Como Lula está consertando estragos de 2013

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Foto: Isaac Fontana/EFE

Em 1992, o americano James Carville, marqueteiro do então candidato à Presidência dos Estados Unidos Bill Clinton, resumiu de forma enfática o único tema que, para ele, importa em uma campanha: “É a economia, estúpido”, disse. O velho clichê parece ser seguido à risca pelo presidente Lula. Nas últimas semanas, o governo lançou uma série de iniciativas para capturar a atenção de uma parcela de brasileiros que, de forma imprudente, havia sido negligenciada pelos petistas: a classe média. Os projetos vão desde descontos para a compra de carros até a ampliação das faixas de preços dos imóveis contemplados pelo programa Minha Casa, Minha Vida, entre outras ações em andamento. Em todas elas, Lula quer fisgar as pessoas pelo bolso — é a economia, sempre ela, que fala mais alto. “Houve um esgarçamento da relação do PT com setores médios da sociedade desde as manifestações de 2013”, diz o economista Samuel Pessôa, da Fundação Getulio Vargas. “Agora estamos vendo lideranças do partido retomarem um diálogo mais produtivo com esse público.”

O governo começou a dar vazão a essa estratégia no início de junho. O primeiro aceno veio com o programa de incentivos para a compra de carros avaliados em até 120 000 reais, valor que, ressalte-se, atinge em cheio os anseios da classe média. A iniciativa, liderada por Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, concedeu 800 milhões de reais em créditos tributários para montadoras. Ao todo, 150 000 veículos foram vendidos e a ação esgotou-se em um mês, embora a ideia original fosse esten­dê-la para um período mais longo. No mesmo mês, Lula relançou o programa Minha Casa, Minha Vida com a ampliação do limite dos imóveis que se enquadram no benefício para 350 000 reais. Já há estudos no Ministério das Cidades para ampliar a faixa de renda para até 12 000 reais e o teto para 600 000 reais. Outros projetos em gestação, como o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda e um programa de renegociação para renda de até 20 000 reais, também miram alcançar um estrato social mais amplo.

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O desafio não é simples. Boa parte da classe média que ascendeu nos governos Lula sofreu depois com o desastre econômico da gestão Dilma Rousseff. O avanço do conservadorismo na sociedade brasileira, fenômeno detectado por diversos estudos, também afastou esse público do ideário petista, e o radicalismo das alas mais ideológicas do partido só fez aumentar a dissonância diante da nova realidade do país. Nas pesquisas de avaliação do governo, Lula vai mal quando estende tapete vermelho ao ditador venezuelano Nicolás Maduro, um tema que incomoda, com justiça, a percepção do chamado público de centro. No campo oposto, é na área econômica que seu governo tem a melhor nota. O espectro da classe média é bastante amplo em um país como o Brasil. Em linhas gerais, trata-se de parcela da população que vive com a renda do trabalho, seja ele formal ou informal, mas que enfrenta algum nível de vulnerabilidade econômica, dada a sua proximidade com a base da pirâmide. Segundo critério adotado pela Fundação Getulio Vargas, a classe C tem renda domiciliar entre 2 284 reais e 9 847 reais mensais. Durante a pandemia, lembre-se, foi o grupo social que liderou a perda de renda e, portanto, está mais suscetível a benesses econômicas. “É um eleitorado que não se vê como classe baixa, mas também depende de políticas de Estado, como subsídios para a compra do carro ou do financiamento da casa”, diz o cientista político Felipe Nunes, CEO da empresa de consultoria e pesquisa Quaest.

De fato, a pandemia provocou estragos nos bolsos desse público. Um levantamento realizado pelo Instituto Locomotiva constatou que a crise trazida pela Covid-19 fez a classe média encolher em relação ao total da população, caindo de 51% em 2020 para 47% em 2021 — é exatamente o mesmo percentual dos que ocupam a base da pirâmide. A queda da renda leva inevitavelmente à redução do consumo e ao aumento da inadimplência, fatores que provocam danos a diversas cadeias econômicas. Segundo Guilherme Mello, secretário de Políticas Econômicas do Ministério da Fazenda, o programa de renegociação de dívidas Desenrola foi concebido justamente para impulsionar o consumo. A faixa 2 da medida destina-se às pessoas com renda mensal de até 20 000 reais — alcançando também integrantes da classe B — e que possuem débitos com bancos, que vão receber incentivos para elevar a oferta de crédito em troca de descontos.

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O acesso ao crédito é um dos pontos-chave para aumentar a sintonia entre o governo e a classe média, que, afinal, depende de financiamento para adquirir bens. Isso explica, ao menos em parte, a crítica barulhenta do presidente às taxas elevadas de juros do Banco Central. A queda da Selic, esperada para ocorrer já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária, em agosto, deverá facilitar o acesso aos recursos necessários para o aumento do consumo. “Há uma sensibilidade muito grande dessa parcela da população à política monetária”, reforça Alexandre Pires, economista e professor do Ibmec-SP.

Na quarta-feira 12, Lula sinalizou, mais uma vez, que os programas de incentivos terão continuidade. Em evento no Palácio do Planalto, sugeriu ao vice-presidente Geraldo Alckmin a reedição do velho programa de descontos para a compra de eletrodomésticos. Em 2009, no segundo mandato, o petista reduziu o IPI sobre produtos como geladeiras e máquinas de lavar. Embora seja evidente que o Brasil precise encontrar meios para destravar a economia, a história recente ensina que a desoneração excessiva de tributos é prejudicial ao país. No governo Dilma, os cofres públicos perderam centenas de bilhões de reais com os programas de benesses e renúncias de impostos, e o que se viu na sequência foi uma crise fiscal sem precedentes. Repetir tal malogro, portanto, representaria um equívoco histórico. Além de oferecer casa, carro e crédito — os símbolos da classe média brasileira —, o novo governo Lula deveria buscar incansavelmente o crescimento sustentável da economia, com geração de emprego e renda associada à responsabilidade fiscal. Só assim será possível evitar que as bondades de hoje cobrem um preço muito alto no futuro.

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