol.

Em meados de maio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou que a Petrobras poderia reduzir os preços dos combustíveis nos meses seguintes justamente para compensar o aumento dos tributos federais previstos para julho.

“Com o aumento [de tributos] previsto para 1º de julho, vai ser absorvido pela queda do preço deixada para esse dia. Nós não baixamos tudo o que podíamos. Justamente esperando o 1º de julho, quando acaba o imposto de exportação e acaba o ciclo de reoneração”, declarou, ele na ocasião.

Em 2014, ano de eleições, a presidente Dilma Rousseff também segurou os preços dos combustíveis. Naquele momento, não havia tensões externas impulsionando o preço do petróleo.

Em 2017, o Ministério Público Federal do Rio moveu uma ação civil pública por improbidade administrativa contra o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e a ex-presidente da Petrobras Graça Foster.

O MP do Rio argumentou que os dirigentes da empresa mantiveram uma política de retenção de preços dos combustíveis e a defasagem em relação ao mercado internacional, causando prejuízos à Petrobras.

O economista André Perfeito observou que os combustíveis têm peso no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país.

E que eventuais reajustes poderão influenciar as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 13,75% ao ano – o maior nível em seis anos e meio. A expectativa do mercado é de que a taxa comece a recuar na próxima semana.

“Os preços da gasolina e do diesel estão se afastando perigosamente dos seus valores internacionais e criam risco concreto para a comunicação do BCB que deve iniciar o corte de juros semana que vem, avaliou Perfeito.

Segundo ele, a ausência de sinalização sobre o repasse da variação externa aos preços pela Petrobras pode criar dificuldades para a condução da política de juros no sentido de pegar o BC no “contrapé”.

Ele avaliou que um aumento nos combustíveis pela Petrobras, logo após um corte de juros pelo Banco Central, poderia ter impacto na curva de juros do mercado futuro – que serve de referência para as taxas bancárias.

“Um corte de juros mais forte semana que vem que não for acompanhado por uma sinalização da Petrobras pode se tornar uma Vitória de Pirro, ou seja, a parte curta da curva cai mas devolve tudo na parte longa”, avaliou André Perfeito.

G1