Bolsonarismo entoa choradeira no Senado por golpistas presos

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Foto: TV Senado

Houve uma audiência pública na noite desta quinta no Senado, requerida por Eduardo Girão (Novo-CE) e Jorge Seif (PL-SC), para debater a situação dos golpistas que ainda estão presos. Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição, roubou a cena. Sabem o sentimento de vergonha alheia? Raramente me senti tão constrangido ao me imaginar na pele de outro. Marinho perdeu as noções de limite, ridículo e compostura.

A sessão se transformou numa espécie de catarse para demonizar o ministro Roberto Barroso, do STF. Em evento da UNE, na quarta, Barroso afirmou: “Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”. Era evidente que se referia ao golpismo, não àqueles que se identificam com a oposição. Já tratei do assunto no programa “O É da Coisa” (vídeos abaixo). Não me aterei a isso agora.

Quando chegou a sua vez de falar, eis que Marinho, santo Deus!, começou a chorar. Seu pai, presente à sessão — o ex-senador Valério Djalma Cavalcanti Marinho —, então se levanta para abraçá-lo. Os demais o aplaudem. Comoveu-se ao pensar nos golpistas que estão atrás das grades. Que fofo! Não consta que este senhor tenha derramado uma miserável lágrima pelos mais de 800 mil encarcerados no país — 40% sem sentença com trânsito em julgado. Durante a pandemia, quando seu chefe político aderiu à necropolítica, o número passou dos 900 mil. Trata-se da terceira maior população carcerária do mundo. Boa parte está confinada em masmorras, muito longe das condições salubres em que se encontram os que tentaram pôr fim à democracia, sob o silêncio cúmplice de gente como… Rogério Marinho.

Foi um momento nauseante do Parlamento brasileiro. Presente à sessão, gente como Flávio Bolsonaro, o “Zero Um” do “Zero Zero”, que é o inspirador da divisa criminosa que essa gente tem para os pretos de tão pobres e pobres de tão pretos que se amontam nos presídios: “Direitos humanos para humanos direitos”. Ainda me lembro da que disse o Coiso ao saber que, num presídio, presos estavam decapitando seus adversários internos. Indagou se havia alguma pessoa boa por lá. Marinho pretende ser a face humana e civilizada dessa escória. Mas, como se verá, é tarefa impossível.

O “capitão” está inelegível e assim seguirá por oito anos — por enquanto. Acho que a sua situação vai se agravar. E chegará o dia em que ele próprio integrará o grupo dos mais de 800 mil, mas com direitos respeitados, é claro! Marinho foi picado pela mosca azul. Está se oferecendo como pré-candidato a líder da extrema-direita e, pois, como alternativa em 2026. O discurso que se seguiu às suas lágrimas deixa isso evidente. Candidata-se a pensador e a estrategista da turma.

Para quem tinha acabado de perder a fala, movido por forte emoção, tornou-se surpreendentemente eloquente:
“Eu acho que todos nós temos uma responsabilidade muito grande. Estamos vivendo um momento muito desafiador, que nos cobra atitude, mas também nos cobra inteligência (…). Nós temos que ter resiliência, planejamento, estratégia”.

E quem está pronto a oferecer tudo isso? Bidu! Acertou quem pensou… “Rogério Marinho”!

O fiel servidor de um fascistoide golpista, que passou quatro anos tentando golpear a democracia e optou pela política da morte no na “parceria” com a pandemia, passou, então, a falar como um militante da resistência numa França ocupada pelos nazistas:
“Nós precisamos desmistificar o que é colocado como lugar comum, como uma palavra de ordem, uma estratégia deliberada de desumanizar aqueles que pensam diferente. Eu acho que a palavra de ordem é ‘relativização’. Nós estamos relativizando a democracia, a inviolabilidade dos mandatos, a Constituição, os direitos humanos, o ordenamento jurídico, os valores…”

Alguém tem memória de um só discurso de Marinho em favor da democracia e do estado de direito quando o seu antigo líder saía por aí a ameaçar as eleições? E ele prosseguiu:
“Há dois ordenamentos jurídicos no país: um para os que estão dentro de um espectro ideológico; outro para aqueles que foram vencidos na eleição, de todas as maneiras possíveis”

Estre senhor estaria obrigado, se fosse sério, a apontar um só exemplo de pessoa que tenha sido punida ou perseguida por qualquer dos entes do Estado apenas por fazer oposição. Ocorre que Marinho já deixou claro mais de uma vez que suas concepções de liberdade de expressão e imunidade parlamentar abrigam práticas e discursos criminosos.

Mas sigamos com ele:
“Eu acho que, mais do que nunca, é necessário restabelecer a normalidade democrática do nosso país, e isso passa por que cada instituição cumpra o seu papel, sem essa hipertrofia, ou essa interferência entre as ações dos respectivos Poderes.”

A normalidade passa pelo cumprimento do que está na Constituição, que não autoriza que as pessoas se organizem para dar golpe de Estado. Mas agora vem o pulo do gato golpista. Esse orador que parece, assim, vegetariano, herbívoro mesmo, vai agora mostrar o seu lado carnívoro. Prestem atenção ao que segue: com sua falinha mansa, vai endossar a tese da extrema-direita mais abjeta, segundo a qual os responsáveis pelo golpe são aqueles que seriam golpeados. Leiam:
“Eu tenho tentado, dentro da minha condição de parlamentar e da responsabilidade de liderar uma oposição que é multifacetada, transmitir, sobretudo, a essência do pensamento de grande parte da população brasileira, que sente, mais do que nunca, a necessidade de que esses fatos [os atos de 8 de janeiro] sejam elucidados. Porque, se aconteceu, foi permitido, e quem permitiu o fez por desídia ou por dolo”.

É a mesma lógica que culpa a pessoa estuprada pelo estupro. Segundo tal perspectiva, a vítima será sempre a responsável pelo mal que outro lhe faz. Ora, tivesse tomado as medidas preventivas, e o crime não teria se consumado. Alguma fez para merecer: estava com saia curta, andou em lugar escuro, não seguiu medidas de segurança. A extrema-direita punitivista e reacionária, de que Marinho faz parte, se torna, assim, surpreendentemente permissiva e laxista. Mas calma lá! Só com bandidos que partilham da mesma ideologia, da mesma visão de mundo. É Marinho quem pede um regime jurídico particular.

E o livre-pensador prosseguiu:
“Hoje, falar diferente é nadar contra a maré. Nós estamos terminando esse período agora, vamos ter um recesso de 15 dias, mas não há recesso para quem está preso, para quem tá longe das suas famílias. Hoje, meu pai vem me visitar. O nome da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal chama-se Djalma Marinho, que é o pai dele, meu avô. E eu me lembro, Magno [Malta], que, naquela época, nos idos de 68, quando foi decretado o AI-5, onde o arbítrio realmente impediu que as pessoas se manifestassem, onde houve, de fato, censura em nosso país, foi fruto de uma ação do meu avô, que, então presidente da Comissão de Constituição e Justiça, impediu que um deputado de oposição fosse cassado porque falou no exercício do seu mandato. Não concordar com que alguém diz é natural, é saudável, é salutar, faz parte do processo democrático, da convivência entre os contrários.”

Marinho é um rascunho malfeito de militante liberal. Ele se refere ao discurso proferido pelo deputado Márcio Moreira Alves no dia 2 de setembro de 1968, denunciando tortura e pregando que as moças boicotassem a festa de formatura de militares. A ditadura exigiu que a Câmara desse licença para que fosse processado. O então presidente da CCJ, Djalma Marinho, avô de Rogério, que pertencia, note-se, à Arena, o partido da ditadura, não se vergou. O neto deveria se lembrar do que disse seu avô, citando o poeta espanhol Calderón de la Barca: “Ao rei tudo, menos a honra”.

Continuemos com aquele que se candidata a ser a farsa do avô:
“E que nós vemos hoje é que boa parte da nossa mídia diz o seguinte: ‘Ele não pode falar porque ele professa uma ideologia que nos choca. E todos nós somos colocados de uma forma caricata, como se fôssemos de extrema-direita. Porque defendemos valores, a família, a religião, a liberdade, o livre arbítrio, a propriedade? Se esses são conceitos que caracterizam o extremismo, o que dirá da extrema-esquerda, que defende a invasão de propriedades, as políticas identitárias como condições doutrinárias para serem inoculadas no conjunto da sociedade, não como um processo de tolerância, mas como um processo de imposição de atitudes? Vivemos tempos desafiadores, mas a nós cabe, eminente presidente, termos a inteligência de fazermos o enfrentamento da maneira adequada. E você coloca com muita propriedade na sua fala: nós ainda temos a nossa voz, que necessariamente precisa reverberar, ecoar cada vez mais forte para que as pessoas tomem conhecimento do que tá acontecendo no nosso país. E que a conivência, concordância, a resignação, ela não vai levar a lugar nenhum. Todos nós podemos fazer a nossa resistência, mostrando os equívocos e apontando o caminho da tolerância, da normalidade, do restabelecimento do estado de direito”.

Marinho se tornou um caricato extremista de direita. Márcio Moreira Alves falava em defesa da democracia e denunciava o arbítrio. O AI-5 foi baixado por um regime de força apoiado por seu avô, ainda que tenha se comportando de maneira decente no episódio em questão. É irresistível escrever o que vai agora: Djalma, o avô, teve um comportamento digno numa ditadura de que era aliado; Rogério, o neto, comporta-se de modo indigno numa democracia de que se mostra adversário.

O seu aparente discurso em defesa da liberdade e da tolerância quer inocular na sociedade, ao contrário do que diz, a cultura do ódio. Os que não estão com Marinho, Bolsonaro e sua turma seriam, então, adversários da família, da religião, da liberdade, do livre arbítrio e da propriedade. De modo pensado, não se limita a convocar os proprietários de terra — o governo ao qual ele se opõe fez o maior Plano Safra da história —; ele também conjura as hostes da homofobia e da transfobia para enfrentar aqueles que estariam interessados em “impor as suas atitudes” a gente como ele próprio, esse poço de virtudes.

Vale dizer: demoniza como adversários da família, da religião e da propriedade os que não estão com ele para, hipocritamente, pregar a “tolerância, a normalidade e o estado de direito”.

Em defesa de quem, mesmo, discursava este senhor tão distinto? Dos golpistas que promoveram o mais violento ataque da história às instituições em tempos democráticos. Seu avô, apoiador do golpe de 1964, resistiu a ser mero esbirro de uma tirania e disse: “A honra não”. O neto topa ser escora da extrema-direita, ainda que custe a honra. Ou o que dizer um senador que não hesita em marcar os vulneráveis como alvos numa fala “em nome da liberdade”?

Este senhor foi às lágrimas para se oferecer como uma alternativa da extrema-direita em 2026. Mais uma evidência de que não tem noção de limites. Nem dos próprios.

Cabe a síntese: ao chamar a memória de Djalma Marinho, parece ambicionar a repetição da história. Ela se repete? Ah, é irresistível citar um certo Karl Marx:
“Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”

Uol